Brasília - O julgamento do processo de impeachment contra a presidente afastada Dilma Rousseff está previsto para terminar por volta das 23h desta segunda-feira. Durante a sessão, ela se defendeu das acusações, elogiou programas sociais, como Bolsa Família e Minha Casa Minha Vida, e se referiu ao rito como "golpe". "Não utilizei recursos públicos em meu benefício ou de minha família. Estão condenando uma pessoa inocente. O golpe, em vez de solucionar, vai agravar a crise", destacou.
Após uma pausa de uma hora para a janta, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, retomou a sessão às 19h. O julgamento começou às 9h41 desta segunda-feira.
O início do julgamento
Dilma chegou ao Congresso pouco depois das 9h. "É por ter minha consciência absolutamente tranquila que venho e digo com a serenidade dos que nada têm a esconder que não cometi os crimes dos quais sou acusada injustamente", afirmou a presidente afastada em seu discurso. "Viola-se a democracia e pune-se uma inocente. Estamos a um passo da concretização de um golpe de Estado", disse em outro momento.
Cada senador tem cinco minutos e Dilma tem tempo livre para as respostas. Antes de responder, a petista dispôs de cerca de 40 minutos para sua defesa. Os senadores presentes são 78. Cerca de 10 senadores já fizeram perguntas à presidente afastada.
"Lutei por uma sociedade livre de preconceitos e discriminações, por um Brasil
soberano, mais igual e justo. Após ser mãe e avó, não seria agora que abdicaria dos princípios que me guiaram. Tenho sido intransigente na defesa da honestidade e na gestão da coisa pública, por isso não posso deixar de sentir na minha boca amargamente o gosto da injustiça e do arbítrio. No passado com as armas e hoje com a retórica jurídica pretendem atentar contra a democracia", ressaltou em sua defesa
Em seu discurso, Dilma ressaltou o cenário criado para o processo de impeachment, falando que se assumiu uma postura de quanto pior melhor para desgastar o governo, sem se importar com o país. "Fizeram de tudo para impedir minha posse e atrapalhar meu governo", disse Dilma a respeito dos aliados do "candidato derrotado nas urnas", Aécio Neves.
"Foi criado um ambiente de instabilidade política favorável ao processo de impeachment. Muitos articularam e votaram contra propostas que durante toda vida defenderam sem se importar com o povo, queriam se aproveitar do momento", declarou.
Eduardo Cunha e 'morte política'
"Todos sabem que esse processo de impeachment foi aberto por chantagem explícita de Eduardo Cunha. Ele exigia que eu ameaçasse parlamentares do meu partido para não votar seu processo de cassação", disse Dilma.
Emocionada, ela falou que depois de duas "quase mortes", uma na ditadura e outra em sua luta contra uma doença, o câncer, só teme a morte da democracia. "Sofro com o receio de que a democracia seja condenada junto comigo", afirmou a presidente que fez várias vezes referência aos 54 milhões de votos que a colocaram no poder.
Ao encerrar sua defesa, ela afirmou: "Diálogo, participação e voto livre são a melhor arma que temos para preservar a democracia. Cassar em definitivo meu mandato é como me submeter a uma pena de morte política."
Acusações
A presidente afastada fez questão de ressaltar que ao editar os decretos de crédito parlamentar, o procedimento não foi questionado pelo Tribunal de Contas da União (TCU). "É importante que a população brasileira saiba que os decretos foram editados em julho de 2015 e somente em agosto de 2015 foi aprovada nova norma. Querem me condenar por ter assinado decretos que atendiam demandas da população e do próprio judiciário", afirmou.
Ela afirmou que os decretos não afetaram a meta fiscal, foram editados de acordo com as regras e “apenas ofereceram alternativas para uso de recursos”. Segundo ela, diferentemente do que adversários políticos afirmam ao atribuir aos decretos os atuais problemas fiscais do país, eles ignoram a forte queda de receita e contingenciamento de recursos feito em 2015, “o maior contingenciamento da nossa história”.
“Os decretos foram editados em julho e agosto de 2015 e somente em outubro o TCU aprovou nova interpretação. Querem me condenar a assinar decretos que atendiam demandas da população e do próprio Judiciário? Decretos que somados não implicaram em nenhum centavo de gasto a mais que comprometeria a meta fiscal”, afirmou.
A respeito do Plano Safra, ela afirmou que sua execução é regida por uma lei de 1992, que atribui ao Ministério da Fazenda a competência de sua normatização, "inclusive em relação à atuação do Banco do Brasil". "A Presidenta da República não pratica nenhum ato em relação à execução do Plano Safra. Parece óbvio, além de juridicamente justo, que eu não seja acusada por um ato inexistente", disse Dilma.
Ela destacou que ninguém pode descumprir a Constituição, muito menos o presidente da República ou um senador. "É a Constituição que garante que tenhamos uma vida democrática e ao mesmo tempo civilizada", disse.
Programas sociais e reformas tributárias
Durante a sessão, Dilma alfinetou o governo do presidente interino, Michel Temer, e ressaltou que ela não acabou com os programas sociais, como o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies). A presidente afastada explicou que, no caso do Fies, o seu governo escolheu as instituições e não incluiu aquelas que eram classificadas com notas baixas.
"Só as instituições de qualidade foram financiadas para as pessoas de baixa renda, assim como aconteceu com o Ciências Sem Fronteiras. Fizemos um enorme esforço para preservar os programas sociais", destacou.
Ela lembrou também de iniciativas que beneficiaram atletas, como o Bolsa Pódio, Brasil Medalhas e o Bolsa Atletas. "Assegurou um grande incentivo a atletas de grande rendimento. Incentivamos jovens de periferias a praticas esportes. Não tinha programa assim no Brasil", reforçou Dilma.
Além disso, a presidente afastada elogiou o sucesso dos Jogos Olímpicos, como a Vila Olímpica e o Parque Olímpico, e das obras de mobilidade urbana. Segundo Dilma, os aeroportos ficaram melhores, sem filas enormes e sem "incômodos que tivemos durante anos".
Outro programa social citado por Dilma foi o Minha Casa Minha Vida. "Muitas pessoas o denominaram de 'Minha Casa Minha Dilma', tentando desqualificar o programa. Entregamos cerca de 2,6 milhões de moradias no país. O meu maior orgulho foi ter colocado fim na miséria. Tiramos o Brasil do mapa da fome por meio do Bolsa Família", elogiou ainda a presidente afastada.
Em relação às reformas tributárias, Dilma contou que o Brasil é "o único que não tributa lucros e dividendos" e que é necessário ter uma mudança para que o país saia da crise. Para ela, não há como sair da crise sem adotar algumas alternativas, como aproveitar "a desvalorização cambial e dar fôlego às exportações".
"Em alguns países, há até a ampliação da dívida pública e é fato que, além disso, eles têm juros baixos, compatíveis com essa proporção. Mas eles saíram da crise como nós pensávamos em sair. Um dos fatos que levou o Estados Unidos saírem [da crise] foi a política exportadora americana, quando eles desvalorizaram brutalmente o dólar. Acredito que nós teremos de buscar o entendimento de um meio que articule trabalhadores, empresários, parlamentares, membros do governo e buscar quais são de fato essas reformas que terão de ser feitas no país", explicou.
Dilma afirmou que, em momentos de crise fiscal profunda, não se pode tentar fazer ajuste fiscal de curto prazo, com cortes de gastos. "Isso acentua o caráter pró-cíclico da queda do investimento. O que tem de se fazer é um ajuste de longo prazo, com reformas fiscais, e não tentar colocar um fator de queda maior ainda da arrecadação", afirmou. A presidente afastada reforçou que é preciso fazer política anti-cíclica e que foi assim que conseguiu registrar uma taxa de desemprego mínima no seu governo "Tenho muito orgulho disso".
Falta de diálogo
Na sessão, Dilma foi acusada também de não ter mantido um bom diálogo com o Congresso Nacional. Para ela, há um processo de fragmentação partidária, já que há mais de 15 de partidos no Congresso. "Como dialogar de forma sistemática com 14, 20 partidos? Sem contar que há ainda uma segmentação regional dentro dos próprios partidos", ressaltou.
Ainda assim, a presidente afastada destacou ainda que a falta de diálogo não poderia ser alegada como um crime de responsabilidade. "Há a necessidade de o presidente estabelecer um diálogo de forma sistemática. Não há base para crime", acrescentou.
Plebiscito
Dilma pediu também um plebiscito para consultar os brasileiros sobre antecipar as eleições para presidente. "Eu defendo que hoje um pacto não será possível por cima, mas terá de ser um pacto tecido pela população brasileira. Que ela seja chamada para se posicionar no que se refere às eleições e à reforma política", sugeriu.
A presidente afastada afirmou que sofre um golpe parlamentar. “A literatura chama esses golpes de golpes parlamentares. Não há em toda a teoria política, em nenhum momento nada escrito que golpe de Estado é igual a golpe militar. Golpe de Estado é a substituição de um governo legítimo, sem razão, por quaisquer razões que aleguem, tendo em vista a substituição indevida”, explicou Dilma.
'Nunca renunciaria'
Dilma disse que nunca renunciaria: “Jamais o faria porque tenho compromisso inarredável com o Estado de Direito. Confesso que a traição e as agressões verbais me assombraram e, em alguns momentos, muito me magoaram, mas sempre foram superadas pela solidariedade de milhões de brasileiros pelas ruas”, afirmou.
Como era de se esperar, em sua defesa a presidente falou de sua biografia. "Nessa jornada para me defender, me aproximei ainda mais do povo, tive oportunidade de receber seu carinho e de receber críticas, que acolho com humildade, pois como todos, tenho defeitos. No entanto, entre meus defeitos não estão a deslealdade e a covardia", afirmou ela.
Dilma Rousseff lembrou do período em que foi torturada pela ditadura militar e se emocionou durante seu depoimento no Senado. "Na luta contra a ditadura recebi no meu corpo suas marcas. Amarguei os sofrimentos da prisão e vi companheiros e companheiras violentados e até assassinados. (...) Tinha medo da morte, das sequelas da tortura, mas não cedi, resisti, não mudei de lado apesar de receber o peso da injustiça nos meus ombros, continuei lutando pela democracia. (...) Não luto pelo meu mandato, por vaidade ou apego ao poder, como é proprio dos que nao têm caráter, luto pelo povo do meu país."
"Getúlio Vargas sofreu uma implacável perseguição. Juscelino Kubitscheck foi vítima de constantes e fracassadas tentativas de golpe. João Goulart defensor da democracia, dos direitos dos trabalhadores e das Reformas de Base, superou o golpe do parlamentarismo mas foi deposto e instaurou-se a ditadura militar, em 1964. Hoje, mais uma vez ao serem contrariados nas urnas, agora a ruptura democrática se dá por meros pretextos, embasados por uma frágil retórica política", disse.
Manifestações
Enquanto ocorria o julgamento no Congresso, milhares de manifestantes faziam protestos no país contra e a favor do impeachment de Dilma. Em Brasília, no início da tarde desta segunda-feira, pelo menos 350 pessoas a favor da presidente afastada se reuniram na Esplanada dos Ministérios.
Já no início da noite, houve confusão no ato organizado na Avenida Paulista, em São Paulo. A Polícia Militar chegou a usar bombas de efeito moral para impedir que os manifestantes se aproximassem do prédio da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), entidade que os dois movimentos consideram "patrocinadora do golpe" contra a presidente afastada.
No Rio de Janeiro, um protesto contra o impeachment se concentrou em frente à Candelária, no Centro. Por volta das 19h, o grupo fez uma passeata e a Avenida Rio Branco foi totalmente interditada no sentido Cinelândia e o desvio está sendo feito pela Avenida Passos. Com faixas e bandeiras, os manifestantes se mostraram contra Michel Temer. Até o momento, não há relatos de tumulto no local.
Dilma levou 40 convidados para acompanhá-la em sua defesa. Destes, 30 ficaram nas galerias e 10 — assessores mais próximos —, na tribuna de honra — entre eles, ministros de sua gestão, como Aldo Rebelo (Defesa) e Jacques Wagner (Casa Civil) e artistas como o cantor Chico Buarque e atriz Létícia Sabatella, além do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
No início da sessão, o ministro Ricardo Lewandowski reforçou que não irá admitir nenhuma interferência ou manifestação de apoio, incluindo faixas com dizeres políticos ou vaias, por parte dos convidados de Dilma.
Em conversa com senadores da oposição via telefone neste domingo, a presidente afastada disse que irá honrar toda dedicação do aliados.
"Não tive a satisfação de acompanhar o discurso", diz Temer
O presidente interino Michel Temer disse, nesta segunda-feira, que não teve “a satisfação de acompanhar" o depoimento da presidenta afastada Dilma Rousseff no Senado. Temer deu a declaração durante evento no Palácio do Planalto, quando se encontrou com cerca de 60 atletas olímpicos. No encontro, Temer garantiu mais recursos para desenvolver o esporte brasileiro.
Enquanto Dilma voltava, após o intervalo de almoço, a responder questionamentos dos senadores, o presidente interino recebeu, no Palácio do Planalto, uma delegação de atletas olímpicos.
Perguntado sobre como avaliava o discurso da presidenta afastada no início da manhã, Temer disse não ter tido tempo para assistir à defesa da presidenta afastada. “Sabe que eu não tive tempo de ouvir. Confesso que não tive tempo de ouvir [o discurso de Dilma]. Fiquei trabalhando em uns despachos e não tive a satisfação de acompanhar o discurso”, disse Temer após o encontro com os atletas.
O presidente interino acrescentou que acompanhará essa etapa do julgamento “com tranquilidade absoluta”. “Sou obediente às instituições e espero respeitosamente a decisão do Senado Federal”, disse.
Com informações da Agência Brasil