Fernández, companheiro de chapa da ex-presidente Cristina Kirchner, teve mais de 15 pontos de vantagem para o presidente Mauricio Macri nas primárias do domingo, que servem como uma espécie de termômetro para a disputa pela Casa Rosada. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva felicitou Fernández, por meio do Twitter.
"Se esta esquerdalha voltar na Argentina, nós poderemos ter no Rio Grande do Sul um novo Estado, como o de Roraima, e não queremos isso", disse o presidente, em referência ao êxodo migratório provocado pela crise econômica na Venezuela. "Não queremos ver irmãos argentinos fugindo para cá, caso essas eleições se confirmem."
O presidente ainda vinculou os kirchneristas a outras lideranças de esquerda no Brasil, na Venezuela e em Cuba. "Não esqueçam que na Argentina a turma da Cristina Kirchner, que é a mesma da Dilma (Rousseff), (Nicolás) Maduro, (Hugo) Chávez e Fidel Castro deram um sinal de vida (sic) aqui no Brasil (o presidente se referia à Argentina), ao lado do povo gaúcho", disse. "Existe uma turma aí que quer roubar nossa liberdade, e essa turma apoia a Venezuela, Cuba e Coreia do Norte. Não podemos esquecer isso", acrescentou o presidente.
Fernández, ex-chefe de gabinete de Néstor Kirchner e de Cristina, foi escolhido como cabeça de chapa pela ex-presidente, que enfrenta problemas na Justiça argentina em abril. Em julho, ele visitou Lula na prisão, em Curitiba, e defendeu sua libertação.
Derrota pessoal para Bolsonaro
Para analistas, a vitória de Fernández nas prévias representa um revés para Bolsonaro, que tem se dedicado com afinco desde que assumiu o governo a apoiar Macri. Do lado argentino, especialistas na política local acreditam que a relação com o Brasil e a opinião do presidente sobre a disputa não tem um impacto relavante no cenário eleitoral.
"A vitória de Fernández e Cristina é uma derrota pessoal para Jair Bolsonaro", disse ao jornal O Estado de S. Paulo Dawisson Belém Lopes, professor de política internacional da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). "Isso por que Bolsonaro encampou a causa e fez campanha pessoalmente por Macri. Esteve na Argentina e mesmo nos Estados Unidos quando visitou o ex-presidente George W. Bush falou de uma preocupação do republicano com a eleição argentina."
Para o cientista político Ignacio Labaqui, da Universidade Católica de Buenos Aires, questões de política externa que envolvem o Brasil não são muito relevantes nas eleições argentinas. Além disso, o porcentual dos eleitores no país vizinho que compartilha da ideologia do presidente é pequeno.
"O fato de Bolsonaro apoiar Macri não tem tido influência na eleição argentina", disse o cientista político. "Macri tem relações boas com Trump e Bolsonaro, mas se sente mais cômodo ideologicamente com Obama, por exemplo, do que com a extrema direita que o americano e o brasileiro representam", acrescentou "Macri não tem nada a ver com o que Bolsonaro representa."
Disputa ideológica chega à Argentina
O professor da UFMG ainda lembra que a eleição argentina de outubro será decisiva para medir a disputa entre esquerda e direita na América Latina. Desde 2015, com a eleição do próprio Macri, o humor político da região vinha abandonando os governos de esquerda que se tornaram majoritários no começo do século em prol de gestões mais liberais, da qual Macri pretendia ser o pioneiro.
"Aparentemente o ciclo liberal na Argentina deve ser breve, o que é surpreendente", nota Belém Lopes. "O que se esperaria era algo mais duradouro, ou que pelo menos Macri fizesse um sucessor Mas seu governo não foi bem-sucedido sobretudo na economia."
O especialista lembra ainda que resta saber se essa mudança de humor político deve se espalhar pelo resto da América Latina. A Bolívia e o Uruguai têm eleições ainda este ano, e o campo da esquerda no poder. tanto em La Paz quanto em Montevidéu, é favorito.
A origem da crise argentina
Macri chegou ao poder em 2015, depois de dois mandatos de Cristina Kirchner e um do marido dela, Néstor, que assumiu o país em 2003 depois da maior crise econômica da história do país A alta das commodities permitiu que o país voltasse a crescer e saísse do vermelho, com bons índices de crescimento.
Apesar disso, a economia continuou fechada e dependente de subsídios. No segundo mandato, entre 2011 e 2015, Cristina maquiou índices de inflação e restringiu as reservas de dólares do BC, o que agravou a crise.
Macri apostou em reformas liberalizantes e no corte de subsídios, o que aumentou a inflação. Sem conseguir conter a alta nos preços, recorreu a um acordo com o FMI - profundamente impopular no país em consequência da crise de 2001. Em abril deste ano, o presidente passou a congelar preços para tentar segurar a alta da inflação.