Segundo a composição da cesta proposta, o aporte calórico por família seria de aproximadamente 170.000 calorias. Esta quantidade de calorias, sem falar nos nutrientes específicos, corresponderia às necessidades calóricas de 60 dias de um adulto, com atividade de moderada a intensa. Considerando-se que a maior parte das famílias quilombolas e indígenas tem no mínimo 4 a 5 membros, a suplementação não garantiu o estado nutricional adequado das famílias que receberam as cestas, sendo insuficientes para reduzir a vulnerabilidade das famílias em face da covid-19.
“Não temos acesso à água potável, nem saneamento básico. Na nossa terra, tem nove poços furados, a água passa na nossa porta, mas não temos direito a ela, que se destina a abastecer Salvador e é paga. Cesta básica não recebemos desde setembro do ano passado. Nossa renda vem da pesca, agricultura e artesanato. Sem as feiras, não temos renda e não conseguimos nos manter com o mínimo. Estamos passando fome e vemos cada vez mais o descaso do governo com o nosso povo. Pra mim, estão querendo matar o povo quilombola. Estamos à mercê de Deus, o único que pode olhar por nós neste momento”, afirmou Bernadete Pacífico, 70 anos, do Quilombo Pitanga dos Palmares, Bahia.
Os dados existentes sobre o quadro de insegurança alimentar, de acesso insuficiente a água potável e saneamento básico, sobre a precariedade do acesso a serviços de saúde e outros serviços públicos essenciais deveriam ser suficientes para provocar uma ação emergencial por parte das autoridades públicas responsáveis. A omissão destas consiste em clara violação de suas obrigações quanto à garantia de direitos fundamentais a estas populações e justificam a demanda feita pela CONAQ (Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas), de que seja determinado à União Federal que elabore e implemente um Plano Nacional de Combate aos efeitos da pandemia da covid-19 nas comunidades quilombolas.
“Nossas águas são de poço. A escassez de chuva é um fator que influencia a oferta de água. Capturamos e tratamos essa água. Temos moradores que trabalham fora e perderam o emprego. Os que trabalham na comunidade, com agricultura, não conseguem mais vender nas cidades. A pandemia não foi fácil para ninguém, mas acho que temos que tentar superar e enfrentar o problema. Tivemos que reorganizar a comunidade e nos adaptar”, relatou Josineia Serafim Blandino, da comunidade Angelim do Meio, no município capixaba de Conceição da Barra.
Entre os quilombolas, os fatores determinantes da insegurança alimentar além das limitações para o acesso à terra, também incluem o preconceito e racismo institucional, baixa renda, desemprego, baixa escolaridade e pouco ou nulo acesso a programas sociais, ausência de assistência financeira e técnica para produção de alimentos.