O jogador Alphonso Davies, à equerdaAFP
No post publicado no Facebook, a deputada enfatiza o conteúdo com o comentário “Notícias que falam por si só! Tirem suas conclusões!”. Em contato com o Comprova, a assessoria de Carla Zambelli negou que ela tivesse relacionado este caso de miocardite à vacinação, mas foi esse o entendimento de diversos seguidores que comentaram o post da deputada.
O Comprova classificou o conteúdo como enganoso, porque tira de contexto as informações sobre a miocardite e o diagnóstico feito no jogador do Bayern de Munique, induzindo a conclusões equivocadas.
Na sequência, buscamos dados oficiais de órgãos como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o Ministério da Saúde, o Food and Drug Administration (FDA) — equivalente à Anvisa nos Estados Unidos — e o Programa Nacional para as Doenças Cérebro-Cardiovasculares da Direcção-Geral da Saúde, órgão de saúde do governo de Portugal.
Também foram procurados especialistas, informações no site oficial do Bayern de Munique e a deputada que publicou a montagem.
O segundo texto é um alerta da Anvisa publicado em seu próprio site no dia 9 de julho de 2021, com o título “Anvisa alerta sobre risco de miocardite e pericardite pós-vacinação”. Ali, a agência informou que o norte-americano FDA relatou a ocorrência de casos raros de miocardite (inflamação do músculo cardíaco) e de pericardite (inflamação do tecido que envolve o coração) após a vacinação contra covid-19 com imunizantes de plataforma RNA mensageiro (RNAm), como as vacinas da Pfizer e da Moderna. O texto destaca que esses problemas podem ser efeitos adversos das vacinas, mas mantém a recomendação da imunização, uma vez que os “benefícios superam os riscos” e que os dados sugerem a maior incidência em jovens e de forma leve.
O terceiro texto é uma reportagem do site Globo Esporte, de 14 de janeiro de 2022, com o título “Alphonso Davies é diagnosticado com miocardite e precisa ser afastado no Bayern de Munique”. O texto é claro ao informar que o lateral-esquerdo teve a inflamação no coração como desdobramento da infecção pela covid-19, e não por conta da vacinação. No mesmo dia, o Bayern de Munique confirmou o afastamento de Alphonso Davies dos treinamentos por conta de miocardite. O técnico do Bayern, Julian Nagelsmann, falou oficialmente sobre o caso. “No exame de acompanhamento que fazemos com todos os jogadores infectados, encontramos sinais de miocardite leve em Alphonso. Ele está sem treinar. O ultrassom revelou que não é tão dramático o caso, mas ele vai precisar ficar fora pelas próximas semanas porque isso leva um tempo para recuperar”, explicou o treinador.
Ao jornal canadense The Star, o empresário do jogador, Nick Househ, afirmou no mesmo dia que Davies estava completamente vacinado, tendo tomado a dose de reforço em dezembro.
A notícia de que o atleta do Bayern de Munique teve covid-19 também era conhecida desde 5 de janeiro, quando o clube alemão anunciou que Davies testou positivo.
Esses dois fatos públicos – que Davies teve covid-19 e que a miocardite teve como origem a doença – não aparecem na montagem publicada por Zambelli em 15 de janeiro de 2022. A deputada é integrante da bancada de apoio ao presidente Jair Bolsonaro (PL) e, assim como ele, tem uma atuação marcada pela divulgação de conteúdos contrários à vacinação contra covid-19. Em dezembro de 2021, por exemplo, a Agência Lupa mostrou que a parlamentar usou conteúdo falso para atacar a vacinação de crianças contra a doença.
Procurada pelo Comprova, a assessoria da deputada negou que ela tenha afirmado que o problema de miocardite enfrentado por Alphonso Davies tivesse relação com a vacina. Segundo a assessoria, a parlamentar postou uma informação que é um alerta da própria Anvisa sobre o risco de miocardite e pericardite. “Não houve qualquer afirmação dela de que foi devido à vacina”, comunicou.
Os títulos das matérias publicados de forma isolada, sem o conteúdo completo e de maneira consecutiva, levaram, no entanto, ao falso entendimento de que o jogador canadense desenvolveu uma doença cardíaca após se vacinar.
O comentário com mais interações no post de Zambelli no Facebook é de uma usuária que diz não ter tomado a vacina e que afirma estar observando “vários casos de mortes e reações da vacina”, que a “mídia não mostra”, deixando “o povo” sem saber “o que fazer”. Uma outra usuária diz: “Se não toma, não pode jogar. Se toma e fica com problema, não pode jogar. Tá osso!”
Ambos comentários foram respondidos por Zambelli. No primeiro caso, ela disse: “Devemos sempre defender a nossa liberdade! Sem ela não podemos fazer nada.” No segundo caso, afirmou: “Bem complicado não é mesmo? Por isso sigo defendendo a nossa liberdade!”.
Em setembro de 2021, por exemplo, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças, ligado ao FDA norte-americano, publicou um estudo segundo o qual a incidência da miocardite em vacinados é de 9 casos a cada 100 mil enquanto em pessoas que tiveram a doença e não se vacinaram são de 150 casos para cada 100 mil.
Segundo o infectologista André Ricardo Araújo da Silva, médico do Grupo Prontobaby e professor da Universidade Federal Fluminense, a miocardite é uma inflamação do músculo do coração, o miocárdio. “Os sintomas geralmente são dor no peito, sensação de palpitação. A pessoa pode sentir falta de ar como alguma coisa apertando”, afirmou ao Comprova.
Em 4 de janeiro de 2022, durante uma audiência pública sobre a vacinação contra a covid-19 de crianças e adolescentes, realizada pelo Ministério da Saúde, o representante da Sociedade Brasileira de Pediatria, Marco Aurélio Sáfadi, comentou essa questão. “Um evento adverso que foi observado é a ocorrência da miocardite entre os vacinados. Mas é importante que se compreenda se esse risco é diferente pela própria covid-19. Mesmo nos grupos com mais casos de miocardite com a vacinação, os números são dezenas de vezes inferiores ao risco de miocardite atribuído à própria covid-19”, explicou o médico.
No último dia 25, um documento do Programa Nacional para as Doenças Cérebro-Cardiovasculares, da Direcção-Geral da Saúde, um órgão do governo de Portugal, concluiu que a “miocardite após vacinação é muito rara e geralmente ligeira, com rápida recuperação, parece não ter sequelas e atinge particularmente rapazes na adolescência e jovens adultos”, segundo o jornal Público.
Em julho do ano passado, o subcomitê para covid-19 do Comitê Consultivo Global da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre Segurança de Vacinas (GACVS) emitiu uma declaração sobre notificações de miocardite e pericardite após vacinas de mRNA contra covid-19.
O subcomitê também revisou dados da Austrália, Canadá, Israel e EUA e observou que alguns, mas não todos os dados, sugeriram maior incidência de miocardite após uma segunda dose da vacina da Moderna (Spikevax) do que a vacina da Pfizer (Comirnaty) em homens jovens, embora o risco geral seja pequeno. Observou ainda que a miocardite pode ocorrer após a infecção pelo vírus da covid-19 e que as vacinas de mRNA têm um benefício claro na prevenção de hospitalização e morte pela doença.
Os dados disponíveis sugerem que o curso imediato da miocardite e pericardite após a vacinação com ambos os imunizantes é geralmente leve e responde ao tratamento. O acompanhamento dos casos continua em andamento pelos órgãos locais e também entidades independentes para determinar os resultados a longo prazo. Os indivíduos vacinados devem ser instruídos a procurar atendimento médico imediato se desenvolverem sintomas indicativos de miocardite ou pericardite, como dor torácica persistente, falta de ar ou palpitações após a vacinação.
De acordo com o professor da Universidade Federal Fluminense, em alguns casos de covid, a inflamação é uma das complicações. “A covid-19 é uma doença respiratória que provoca sintomas de gripe em 85% dos casos, que evoluem de forma satisfatória. De 10% a 15% dos pacientes têm efeitos leves e moderados e, dentro deste grupo, a gente tem como uma das complicações as alterações cardiovasculares, incluindo a miocardite e fenômenos embólicos, como a trombose. A incidência exata ainda não é conhecida, tem diversos estudos que mostram um percentual pequeno”, disse o médico.
Ainda segundo o especialista, estudos apuram se a miocardite pode também ter relação causal com a vacina. “Já tem relatos na literatura casos que aconteceram em diferentes lugares do mundo, de pessoas que apresentaram inflamação após serem imunizadas. Só que essa relação causa e efeito é meio complicada, é preciso tirar todas as outras causas possíveis, tirar coincidências temporais, nem sempre isso é possível”, diz André Ricardo.
Israel realizou um estudo com cerca de 5 milhões de pessoas que aponta uma incidência duas vezes maior em desenvolver a miocardite em pessoas que receberam as vacinas da Pfizer e da Moderna, desenvolvidas com a tecnologia do RNA mensageiro. Foram identificados 136 casos de miocardite entre os 5 milhões de pacientes.
A postagem da deputada ultrapassou as 30 mil interações até o dia 28 de janeiro e foi editada de forma que induz o leitor a questionar a eficácia da vacina e ainda alerta para um perigo de forma equivocada.
O Comprova já havia demonstrado anteriormente que as vacinas da Pfizer trazem menor risco de miocardite do que a covid-19 e que a segurança das mesmas foi assegurada por diversas agências reguladoras pelo mundo.
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