Vídeo em que Lula afirma votar em Bolsonaro é montagemArte/Comprova

Brasil - Não é verdade que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tenha declarado voto no presidente Jair Bolsonaro (PL), como indica um vídeo falso que circula no TikTok. A peça de desinformação usa imagens de uma entrevista concedida por Lula a uma rádio de Salvador em 2018. No vídeo editado, o áudio original é substituído por outro, de origem desconhecida e incompatível com o discurso do ex-presidente. O mesmo conteúdo, que apresenta evidente falta de sincronia entre imagem (leitura labial) e áudio, já circulou na internet em 2018 e foi desmentido pelo PT. Ao Comprova, a assessoria do partido voltou a afirmar que se trata de uma montagem.*
Conteúdo investigado: Vídeo mostra o ex-presidente Lula gesticulando, enquanto uma voz sobreposta às imagens pede votos a Jair Bolsonaro. O conteúdo é acompanhado da frase: “Lul4 diz votar em Bolsonaro e seus eleitores”. A publicação ainda insere sobre a camiseta usada pelo petista uma montagem com a letra B acompanhada do número 22, em alusão ao nome de Bolsonaro e ao número eleitoral de sua sigla, o Partido Liberal (PL).

Onde foi publicado: TikTok.

Conclusão do Comprova: Vídeo compartilhado no TikTok é uma montagem que combina imagens de uma entrevista concedida pelo ex-presidente Lula (PT) a uma rádio de Salvador (BA) com um áudio falso, de origem desconhecida, sugerindo que ele estaria declarando voto e pedindo apoio ao presidente Jair Bolsonaro (PL). Ao assistir ao vídeo, é possível perceber uma clara falta de sincronia entre som e imagem, o que denuncia a falsidade do material alvo desta verificação.

O trecho de 31 segundos usado para a montagem tem como base uma transmissão feita nas redes sociais de Lula no dia 6 de março de 2018, quando o político concedeu entrevista ao Jornal da Bahia, da Rádio Metrópole. Ao acessar o vídeo da entrevista na íntegra, com áudio original, é possível identificar o que o político realmente fala, que em nada se assemelha ao que sugere a montagem.

Na época da entrevista, ano eleitoral, as mesmas imagens foram usadas na produção de peças de desinformação, também com o intuito de sugerir apoio de Lula a Bolsonaro. Elas foram desmentidas pelo próprio PT e por agências de checagem (G1 e Boatos.org). Em setembro daquele ano, o petista inclusive divulgou uma carta corroborando apoio ao então candidato à Presidência da República pelo PT, Fernando Haddad.

A montagem com a mesma dublagem falsa voltou a circular em 2022, cenário em que Lula é pré-candidato à Presidência da República pelo PT em disputa contra Jair Bolsonaro, e um dos principais opositores ao atual presidente.

Ao Comprova, a assessoria de Lula reafirmou a posição divulgada em 2018, quando o vídeo começou a circular, de que trata-se de uma montagem e de que o petista jamais pediria votos a Jair Bolsonaro.

Em checagens recentes, o Comprova tem se deparado com conteúdos que chegam a usar artifícios como montagens grosseiras, emojis de riso e até mesmo falta de sincronia entre som e imagem – caso desta verificação – para que o vídeo possa ser interpretado como uma sátira. A descrição do perfil do autor do post no TikTok [frases e memes] também contribui para essa interpretação.

Nos comentários, porém, é possível verificar que apenas parte dos usuários entende o conteúdo como uma peça de humor, enquanto outros fazem elogios ao presidente Jair Bolsonaro e ao discurso falsamente atribuído a Lula. Ao apresentar uma declaração inesperada, a publicação ajuda a confundir e desinformar o público.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos de maior alcance nas redes sociais. Até o dia 21 de julho, a publicação havia sido reproduzida mais de 27 mil vezes, e somava mais de 300 curtidas e 40 comentários.

O que diz o autor da publicação: Não foi possível entrar em contato com o perfil do TikTok que fez a publicação, uma vez que a rede social não permite o envio de mensagens entre perfis que não se seguem mutuamente.

Como verificamos: O Comprova iniciou a busca pelas palavras-chave “Lula” e “voto em Bolsonaro” no Google e constatou que o mesmo conteúdo de desinformação apurado nesta checagem já foi analisado em 2018 pelo G1 e também pelo Boatos.org, ambos classificando a publicação como falsa.

As verificações citavam que as imagens eram originalmente de uma entrevista de Lula à Rádio Metrópole, da Bahia, realizada em março de 2018. A partir dessa pista, o Comprova fez nova pesquisa no Google por “Rádio Metrópole Lula março 2018”. Ao clicar na aba “Vídeos” da plataforma de busca, foi encontrada a mídia original, divulgada na página oficial de Lula no Facebook.

Para garantir tratar-se do mesmo vídeo, foi feita comparação de vestimenta e enquadramento e, pelos gestos do político, foi possível chegar ao trecho recortado e usado na montagem. A partir daí, foi feita a análise das declarações contidas na entrevista original e no trecho que voltou a viralizar nas redes sociais, em que Lula supostamente declara voto a Bolsonaro.

O Comprova também buscou um posicionamento da assessoria de imprensa do ex-presidente Lula e conversou com o perito forense, professor e especialista em materiais multimídia Mauricio de Cunto, da empresa Fonolab.

Montagem é de 2018
O mesmo conteúdo checado nesta verificação já circulou em 2018. A gravação original é de uma entrevista concedida por Lula ao radialista Mário Kertész, em março daquele ano, à Rádio Metrópole de Salvador.

A íntegra da entrevista, com 43 minutos e 12 segundos, pode ser encontrada no perfil do petista no Facebook, conforme postagem feita em 6 de março de 2018. Na ocasião, Lula fez uma transmissão ao vivo em sua rede social.

Logo no início da entrevista, o petista foi questionado sobre as reais possibilidades de conseguir registrar, à época, sua candidatura à presidência da República junto à Justiça Eleitoral. Em trechos da conversa, o político aponta que seus possíveis adversários na disputa tinham o temor de enfrentá-lo nas urnas, por entender que ele certamente levaria a eleição ao segundo turno, com grande chance de sair vitorioso.

“Eu quero ser candidato porque sou inocente. E espero que a Justiça prove a minha inocência até o dia de registrar minha candidatura”, disse Lula, na ocasião. O petista foi detido pela Polícia Federal um mês depois, em 7 de abril de 2018, para cumprir pena relativa ao caso do tríplex do Guarujá. Em janeiro de 2022, no entanto, a Justiça arquivou o processo.

Conforme análise feita pelo Comprova, é possível observar, a partir de leitura labial e gestos corporais, que o trecho usado no conteúdo aqui apurado compreende o período de 36:52 a 37:09 da entrevista. No vídeo original, Lula diz o seguinte: “[…] Que querem morar. Não é possível que as pessoas não se deem conta… E você sabe mais do que eu, eu não estou fazendo promessas. Estou dizendo para você que é plenamente possível a gente fazer esse país voltar a ser feliz, acreditar no Brasil, produzir mais, comer mais, ganhar mais e todo mundo viver feliz.”

Na montagem, de 31 segundos, o áudio sobreposto às imagens traz as seguintes afirmações: “Tocar nosso País para frente e, se caso der burrada, amanhã ou depois vai ter eleição novamente. Se Deus quiser, até lá, eu volto, concorro e mostro como é que se faz. Não vamos perder tempo votando em outros candidatos, o nosso candidato tem que ser o Bolsonaro. Jamais imaginava que um dia eu falaria isso, mas não tem outra solução, meus companheiros”.

O material foi encaminhado pelo Comprova ao perito forense, professor e especialista em materiais multimídia Mauricio de Cunto, da empresa Fonolab. Com décadas de experiência em análise de conteúdos semelhantes ao aqui verificado, o professor afirma que não há dúvidas sobre a montagem. Ele cita a frase adicionada ao fim do vídeo [Lul4 diz votar em Bolsonaro e seus eleitores] como um exemplo claro de edição e pontua que, quando há uma intervenção óbvia, como é o caso da frase acompanhada de ilustrações infantis, também pode haver inúmeras outras, ainda que mais discretas.

Outros elementos foram elencados pelo especialista como indícios de falsidade do conteúdo. Para ele, a falta de sincronia, a baixa qualidade do áudio, além do tempo curto do vídeo são características típicas de peças de desinformação que circulam na internet.

O vídeo verificado apresenta, ainda, a inserção de duas figuras com o número 22 ao centro, fazendo alusão ao número do Partido Liberal, do qual o presidente Jair Bolsonaro é filiado. As figuras não estão presentes na gravação original.

Quanto à voz usada na montagem, Cunto enumera três possibilidades. A mais provável, para ele: a voz seria de um imitador de Lula. Haveria ainda a possibilidade de a voz ser mesmo do ex-presidente, mas em discurso retirado de contexto ou a partir de uma junção de diversas palavras soltas até formar a frase pretendida. O professor explica que a confirmação da autoria dependeria de análise muito mais aprofundada e extensa, mas que a identificação torna-se dispensável, uma vez que, segundo ele, a montagem é clara e não há sentido algum afirmar que uma declaração como essa tenha partido de um opositor de Bolsonaro.

Em 2018, o PT divulgou uma nota esclarecendo que a peça se tratava de uma montagem feita quatro meses depois da transmissão da entrevista. O partido também afirmou que “os disseminadores da fake news, sabendo que a sincronização áudio/vídeo ficou ridícula, começaram a espalhar também apenas o áudio”.

Por fim, reiterou que “Lula jamais pediria voto a Bolsonaro”.

Por que investigamos: O Comprova investiga conteúdos suspeitos que viralizaram nas redes sociais sobre a pandemia de covid-19, políticas públicas do governo federal e eleições presidenciais. Desta vez, a peça desinformativa trata de um suposto apoio de Lula a Jair Bolsonaro – candidato e pré-candidato à presidência da República, respectivamente, na eleição de outubro deste ano. Conteúdos falsos e enganosos são prejudiciais ao processo democrático porque atingem o direito do eleitor de fazer sua escolha baseada em fatos, não em boatos e desinformação.

Outras checagens sobre o tema: O conteúdo alvo desta verificação já havia viralizado em 2018 e, à época, foi classificado como falso em uma apuração do Fato ou Fake do portal G1 e desmentido pelo Boatos.org.

Com a proximidade do processo eleitoral deste ano, cresce o número de conteúdos de desinformação que circulam nas redes sociais, sobretudo envolvendo pré-candidatos à Presidência, como é o caso de Lula. O Comprova já apurou que post mente ao tentar associar Lula e Manuela D’Ávila a facada contra Bolsonaro, que é falso que Lula e presidente eleito da Colômbia queiram obrigar pessoas a dividir casas com outras famílias e que é falso vídeo que tenta ligar filho de Lula a Petrobras e aumento dos combustíveis.
*Conteúdo investigado por Grupo Sinos, Rádio BandNews FM e CBN Cuaiabá. E verificado por O DIA, Metrópoles, Folha de S.Paulo, Piauí, Estadão, CNN Brasil, Correio Braziliense, Plural Curitiba, SBT, SBT News, O Povo, Nexo e A Gazeta.