Historiador Paulo Rezzutti faz revelações sobre Dom Pedro em livroEditora Leya/Divulgação

Rio - A cena retratada pelo pintor Pedro Américo no quadro "Independência ou Morte" virou símbolo da separação definitiva do Brasil de Portugal. A obra confere um tom heroico ao ato de Dom Pedro, então Príncipe Regente. No imaginário popular, cristalizou-se a ideia de que em 7 de setembro de 1822, a ex-colônia transformara-se em nação — surgindo como "em um passe de mágica" o Brasil. No entanto, a História revela que os 200 anos do "grito do Ipiranga" foi apenas um dos vários capítulos de uma longa novela, da qual surgiram versões fantasiosas e personagens importantes foram esquecidos.
Até 1821, a ideia de independência circulava entre apenas em alguns grupos políticos. Ela ganha força com o retorno de Dom João VI a Portugal e a ameaça de o Brasil perder o status político de reino unido e retornar à condição de colônia. O movimento separatista cresce à medida que aumentam as pressões para que o Príncipe Regente Dom Pedro retorne à corte portuguesa.
Para o historiador Paulo Rezzutti, autor do recém-lançado livro "Independência: A história não contada", Dom Pedro se torna símbolo da insatisfação dos brasileiros com as decisões tomadas em Portugal:
"A Constituinte em Portugal tomou várias decisões que contrariavam os interesses da elite estabelecida no Brasil, tais como o retorno imediato do Príncipe Regente, o fechamento dos tribunais superiores instalados no Rio de Janeiro e o encerramento das atividades de vários órgãos da burocracia estatal. Isso irritou a elite local e impulsionou o movimento em favor da independência brasileira. Dom Pedro, mesmo criado em um ambiente absolutista, tinha ideias liberais e não aceitou as determinações vindas de Portugal. Em 9 de janeiro de 1822, ele comunicou ao povo que não acataria as ordens e permaneceria no Brasil. A data entrou para a história como o Dia do Fico e é um marco no processo da independência", explica Rezzutti.
O ambiente político tornou-se ainda mais tenso nos meses que se seguiram. Partidários da independência e defensores da autoridade portuguesa disputavam o poder. Segundo o historiador, havia uma clara divisão entre as províncias — antigo nome dos estados. As da Região Norte queriam continuar ligadas a Portugal. As demais, sonhavam com a independência.
Rezzutti observa que no imaginário popular criou-se a ideia de que o 7 de setembro transformou pacificamente o Brasil em uma nação. Ele destaca que houve batalhas no Pará, no Piauí, no Maranhão e na Bahia entre os adeptos dos ideais da independência e grupos leiais a coroa portuguesa. Apenas em 1825, com a assinatura de um tratado entre Brasil e Portugal, processo de independência foi consolidado.
"Tem-se a falsa ideia de que o Brasil inteiro aderiu à proclamação da independência. Houve resistências por parte das elites locais, cujos interesses econômicos pendiam para Portugal. Ocorreram batalhas sangrentas, como a do Jenipapo, no Piauí. A consolidação do Brasil enquanto nação não foi um processo instantâneo, levou quase três anos. Tanto que, para Portugal, o Brasil só se torna independente de fato após a assinatura do tratado em 1825. Até então, éramos vistos como parte do reino português", frisa o historiador.
Até a definição do gentílico "brasileiro" levou algum tempo para se consolidar. No início, o termo se referia a comerciantes que viviam aqui e faziam negócios com Portugal. Pensou-se em designar os nascidos na nova nação como brazilienses ou brasilianos.
A independência brasileira contou com a colaboração de personagens pouco mencionados. A Princesa Leopoldina, por exemplo, foi uma das grandes articuladoras políticas do movimento. A esposa austríaca de primeiro imperador brasileiro era uma entusiasta da autonomia política do Brasil e teve grade influência na decisão de Dom Pedro de não voltar a Portugal.
Outro personagem importante foi o Frei Sampaio, que redigia textos em defesa da independência e fazia parte do grupo político que reunia José Bonifácio, Clemente Pereira e Gonçalves Ledo. Rezzutti explica que os partidários da autonomia brasileira formavam um bloco heterogêneo, incluindo até mesmo republicanos.
"Esse grupo se uniu em torno da ideia da independência, apesar de terem divergências profundas. Havia republicanos, monarquistas, liberais, pessoas das mais variadas tendências políticas. Após a independência, esse grupo racha. As disputas pelo poder e as visões conflitantes sobre o futuro do país colocaram em lados opostos os antigos aliados. Foi um processo tipicamente político, algo que acontece até os dias de hoje", comenta o historiador.