Neste ano, principal política pública brasileira para redução da desigualdade de acesso ao ensino superior, completa 10 anosPixabay/foto ilustrativa

Rio - Em 2022, a lei federal 12.711, principal política pública brasileira para redução da desigualdade de acesso ao ensino superior, completa 10 anos. Somando esforços à ampla gama de pesquisas que vêm mapeando os avanços e limites da Lei de Cotas nesta última década, o estudo [Efeito Cotas]¹⁰ A potência multiplicadora da inclusão, realizado pela parceria inédita entre a Box1824 e a Empodera, surge para identificar quais foram os impactos dessas ações afirmativas na vida das pessoas que as utilizaram.

A pesquisa combinou metodologias qualitativas e quantitativas, focando na comparação entre dois grupos: cotistas/beneficiários: pessoas que acessaram universidades federais utilizando as vagas reservadas pela lei 12.711; e elegíveis: pessoas que cumpriam os requisitos da lei, mas ingressaram no ensino superior por outros caminhos. Como abordagem quantitativa, foi realizada uma survey a partir de um questionário online enviado exclusivamente para a rede da Empodera, que reúne mais de 70 mil pessoas em todo o país. Esta etapa tinha como objetivo mapear aspectos gerais ligados ao perfil destes 2 grupos de interesse, e recebeu um total de 632 respostas. Já na etapa qualitativa da pesquisa, foram entrevistadas, individualmente, 20 pessoas – cotistas e elegíveis –, a partir de um roteiro estruturado, o que rendeu dezenas de horas com um aprofundamento denso em suas trajetórias antes, durante e depois da passagem pelo ensino superior.

"Através desse estudo, descobrimos que as ações afirmativas transformam a realidade dos estudantes não só de forma individual, como também coletiva, antes mesmo da chegada à universidade”, comenta Gabriel Milanez, vice-presidente e estrategista da Box1824. "Saber que as cotas existem motiva os elegíveis a se dedicarem mais aos processos seletivos; dentro de uma instituição federal, os cotistas acessam novos conhecimentos, atividades extracurriculares e uma rede qualificada de contatos que fazem diferença na transição para o mercado de trabalho. Essa primeira geração de cotistas da lei federal está conquistando trabalhos e rendimentos inéditos dentro de suas famílias, tornando-se referências dentro dos seus círculos próximos e motivando outras pessoas a tentarem seguir caminhos semelhantes".

Em síntese, o estudo visa compreender, pelo contraste das informações e narrativas de pessoas beneficiárias e as elegíveis à Lei de cotas, quais os principais impactos – objetivos e subjetivos – das ações afirmativas em suas trajetórias. Além disso, apresenta um panorama histórico das ações afirmativas no Brasil, apontando os marcos da luta política que culminou na criação da política, e mencionando evidências de outros trabalhos sobre o tema e apresenta propostas de futuro destinadas a diferentes setores, para que possam se engajar de forma prática e ativa no movimento de inclusão, seja na educação, no mercado de trabalho, na política, ou no cotidiano de forma geral.

Dados do IBGE, mostram que apenas 21% dos brasileiros, entre 25 e 34 anos, têm Ensino Superior completo e 90% dos brasileiros têm renda inferior a R $3,5 mil por mês. Para Leizer Pereira, CEO da Empodera, é importante mostrar os impactos da Lei de cotas no Brasil. “A Lei de Cotas já transformou a vida de milhares de pessoas e é importante que esse processo abra caminhos para inclusão de mais jovens'', diz ele.
VEJA DEZ EFEITOS DAS COTAS
Em 10 anos, a lei federal de cotas transformou uma geração de beneficiários que acessaram às universidades federais. Abaixo estão os dez principais efeitos mapeados pela pesquisa, além de  Recomendações de engajamento para pessoas, empresas e meios de comunicação:

1 - O impacto das ações afirmativas começa antes mesmo do vestibular. 78% dos cotistas concordam com a frase “antes de saber sobre as ações afirmativas, eu não cogitava ir para o ensino superior”. Em contraponto, 31% dos elegíveis que não usaram nem as cotas, nem nenhuma outra política afirmativa, acreditam até hoje que não se encaixam nos critérios da lei. É urgente que se tenha mais comunicação pública sobre as cotas em linguagem objetiva e convidativa, não apenas para informar, mas também para motivar pessoas elegíveis.

2 - As universidades federais representam um espaço inédito para muitas famílias. Dos cotistas entrevistados, 95% afirmam que o ingresso foi motivo de orgulho para a família e 46% declararam que foram as primeiras pessoas da família a cursar o ensino superior, materializando sonhos de várias gerações. Ainda assim, por viverem um momento de calibração de uma política recente, enfrentam uma série de dificuldades emocionais e financeiras. A política de cotas trata do acesso ao ensino superior, mas não pode ficar restrita a ele, afinal sua maior lacuna hoje é ligada à permanência. Todo apoio nesse sentido é crucial, sejam políticas públicas ou programas e auxílios de outros setores da sociedade que garantam a permanência qualificada na universidade.

3 - As conexões feitas na universidade ampliam visões de mundo e oportunidades futuras. 75% dos cotistas disseram que aumentaram muito o seu ciclo de amizades e contatos profissionais, e esse contato com pessoas de diferentes realidades e origens foi descrito como o maior ganho do ensino superior, pois implicaram em uma expansão das suas perspectivas pessoais. Criar espaços de circulação de oportunidades e de troca sobre outras realidades pode ajudar a fortalecer esse movimento atualmente orgânico.

4 - Os cotistas vivem em uma corrida contra suas próprias histórias e fazem esforços constantes para compensar uma vida inteira de desigualdades. Identificamos que os cotistas tendem a realizar um grande número de atividades extracurriculares ao longo da graduação de forma simultânea, motivados principalmente pelo desejo de: (i) compensar lacunas na formação, (ii) retribuir para a sociedade o que receberam e (iii) acumular experiências no currículo. É necessário, então, ampliar o leque de oportunidades disponíveis tanto durante a graduação quanto nos anos anteriores a ela, através de cursos livres, idiomas, tecnologia, habilidades técnicas para sua área, preparação para processos seletivos, estágios.

5- O custo de estar em um espaço de prestígio é alto e coloca os cotistas em uma constante pressão, tanto do mundo de origem quanto neste novo. Transitar entre realidades muitas vezes contrastantes faz com que os cotistas precisem responder a uma série de demandas e expectativas de suas famílias, de professores, colegas de turma, amigos, parentes etc. Pressionados para terem bom desempenho e apresentarem rapidamente os frutos do investimento na educação, vivem em constante tensão e preocupados com seu futuro profissional. Para contornar isso, é importante mais oferta de atendimento psicoemocional dentro das universidades, mas também fora delas.

6- Depois de tanto investimento, os cotistas tendem a ter uma boa autoestima e reconhecem o valor de seus diplomas. Conscientes do prestígio e qualidade da formação que tiveram, tendem a construir grandes expectativas sobre seus futuros profissionais, mas isso nem sempre acontece quando vão para o mercado de trabalho. É imprescindível que o mercado de trabalho passe a enxergar toda a potência dos cotistas, adequando processos de seleção para não perder pessoas que não se encaixam em pré-requisitos excludentes.

7- A formação universitária permite o acesso a trabalhos menos precarizados e a uma estabilidade financeira muitas vezes inédita para suas famílias. Após o término da graduação, 73% dos cotistas entrevistados declararam que estão trabalhando, destes, 80% são CLT. Além disso, observamos saltos de renda individual que chegavam a multiplicar em 10x os ganhos obtidos durante a universidade, o que permite que esses indivíduos possam oferecer melhores condições de vida para suas famílias. As experiências na área de trabalho são fortes alavancas para isso, então é crucial abrir mais oportunidades para perfis diversos em posições que viabilizem o contato antecipado com a prática profissional, como estágio, iniciação científica, empresas júnior etc.

8 - Após a graduação, os cotistas enfrentam novas experiências de exclusão: o ingresso na área de formação, uma permanência que não seja adoecedora e, principalmente, a ascensão profissional. Devido ao tabu sobre ações afirmativas no mercado, jovens profissionais altamente qualificados precisam migrar para outras áreas ou aceitar a estagnação em cargos de assistência. O mercado pode se inspirar mais em políticas públicas de inclusão bem-sucedidas, para tornar-se mais eficaz na sua recente busca pela diversidade.

9 - A vivência universitária alimenta o desejo de seguir investindo na educação. Novos sonhos, que até então pareciam distantes ou impensados, passam a parecer possíveis. Neste rastro, emerge a demanda por políticas públicas e privadas de inclusão na pós-graduação.

10 - Cada cotista carrega o potencial de multiplicar a inclusão vivida através do seu próprio exemplo. 83% dos cotistas entrevistados afirmaram que influenciaram amigos e familiares a estudarem mais ou voltarem a estudar. Isso significa que, muito além dos diplomas individuais, as ações afirmativas têm a capacidade de produzir novas referências e romper com processos de exclusão que se acumulam de geração em geração. Disseminar histórias causa identificação e motiva novas gerações. Portanto, podem e devem estar mais presentes na pauta pública brasileira.