Áudios expõem ministros ignorando denúncia de violência sexual contra presa políticaReprodução
A gravação está no acervo do site Vozes Humanas, lançado nesta sexta-feira (31), no Rio de Janeiro, pelo advogado e pesquisador Fernando Fernandes. Nele, podem ser encontrados arquivos de julgamentos de presos políticos no STM no período entre 1975 e 1979. Tanto os abertos ao público geral, como os secretos, quando só ministros e o Ministério Público participavam.
Os réus declararam ter sido obrigados, mediante tortura, a confessar participação em atos ilegais. O ministro Rodrigo Octávio, general do Exército, defendeu a apuração das denúncias. Os abusos relatados pelas vítimas incluíam choques elétricos, agressões físicas e psicológicas, e um relato específico de violência sexual da estudante Selma Martins de Oliveira e Silva. Um dos ministros tenta minimizar o fato com um eufemismo recorrente nos julgamentos do STM.
Ministro Rodrigo Octávio: Falou (...) violência sexual.
Ministro Augusto Fragoso: Através de coação, coação.
Um outro ministro, que não pode ser identificado no áudio, ao defender que o Exército não compactuava com esse tipo de prática, foi interrompido por Rodrigo Octávio.
Ministro não identificado: “Eu não acredito em tortura na sala de…”.
Ministro Rodrigo Octávio: “Bom, eu não posso deixar de acreditar ou não acreditar. Porque eu vi, eu vi uma moça estirada na Aeronáutica, levada para a Polícia do Exército e (...) o Ministro do Exército lá, vendo. O General Cordeiro escreveu uma carta a mim. Cinco folhas. Eu li aqui no Tribunal. Então, isso existe. Isso existe”.
No julgamento de 1976 do parlamentar Márcio Moreira Alves (MDB), condenado a dois anos e três meses de prisão por discursar contra a ditadura na Câmara dos Deputados, o ministro Sampaio Fernandes defendeu: “se se trata de fazer justiça, mesmo que ela fira a lei, deve-se fazer justiça”.
Um outro lote de arquivos sonoros foi publicado em 2022. E novamente estavam registradas falas dos ministros sobre tortura. Conversas de 1977 mostravam preocupação com a repercussão do caso de Nádia Lúcia, uma mulher que sofreu aborto aos três meses de gravidez, depois de ter sido violentada com choques elétricos. Em outro encontro, em 1976, o ministro Júlio de Sá Bierrenbach criticou “os métodos adotados por certos setores policiais de fabricarem indiciados, extraindo-lhes depoimentos perversamente pelos meios mais torpes”.
Se o acesso aos áudios é mais recente, boa parte dos processos físicos foram rastreados pelo projeto “Tortura nunca mais”, em 1979. A Lei da Anistia, aprovada nesse mesmo ano, permitia que advogados retirassem processos sobre crimes políticos no STM durante 24 horas. Sob a liderança de Jaime Wright, reverendo da Igreja Presbiteriana americana no Brasil, e Dom Paulo Evaristo Arns, cardeal arcebispo de São Paulo, um grupo de advogados, jornalistas, militantes e religiosos reuniu secretamente cópias dos processos que aconteceram entre 1964 e 1979. O projeto deu origem ao livro “Brasil: Nunca Mais”, em 1985.
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