De acordo com especialistas no tema, o crescimento de ataques a escolas no Brasil é motivado por maior acesso à armas e contato com ideologia ou crenças extremistas através da redes sociais Pexels

Rio - O ataque a mais um colégio, desta vez na Escola Estadual Thomazia Montoro, no bairro Vila Sônia, em São Paulo, em que um aluno matou uma professora e feriu outras quatro pessoas, reacendeu um alerta: por que crimes como esse têm aumentado no Brasil? De acordo o relatório "O ultraconservadorismo e extremismo de direita entre adolescentes e jovens: ataques às instituições de ensino", produzido pelo Grupo de Trabalho da Educação do governo de transição e divulgado em dezembro do ano passado, o crescimento deste tipo de ocorrência não tem um único motivo, mas é composto por um cenário complexo que tem como pano de fundo o bullying, a exposição prolongada a processos violentos — como negligências familiares e autoritarismo parental —, além de conteúdo extremista disseminado em redes sociais e aplicativos de trocas de mensagem.
Ainda segundo o relatório, a decisão de invadir uma escola não é mera coincidência ou fruto de uma escolha aleatória. As motivações incluem ódio às maiorias (como negros, mulheres, pessoas LGBTQIA+, entre outros) e aproximação ideológica de teorias nazistas e fascistas. Já os alvos de cooptação pelo discurso de extrema-direita são majoritariamente adolescentes brancos e heterossexuais. A misoginia exerce um papel crucial, pois a frustração sexual e raiva do mundo, dentre outros processos típicos da adolescência, são mobilizados em espaços de discussão online onde muitos desses jovens se reúnem para desabafar frustrações e confraternizar, aponta o estudo. 
A facilidade com que crianças e adolescentes são expostos a discursos de ódio nas redes colocou em pauta novamente a necessidade de regulação das redes sociais. A medida, inclusive, está sendo debatida pelo Supremo Tribunal Federal (STF). No início dessa semana, o ministro do Supremo, Alexandre de Moraes, que é também presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e trabalhou com proximidade junto às plataformas de redes sociais para garantir a segurança das eleições gerais de 2022, defendeu a regulação. 
“Não é possível continuarmos achando que as redes sociais são terra de ninguém, sem responsabilização alguma. Não é possível que, só por serem instrumentos, depositárias das comunicações, [as plataformas] não tenham nenhuma responsabilidade. O modelo atual está falido”, afirmou. A fala de Moraes foi validada pelos também ministros Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes. Até o momento, somente o ministro Marco Aurélio se mostrou contrário à proposta. 
Para o advogado especializado em Direito Digital e Proteção de Dados e sócio do escritório Godke Advogados, Alexander Coelho, a regulação das redes sociais é necessária para proteger a sociedade. “Embora haja preocupações legítimas sobre a forma como a nova regulamentação poderá ser aplicada, é importante que sejam tomadas medidas para resguardar os brasileiros contra conteúdos prejudiciais encontrados online", avalia.
O advogado considera a regulamentação um assunto delicado, que envolve o equilíbrio entre a liberdade de expressão e a proteção contra disseminação de discursos de ódio. Coelho explica que algumas organizações em defesa da liberdade de expressão apontam para uma possível censura prévia com a remoção de conteúdo pelas plataformas. "Por outro lado, há também preocupações de que as plataformas não estejam fazendo o suficiente para combater a disseminação de conteúdo prejudicial, deixando os usuários expostos a danos", ressalta.
Juliana Cunha, diretora da Safernet Brasil, aponta a moderação do que é ou não discurso de ódio como um grande desafio. "É um desafio imenso. Geralmente, o discurso de ódio é um conteúdo sensível ao contexto. Anteriormente, a dedectação pró-ativa desse tipo de conteúdo era muito baixa. Com o desenvolvimento da inteligência artificial, as plataformas conseguiram aumentar esse índice. Mas é evidente que ainda é preciso uma análise humana, pois muita coisa passa", frisa. 
Prevenção
A repercussão do ataque à escola na capital paulista fez com que o Ministério da Educação (MEC) propusesse a criação de um grupo interministerial para tratar de questões relacionadas aos atentados em unidades educacionais. Segundo o ministro Camilo Santana, a ideia é envolver outros pastas, como o da Justiça e o de Direitos Humanos, e a Secretaria-Geral da Presidência, subordinada à Secretaria Nacional da Juventude, e contar com a participação de prefeituras e estados com o objetivo de pensar em ações concretas multisetoriais no combate ao problema. 
Com relação ao Rio de Janeiro, após um aluno tentar atingir colegas com uma faca na Escola Municipal Manoel Cícero, na Gávea, um dia depois do episódio paulista, o governador Cláudio Castro se reuniu, na quinta-feira, 30, com os secretários municipal e estadual de Educação para discutir a segurança escolar. De acordo com o secretário municipal de Educação, Renan Ferreirinha, o governador também propôs a criação de um comitê permanente que aborde o tema, além da criação de um aplicativo chamado Rede Escola, para auxiliar no combate aos ataques. O app será inspirado no já existente Rede Mulher.  
Questionada sobre quais medidas a cidade do Rio de Janeiro tem tomado sobre esse tema, a Secretaria Municipal de Educação informou que conta com o Programa Interdisciplinar de Apoio às Escolas (Proinape), desenvolvido pelo Núcleo Interdisciplinar de Apoio às Unidades Escolares (Niap) e composto por uma equipe de professores, assistentes sociais e psicólogos que atuam de maneira rotativa. Somente no ano passado, o Niap realizou 2.462 atendimentos envolvendo algum tipo de violência entre crianças e adolescentes nas unidades escolares. Desse número, 191 se referem a casos de bullying e cyberbullying. Já a Secretaria Estadual de Educação não se manifestou.
Para a porta-voz da Safernet, a adoção de políticas públicas é essencial para a diminuição dessas ocorrências. "É preciso haver políticas públicas que enfrentem a desigualdade, a violência contra a mulher e questões éticas que são anteriores ao discurso de ódio online. Já no âmbito educacional, um currículo que trate de cidadania na internet, direitos humanos e como identificar ameaças são algumas possibilidades". 
Como denunciar
O Brasil não possui uma central única para denúncia de crimes de ódio na internet. Caso precise registrar uma ocorrência, é possível fazê-la no site do Ministério Público da sua região ou na Delegacia Eletrônica. O Disque 100, do Governo Federal, também é uma alternativa para denunciar atos contra os direitos humanos.
O site SaferNet Brasil recebe denúncias anônimas sobre crimes e violações. De acordo com a plataforma, as autoridades possuem acesso às ocorrências e avaliam quais se enquadram no âmbito criminal.
O usuário também pode denunciar uma publicação odiosa para as próprias plataformas, que analisam se o post em questão será ou não retirado do ar mediante as regras da comunidade. 
Para ficar atento
Os adolescentes dão sinais quando não estão saudáveis mentalmente. Segundo o relatório "O ultraconservadorismo e extremismo de direita entre adolescentes e jovens: ataques às instituições de ensino", alguns deles são:
- Interesse incomum por assuntos violentos (tais como obsessão por armas de fogo ou
massacres);
- Atitudes violentas (verbais ou físicas);
- Recusa em falar com professoras e gestoras mulheres;
- Agressividade e uso de expressões pejorativas ao falar com mulheres e meninas, capacitismo,
racismo, LGBTQIA+fobia; 
- Exaltação a ataques em ambientes educacionais ou religiosos;