Fachada da Escola Estadual Thomazia MontoroSecretaria Estadual de Educação de São Paulo
A educação do país vive os últimos dias longe das páginas de desenvolvimento, melhorias ou descobertas nos jornais. O tema passou do exemplo para as páginas policiais após os ataques em três escolas, com ao menos cinco mortes registradas.
Desses, dois foram cometidos por adolescentes que estudaram nas instituições. Em São Paulo, no dia 27 de março, um jovem de 13 anos matou uma professora de 71 anos a facadas e deixou outras três pessoas feridas. Já nessa terça-feira (11), outro jovem de 13 anos esfaqueou três colegas e tentou matar uma professora em Goiânia (GO).
Ambos os casos trazem um tema em comum: o bullying. O tema ganhou mais repercussão nos últimos anos, com o impacto psicológico em alunos das redes públicas e particulares de ensino.
Para especialistas, os ataques nas escolas têm como pano de fundo o bullying sofrido pelos autores por colegas de sala e a falta de administração das escolas e país sobre o assunto.
Entre 2002 e 2023, 24 ataques em escolas foram registrados no país. Dois desses ganharam destaques mundiais: Realengo, em 2011, e Suzano, em 2019.
No Rio, um rapaz de 23 anos, ex-aluno da escola Tasso da Silveira, matou 12 pessoas, todos entre 13 e 15 anos, e feriu outras 22. Na época, a Polícia Civil disse que o criminoso arquitetou o ataque por vingança após o bullying sofrido por ele. Em seguida, o homem cometeu suicídio.
Já o caso de Suzano, um rapaz de 17 anos e outro de 25, invadiram a escola Professor Raul Brasil, matando 8 pessoas e deixando outros 11 feridos. Segundo a polícia, o mais novo teria sofrido bullying quando estudava no colégio. Em seguida, o mais novo matou o comparsa e cometeu suicídio.
“O bullying seria um destaque de uma característica com um caráter de depreciar alguém e isso é compartilhado por outros pares. Então, aquela característica passa a ser tratada pelos pares de forma pejorativa. Quando esse sujeito que recebe bullying, acontece um desnivelamento psíquico. Isso pode provocar efeitos traumáticos, no mínimo uma dor. Não se tem como saber se essa criança ou esse adolescente que sofreu bullying tenha recursos para falar do sofrimento que provocou nele”, explica a psicóloga Caroline Rangel.
Além do bullying, outro fato colabora para a agressividade escolar: a própria adolescência. O período é marcado por dívidas sentimentais dos jovens, onde a confusão sentimental e a falta de amparo acabam por prejudicar a saúde mental do adolescente.
“A adolescência é um período de muitos conflitos internos. Medos, ansiedades, inseguranças. Aquele sujeito que está em formação não consegue saber exatamente qual é o lugar dele no mundo. Fica um hiato. Os pais ofertam o que é possível, mas a forma como esse adolescente vai receber não significa necessariamente uma felicidade ou uma satisfação” afirma Caroline.
“O adolescente passa a maior parte do tempo na escola, que é onde ele constrói seus vínculos, onde ele tem sua rede de suporte. É nessa escola que se terá um palco das representações psíquicas desse adolescente. Então, é importante ficar alerta com o sentimento desse adolescente, ouvi-lo e não ignorá-lo para evitar que isso se potencialize de forma violenta”, completa.
Na visão do psicólogo Marcelo Filipecki, o bullying é apenas a ponta do iceberg nos ataques em escolas. Para o especialista, há muito o que ser revisto no sistema educacional e de segurança para evitar crimes em redes escolares.
“Na verdade, esses ataques, na minha avaliação profissional, ele é resultado de algo multifatorial. Entre eles o bullying. Mas não é a única razão, não. Existe toda uma estrutura que precisa ser revista socialmente, como melhorias educacionais, segurança e outros aspectos que provavelmente potencializam e geram essas iniciativas de ataque”, explica.
Escolas e pais despreparados?
O aumento de casos de ataques em escolas no país colocou a segurança nas redes de ensino em xeque. Pais admitem preocupação com a possibilidade de novos crimes e apoiam a implantação de segurança armada nas escolas.
Marcelo Filipecki ainda está comedido sobre o tema. Para ele, há um trabalho no sistema de ensino para pôr fim, ou ao menos reduzir, os casos de bullying.
O especialista lembra que há segurança nas escolas, como portaria e seguranças circulando pelos prédios. A questão é discutir a funcionalidade das ações e implementar outras mais efetivas.
“As escolas têm se preparado, nos últimos anos, para discutir o bullying. Há um trabalho preventivo para evitar casos e, claro, as invasões. Conforme os casos forem acontecendo, as instituições vão respondendo ao máximo possível de forma preventiva. Porém, precisamos entender que o funcionamento das prevenções demanda tempo”.
“Eu acho que ela [estrutura para segurança escolar] existe. Há escolas com seguranças, portaria, câmeras de segurança. Os recursos existem. O que precisamos debater é se eles estão sendo suficientes. Se é necessário melhorar ou se precisará de alguma atualização para evitar novos casos como esses”, afirma.
Além do cuidado com a segurança, professores e pais devem ficar atentos ao comportamento dos alunos. Isolamento e pesquisas incomuns na internet podem ser sinais de alerta para evitar violência nas escolas.
“Eu acho essa uma das perguntas mais difíceis de serem respondidas. É porque tem algo que é muito invisível. De fato, estamos lidando com uma dimensão psíquica na dimensão subjetiva. Os pais devem ficar atentos a como esse jovem utiliza a internet, quais são as pesquisas que ele faz, o que ele publica nas redes sociais. Outro fato importante é o relacionamento. Observar o relacionamento com outras pessoas e o isolamento”, explica Caroline Rangel.
“A escola deve observar uma possível mudança repentina de comportamento. Se o adolescente está extrovertido, conversa com os colegas, mantém uma relação saudável com professores. Quando crianças, é bom observar desenhos e até outras formas de comunicação transparecida por eles”, completa a psicóloga.
Encorajamento acende alerta
Nos últimos dias, especialistas têm alertado para o “efeito cascata” em diversas escolas do país. Após o ataque na escola Thomázia Montoro, outras duas sofreram ataques, sendo uma em Blumenau (SC), onde cinco crianças morreram.
Caroline acredita que a repercussão da ação e o sucesso dos criminosos encoraja outros a fazerem o mesmo. Para a especialista, é
“Um ato é como uma ‘autorização’ para outro que está em dúvida a fazer o mesmo”, acredita a psicóloga.
“Nós adultos temos de costume ignorar os sentimentos do jovem. ‘Ah, isso não é nada’ e não é assim. Se esse jovem disser de alguma dor em si é validar essa dor. Não é dizer que isso é bobeira, não é dizer que isso não é algo útil, é poder validar essa dor”, completa.
Filipecki segue o mesmo caminho, mas ressalta que agentes escolares devem manter o diálogo com os alunos. Ele admite que a discordância entre psicólogos e pacientes serão frequentes, mas acredita que haverá um consenso.
“A escola, a instituição escolar, é maior do que um prédio ou funcionários. Ela inclui agentes. Então, é importantíssimo que esses agentes estejam com diálogos permanentes [com os alunos]”.
“Isso não significa dizer evidentemente, até porque se trata de humanos, de concordância o tempo todo, 100%. Significa dialética. Significa conversar e chegar a pontos em comum. Dentro das discordâncias. Isso são maneiras inclusive de desestimular, desencorajar todo qualquer tipo de ato de violência”, conclui Filipecki.