Brasil lidera litígios climáticos entre países em desenvolvimento Arquivo EBC
De acordo com o Centro de Mudança do Clima da Columbia University, dos Estados Unidos, no chamado Sul Global, que compreende os países em desenvolvimento da América Latina, Caribe, África e Ásia, o Brasil seria o país com maior número de litígios climáticos.
A coordenadora do JUMA da PUC Rio, professora Danielle de Andrade Moreira, informou nesta segunda-feira (18) à Agência Brasil que a litigância climática é um fenômeno mundial que começou no início na década de 1990 em países do Norte Global, principalmente nos Estados Unidos e na Austrália e foi se expandindo gradualmente. No Sul Global, foi mais sentido a partir da década de 2010. No Brasil, a litigância climática é mais recente, acumulando cinco casos em 2013; seis casos em 2014, 2015 e 2016, cada ano; e oito casos, em 2017.
Fôlego
No Brasil, os litígios climáticos ganharam força a partir de 2018/2019, por conta dos “retrocessos” do governo Jair Bolsonaro, completou. “Aí, a gente começa a ter uma litigância climática propriamente dita no Brasil. Casos que a gente chama na nossa metodologia de casos sistêmicos, muitas ações constitucionais para obrigar o Poder Público federal a não destruir a política climática brasileira e implementar o que já existe. Porque houve um retrocesso, tanto do ponto de vista legislativo, das estruturas, e também, em função da inação”. O período do governo Bolsonaro é entendido como impulsionador do movimento da litigância climática no Brasil. O número de ações climáticas ajuizadas nos tribunais evoluiu quase nove vezes do final de 2017 até 2023.
O advogado Oscar Graça Couto, do Escritório Graça Couto, considerado referência em questões ambientais, avaliou que com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, vai haver um arrefecimento do “ímpeto” contra o governo, “porque existe uma percepção de que (o presidente) Lula e a (ministra do Meio Ambiente) Marina Silva, sobretudo, estão fazendo o que podem em relação ao assunto”. Por outro lado, apontou a existência de uma situação ambígua, em que o Brasil aparece como protagonista na questão ambiental e, ao mesmo tempo, incentiva a exploração de óleo e gás na Margem Equatorial, que são combustíveis fósseis”. Existe aí uma contradição, indicou. “Isso tende a ter repercussão no plano jurídico”.
Perfil
Se a maioria dos casos climáticos registrados durante o governo Bolsonaro era mais sistêmica e tinha como objetivo fazer com que o governo federal implementasse a legislação existente, agora houve uma mudança de perfil, confirmou a coordenadora do JUMA e professora de direito ambiental da PUC Rio. Agora são casos mais rotineiros, propostos pelo setor privado para que sejam considerados os impactos climáticos no licenciamento ambiental, por exemplo. “Mudou um pouco o perfil, muito por conta da conjuntura política atual”.
Danielle destacou que mais recentemente, tem se observado maior número de casos para reparação de danos climáticos, como desmatamento, considerando as emissões de gases de efeito estufa. Outros casos envolvem licenciamento ambiental relacionados ao setor de energia a partir do carvão; transição energética; biomas; a própria privatização da Eletrobras vista pelo lado ambiental e climático; avaliação de risco climático para financiamento, entre outros temas.
Um fato interessante identificado pelo levantamento no perfil da litigância climática brasileira (novidade para o Brasil) é que há uma forte participação da sociedade civil organizada. “O Terceiro Setor tem ajuizado muitas ações e se mobilizado para atuar na litigância climática brasileira“. Até então, o protagonismo vinha sendo exercido pelo Ministério Público. A participação de organizações não governamentais (ONGs) voltadas para a área climática tem levado a sociedade civil organizada a apresentar grande número de ações. O boletim 2023 mostra que o Terceiro Setor empatou com o Ministério Público, tanto Federal como estadual, com 20 ocorrências cada.
Tendência
Na avaliação do advogado Oscar Graça Couto, a tendência é, de um lado, inserir a variável climática no contexto do licenciamento ambiental, visando a compensação dos riscos ou danos em alguma medida. “Vai haver uma maior marcação sobre o licenciamento de empresas cujas atividades são muito intensivas em carbono”. Outra tendência, que Graça Couto acredita vai se materializar em até quatro anos, é cobrar empresas pelos danos decorrentes de suas emissões. “O direito está cada vez mais atento ao que se chama de ciência da atribuição, que é a ciência reconhecendo um elo específico e cientificamente demonstrado entre o volume de emissões e determinado dano”. Isso se aplicaria sobretudo às emissões ilegais de carbono, decorrentes de desmatamento ou incêndio criminoso. Já existem inúmeras ações envolvendo esse tema, inclusive sob o viés climático, informou.
Poluidor indireto
Plataforma
O trabalho foi realizado graças a financiamento do Instituto Clima e Sociedade (ICS), visando montar uma plataforma de litigância climática que reunisse os casos climáticos brasileiros. Uma das metas é ter em um único lugar os litígios climáticos brasileiros para que haja informações de maneira mais organizada e sistematizada. Nos últimos quatro anos, foi desenvolvida metodologia para classificação desses casos, “A gente usa essas informações para produzir estudos jurídicos”, disse Danielle.
Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor.