Bolsonaristas insatisfeitos com o resultado das eleições bloquearam as estradas de todo o paísReprodução: redes sociais

Os atos golpistas de 8 de janeiro completam um ano nesta segunda-feira, 8. Na ocasião, milhares de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes, em Brasília, causando prejuízos de mais de R$ 27,2 milhões aos cofres públicos. Diferentes etapas foram necessárias para a concretização do plano de ataque: bloqueio nas estradas, acampamentos em frente ao quartel-general do Exército em Brasília e nos comandos militares em todas as regiões do País, tentativa de invasão ao prédio da Polícia Federal (PF) e um fracassado atentado terrorista que buscava explodir uma bomba em um caminhão-tanque nas proximidades do aeroporto da capital federal. O Brasil já recebia sinais do que estava por vir. Para marcar a data, um ato "Democracia Inabalada" foi preparado por Lula, junto com os presidentes dos outros Poderes, para lembrar um ano das depredações.
O clima de agitação política ocorria em meio ao silêncio de Bolsonaro após a derrota nas eleições, seguido de sua "fuga" para os Estados Unidos — estratégia usada para não passar a faixa presidencial para o novo chefe do Executivo, um rito tradicional que marca a cerimônia de troca de governo.
Após um período eleitoral polarizado, com suposições infundadas de que as urnas eletrônicas poderiam ser fraudadas, o primeiro sinal do que estaria por vir surgiu logo depois do resultado do segundo turno das eleições. No dia 30 de outubro de 2022 — data em que os eleitores foram aos seus postos de votação para escolher o novo presidente —, o país começou a identificar um clima de insatisfação e desordem no ar.
Antecedentes
Exatamente às 18h45 do dia 30 de outubro de 2022, o candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, superou Bolsonaro na corrida presidencial e bateu 50,01% dos votos, com 67,76% das urnas apuradas. Pouco depois das 20h, com mais de 99% das urnas apuradas, o resultado da apuração confirmou o candidato do PT como novo mandatário do país. Foi um placar apertado, de 50,90%, sobre 49,10%.
Para a maior parte dos eleitores, o momento era de euforia e satisfação com o resultado, mas para os bolsonaristas a animação e o otimismo deram lugar à raiva e à indignação, com alegações de fraude e pedidos de intervenção militar.
A derrota de Bolsonaro representou o fim do ciclo de reeleições entre os presidentes que se candidataram consecutivamente. Foi a primeira vez que isso aconteceu desde 1998, quando foi instituída a possibilidade de um segundo mandato na Constituição Federal.
A vitória de Lula também provocou a primeira derrota política do ex-mandatário em sua carreira e interrompeu uma trajetória de 33 anos na política. Bolsonaro obteve 57 milhões de votos, enquanto o petista teve mais de 59 milhões.
Lula, então, comemorava a confirmação do seu terceiro mandato na Presidência da República, quase 20 anos depois de ter subido a rampa do Palácio do Planalto pela primeira vez. Mas, logo após a sua vitória, caminhoneiros bolsonaristas deram inicio a manifestações contra o resultado das urnas. Os motoristas, junto com outros apoiadores de Bolsonaro, bloquearam rodovias em todo o País. E, assim, foi dada a largada à crise que culminou com os atos golpistas de 8 de janeiro.
Bloqueio das estradas
O ato dos caminhoneiros durou de três a cinco dias, dependendo da região. Os bloqueios totais nas rodovias tiveram início na noite do domingo, 30 de outubro, logo após o resultado das urnas na eleição presidencial. As manifestações começaram no interior de Mato Grosso e de Santa Catarina, estados considerados redutos bolsonaristas. Em vídeos que circulavam pelas redes sociais, manifestantes pediam intervenção do Exército e afirmavam que só iriam sair das rodovias com a presença dos militares. Durante a madrugada de segunda-feira, 31, apoiadores de Bolsonaro em todo o país começaram a reproduzir o ato, fechando as estradas.
Em resposta ao caos estabelecido pelos bolsonaristas, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou à Polícia Rodoviária Federal (PRF) e às polícias militares dos estados que tomassem as medidas necessárias para desobstrução de vias ocupadas ilegalmente. Na decisão individual, Moraes atendeu aos pedidos da Confederação Nacional dos Transportes e do vice-procurador geral eleitoral, Paulo Gonet.
Eles classificaram as manifestações como "antidemocráticas", motivadas pela "simples discordância com o resultado do pleito presidencial ocorrido no país".
Moraes também estabeleceu multa de R$ 100 mil por hora e eventual afastamento do cargo para o diretor da PRF, Silvinei Vasques, em caso de descumprimento da determinação. 
O ministro intimou Vasques, o então ministro da Justiça, Anderson Torres, todos os comandantes das polícias militares estaduais, o procurador-geral da República à época, Augusto Aras, e os procuradores de Justiça dos estados para tomarem "as providências que entenderem cabíveis, inclusive a responsabilização das autoridades omissas".
De acordo com os dados da PRF, ao todo, mais de mil pontos de protestos foram liberados. Em ofício enviado ao STF, a corporação informou que aplicou mais 7,3 mil multas em todo o país em razão dos bloqueios de rodovias realizados por apoiadores do ex-presidente. Os participantes, nesse caso, responderiam por infrações de trânsito, como estacionar no acostamento ou interromper a circulação da via. As multas entre organizadores, empresas e participantes ultrapassaram R$ 988 milhões.

Os bloqueios causaram transtornos, como diversos confrontos com à polícia, desabastecimento e falta de combustíveis. Também prejudicaram o funcionamento de supermercados e farmácias. Além disso, impediu o transplante de coração que seria realizado em São Paulo. O doador era um jovem, de 21 anos, vítima de um traumatismo crânioencefálico.
O empresário Junior Peixoto, de 41 anos, chegou a percorrer mais 6 quilômetros pendurado em um caminhão em movimento, na BR-232, em Caruaru, Pernambuco, na tentativa de evitar que o motorista furasse o ilegal bloqueio na rodovia federal. Ele ficou conhecido como "patriota do caminhão" depois que o vídeo viralizou nas redes sociais.
Bolsonaro resolveu falar pela primeira vez após as eleições, no dia 2 de novembro, pedindo para que seus apoiadores liberassem as rodovias de todo o Brasil. O ex-mandatário explicou que o fechamento das rodovias prejudicava o direito de ir e vir da população, algo assegurado pela Constituição. "Nós sempre estivemos dentro dessas quatro linhas [da Constituição]", afirmou. Além disso, ele disse que a paralisação prejudicava a economia.
O ex-presidente chegou a pedir para que seus apoiadores protestassem em outros locais e de forma que não prejudicasse a população. "Isso é muito bem-vindo e faz parte da democracia", ressaltou. Em nenhum momento, ele citou Lula ou o resultado da eleição diretamente.
Ele finalizou dizendo que ao longo de seu mandato, colaborou para ressurgir o sentimento patriota, a defesa da família e da liberdade. "Não vamos jogar isso fora. Vamos fazer o que tem que ser feito. Estou com vocês e tenho certeza que estão comigo", disse.
Em um movimento contrário, os filhos de Bolsonaro endossaram as manifestações nas redes sociais. O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) exaltou os bloqueios realizados após a vitória de Lula: "Aplausos de pé a todos os brasileiros que estão nas ruas protestando, espontaneamente, contra a falência moral do nosso país! Confiem no Capitão!". 

Já o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) citou uma frase do 1º discurso do pai depois do resultado do pleito. "Os atuais movimentos populares são fruto de indignação e sentimento de injustiça como se deu o processo eleitoral", escreveu no X, antigo twitter.
No dia seguinte à publicação do vídeo do presidente Bolsonaro nas redes sociais, a PRF divulgou uma nota dizendo que todas as rodovias federais estavam livres de bloqueios e que restavam apenas interdições parciais.
Acampamentos em frente aos quartéis-generais do Exército
Ao mesmo tempo em que aconteciam bloqueios nas rodovias, apoiadores do ex-presidente se concentraram em frente a quartéis em todo o Brasil para contestar o resultado da eleição e pedir a intervenção das Forças Armadas, o que é inconstitucional. O movimento deu origem aos acampamentos, que foram ganhando adeptos e serviram de "incubadoras de terroristas", nas palavras do ministro da Justiça, Flávio Dino.
Os acampamentos tinham estrutura para oferecer comida de graça, banheiros químicos e até uma espécie de igreja. A apenas oito quilômetros de distância do Palácio do Planalto, em frente ao QG do Exército, uma churrasqueira costumava exalar fumaça para assar linguiça e picanha dispostas em grelhas.
O "traje oficial" dos ocupantes dos acampamentos eram roupas com as cores da bandeira do Brasil. Além de quatro refeições diárias, os manifestantes, contavam ainda com a distribuição de água, um trio elétrico e um carro de som no qual organizadores se revezaram em discursos.
Fazia parte da infraestrutura:
- Contêiner com caixa d'água para abastecer chuveiros;
- Caminhões-pipas enchiam as caixas d'água diariamente;
- Geradores garantiam energia elétrica;
- Barracas e tendas eram alugadas por empresários;
- Dezenas de banheiros químicos disponíveis.
Algumas pessoas levavam as próprias barracas para dormir. Mas também havia uma série de tendas bancadas por empresários. Assim como ocorria com as caixas d'água, elas eram identificadas pela cidade do financiador. Faixas exaltavam de onde vinha o dinheiro que pagava a estrutura que viabilizou o sono confortável dos golpistas: Dois Vizinhos (PR), Rio do Sul (SC) e Lucas do Rio Verde (MT) são alguns exemplos.
O lugar que mais reunia adeptos da intervenção militar era um palco instalado no acampamento em frente ao QG do Exército. Ele servia para difundir as ideias golpistas. Equipado com sistema de som, era usado para pedir PIX e doações de dinheiro em espécie na etapa final do acampamento. Passado o Natal, os recursos financeiros começaram a faltar. Um homem no microfone falava que o agronegócio havia suspendido o envio de R$ 5 mil diários que bancava uma aparelhagem de som de melhor qualidade.

Também havia dificuldades para pagar os R$ 500 de diesel para os geradores e R$ 1,8 mil dos banheiros químicos. Toda essa infraestrutura se destinava aos extremistas vindos de outras cidades do País. Todas as manhãs, moradores de Brasília chegavam com suas cadeiras de praia para engrossar o coro que pedia golpe.
O acampamento montado em frente ao QG do Exército, no Setor Militar Urbano (SMU), chegou a receber a visita do irmão da então primeira-dama Michelle Bolsonaro, Diego Torres Dourado. Uma foto de Diego no acampamento foi compartilhada por dois amigos seus no dia 2 de novembro de 2022. Na imagem, ele aparece de óculos e enrolado em uma bandeira do Brasil ao lado de três apoiadores de Bolsonaro.
Torres não divulgou em suas redes imagens sobre a visita ao acampamento, mas curtiu a foto publicada por Elizangela Castelo Branco. "Em Brasília, assim como em muitas outras cidades brasileiras, as manifestações foram lindas, pacíficas e cheias de patriotismo. Brasileiros de todas as idades, credos e cores se reuniram por um único motivo: 'Lutar bravamente por nossa pátria'", escreveu a amiga.
Outra figura conhecida que visitou o acampamento foi Frederick Wasseff, advogado de Bolsonaro. Ele confirmou a ida ao local, mas negou que a sua atitude tivesse relação com o presidente, derrotado nas urnas por Lula.
Vídeos de Wasseff na manifestação circularam pelas redes sociais. No ato, que contestava o resultado das urnas e pedia intervenção militar, ele discursou, chamou os manifestantes de "heróis" e incitou os bolsonaristas a permanecerem nos acampamentos. Ele afirmou que, em vez de esmorecerem, os protestantes devem "aumentar" a manifestação, classificada por ele como "pacífica e democrática".
"Vocês têm que aumentar, se multiplicar, trazer mais pessoas! Isso não pode morrer. Independente do que vai acontecer daqui a um mês ou dois, vocês têm que continuar, se fortalecer, se unir e aumentar", disse. Dois dias depois, a deputada Carla Zambelli (PL-SP) também esteve no local e afirmou que estava "trabalhando" nos bastidores e que não iria descansar antes que conseguisse a "liberdade".
Apesar da alegação do advogado, o planejamento dos atos golpistas estava em andamento. Em uma live realizada no dia 5 de janeiro, no acampamento, a extremista Ana Priscilla Azevedo deu o tom do plano. "Nós vamos colapsar o sistema, nós vamos sitiar Brasília, nós vamos tomar o poder de assalto, o poder que nos pertence", disse.
Em relatório sobre os atos criminosos praticados durante o ataque aos Três Poderes, o interventor federal Ricardo Cappelli destacou a centralidade e a importância do acampamento de apoiadores de Bolsonaro em frente ao QG do Exército, em Brasília, para os atos que culminaram no 8 de janeiro.
"Todos os atos tiveram sua organização, planejamento e ponto de apoio no acampamento. Aquilo virou um centro de construção de planos contra a democracia brasileira", disse. Cappelli se referiu ao local como uma "minicidade golpista e terrorista", e destacou que um acampamento comum não teria a infraestrutura documentada.
O ex-chefe do Comando Militar do Planalto, general Gustavo Dutra, confirmou que o Exército não desmobilizou os acampamentos porque não eram considerados ilegais e por falta de ordem judicial. Ele relatou que o general Marco Freire, ex-comandante do Exército, desautorizou a realização de três operações da Polícia Militar no QG entre dezembro e janeiro.
Nesse processo, O PL, partido de Bolsonaro, apresentou ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) um pedido para anular a maior parte dos votos do segundo turno da eleição presidencial. Sem provas, a solicitação da legenda foi negada pelo TSE, que ainda aplicou uma multa de R$ 22,9 milhões à sigla.
Alvo: prédio da PF
A primeira tentativa de invasão de um prédio público ocorreu em 12 de dezembro, no mesmo dia em que Lula e o seu vice, Geraldo Alckmin, receberam os respectivos diplomas eleitorais em sessão solene realizada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Com os ânimos já aflorados, a revolta se instalou após o ministro Alexandre de Moraes determinar a prisão do indígena José Acácio Serere Xavante por práticas ilícitas em atos antidemocráticos. Por conta da decisão, bolsonaristas tentaram invadir a sede da Polícia Federal, em Brasília, onde Xavante estava custodiado. Além disso, os bolsonaristas queimaram ônibus e carros.
A decisão de Moraes atendeu a um pedido da procuradoria-geral da República, que apontou que o indígena estaria usando sua posição de cacique para influenciar a prática de crimes e impedir a posse do presidente eleito.
De acordo com a PF, Serere Xavante teria realizado atos antidemocráticos em frente ao Congresso, no Aeroporto de Brasília, no centro de compras Park Shopping, na Esplanada dos Ministérios e em frente ao hotel onde estavam hospedados Lula e Alckmin.
A noite de 12 de dezembro foi de caos: grupos bolsonaristas atearam fogo em veículos e no meio de vias no centro de Brasília. Pelo menos dois ônibus e vários carros foram incendiados. Os vândalos chegaram a espalhar botijões de gás em volta dos veículos pegando fogo. Um outro grupo incendiou um ônibus no Eixo Monumental — principal via pública da capital federal — e outros carros foram danificados em frente à Polícia Federal.
Na época, o então secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, Júlio Danilo, afirmou que alguns dos autores dos ataques na noite do dia 12 também faziam parte de um acampamento em frente ao Quartel General do Exército.
"Parte desses manifestantes, a gente não pode garantir que são todos que estejam lá porque alguns podem residir inclusive na cidade e em outros locais, mas parte realmente estava no QG, no acampamento, e participaram desses atos", declarou.
O então ministro da Justiça e Segurança Pública, Anderson Torres, chamou os atos de vandalismo em Brasília de "manifestações" e afirmou que o caso seria apurado. Já Ibaneis Rocha (MDB), governador do Distrito Federal, chegou a dizer que determinou às forças de segurança que prendessem todos os bolsonaristas envolvidos em depredações e outros atos de vandalismo. Mas ninguém chegou a ser preso.
Bomba em caminhão-tanque
Na véspera do Natal, um alerta deixou Brasília em pânico. A Polícia Militar (PM) e o Corpo de Bombeiros foram acionados na manhã do dia 24 de dezembro de 2022 para investigar a possível presença de um artefato explosivo dentro de uma caixa encontrada na via que dá acesso ao aeroporto do Distrito Federal.
Uma caixa foi colocada em um caminhão carregado com combustível que se dirigia ao aeroporto. O condutor percebeu ainda que havia uma caixa de papelão em um dos eixos do veículo. Segundo ele, ao abrir, encontrou duas "bananas" de dinamite e um detonador com "luzes piscando". Logo depois, o homem acionou a polícia.
Uma equipe do esquadrão de bombas do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) desativou o artefato e o material apreendido foi levado para perícia da Polícia Civil.
No mesmo dia, o responsável por montar o dispositivo foi encontrado e preso em um apartamento na região central do Distrito Federal. George Sousa, de 54 anos, é um empresário que viajou do Pará a Brasília para participar das manifestações em apoio a Bolsonaro. Com ele, foram apreendidas duas espingardas, um fuzil, dois revólveres, três pistolas, centenas de munições, uniformes camuflados e outras cinco emulsões explosivas.
Sousa confessou ter montado os explosivos e afirmou que gastou cerca de R$ 170 mil com armas. Ele admitiu ainda que planejava um possível atentado na cidade nos próximos dias. Segundo o empresário, o plano era entregar armas a apoiadores de Bolsonaro acampados em frente ao QG do Exército e explodir bombas para instalar o "caos". O homem também disse que planejava um atentado para o dia da posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Além de George, Alan Diego dos Santos Rodrigues foi preso por envolvimento no plano de explosão. Ele era procurado e se entregou à polícia em 17 de janeiro de 2023, na delegacia de Comodoro, no Mato Grosso. Rodrigues confessou ter recebido a bomba em frente ao QG do Exército e colocado o objeto no caminhão-tanque.
Os dois foram condenados em outubro passado pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), em 2ª instância. Sousa cumprirá 9 anos e 8 meses de reclusão, mais 55 dias-multa, em regime inicial fechado. Já Rodrigues cumprirá 5 anos de reclusão, mais 17 dias-multa em regime inicial fechado.
O terceiro acusado na participação na tentativa de explosão, o blogueiro Wellington Macedo de Souza, foi preso em 14 de setembro no Paraguai. Ele também ajudou na elaboração do plano de cometer atos que causassem convulsão social na tentativa de provocar a intervenção militar e decretação de Estado de Sítio. O golpista foi condenado a seis anos de prisão, em regime inicial fechado, e multa de R$ 9,6 mil.
Bolsonaro faz última live e viaja para os EUA
Desde o resultado eleitoral, um questionamento circulava pelos corredores do Congresso, nos acampamentos e até mesmo entre os eleitores dos dois candidatos: Bolsonaro passaria a faixa presidencial a Lula?
O seu então vice, o senador eleito Hamilton Mourão (Republicanos), chegou a defender publicamente que Bolsonaro entregasse a faixa, sugerindo que o ex-capitão dissesse no ouvido de Lula: "Fica atento que eu vou estar olhando tudo aquilo que você tá fazendo".
Mourão deixou claro que não pretendia substituir o mandatário, caso Bolsonaro realmente não participasse da tradicional cerimônia de posse: "A faixa é um ato do presidente da República que sai para o presidente que entra. Não compete a mim, eu não posso vestir aquela faixa, tirar e entregá-la ao presidente Lula. Se for para entregá-la dobradinha, outra pessoa que o faça". Em seguida, começaram os rumores de que Bolsonaro viajaria para os Estados Unidos.
No dia 30 de dezembro, Bolsonaro fez uma live de pouco mais de 50 minutos. Em sua quarta fala pública após a derrota na eleição, o ex-mandatário afirmou que "foi ficar dois meses calado, buscando alternativas" à eleição de Luiz Inácio Lula da Silva.
Bolsonaro também disse que "não participou" dos movimentos que aconteceram desde o fim das eleições em frente a quartéis generais: "Me recolhi. Acredito que fiz a coisa certa para não tumultuar mais ainda. Houve pelo Brasil manifestação do povo, sem liderança, protesto pacífico, ordeiro, seguindo lei tem que ser respeitado, contra ou a favor de quem quer que seja."
Com um visivelmente abatido, Bolsonaro buscou reanimar a militância, que vinha cobrando dele um posicionamento favorável às manifestações. Desde que não conseguiu se reeleger, ele havia se mantido calado, deixando até mesmo de realizar as lives semanais que marcaram seu mandato.
Bolsonaro mais uma vez não parabenizou Lula pela vitória; tampouco reconheceu claramente sua derrota. Ele também voltou a falar que as eleições não foram isentas e colocou em xeque a isenção da Justiça Eleitoral.
"Voto você vê pelas ruas; levamos multidões para as ruas. Esperanças de vitória eram palpáveis. Fomos massacrados no horário eleitoral. Tivemos medidas adotadas pela Justiça Eleitoral que ninguém conseguia entender. Obviamente não foi uma campanha imparcial", alegou.
Por fim, confirmou que faria a viagem para Orlando, nos Estados Unidos. Dois dias antes, o Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República (GSI) confirmou o destacamento de uma equipe de apoio e segurança do Palácio do Planalto para acompanhar Bolsonaro e família durante a estadia na Flórida.
No mesmo dia 30, o ex-chefe do Executivo viajou e chegou ao Aeroporto Internacional de Orlando, por volta das 23 horas. Bolsonaro e sua comitiva foram filmados na frente da casa do ex-lutador de MMA José Aldo.
Bolsonaro viajou em um avião da Força Aérea Brasileira (FAB). A aeronave decolou às 14h02, fez uma parada no Aeroporto Internacional de Boa Vista (RR) e, depois, seguiu com destino a Orlando.
Após a confirmação de que Bolsonaro havia embarcado para os EUA, Lula, em uma rede social, ironizou a viagem. O petista postou a música "Está na hora do Jair já ir embora", usada por seus apoiadores durante a campanha eleitoral deste ano. Depois, Lula apagou a publicação.
No período nos EUA, Bolsonaro participou de poucos eventos e esteve acompanhado de assessores presidenciais pagos com dinheiro público. Esse tipo de assessoramento é garantido por lei aos ex-presidentes, mesmo que eles estejam fora do País.
Bolsonaro voltou ao Brasil após três meses. Após desembarcar no aeroporto de Brasília, participou de um evento com familiares e apoiadores. Em seu discurso, disse que disse que os integrantes do atual governo "não vão fazer o que bem querem com o futuro da nossa nação".
'Festa da Selma' e preparação para a invasão
Após a posse de Lula, manifestantes bolsonaristas acampados nos quartéis se radicalizaram ainda mais e começaram o planejamento para uma grande manifestação na Esplanada dos Ministérios. O evento é apelidado de "festa da Selma" para fugir do monitoramento dos órgãos de segurança. As convocações eram feitas pelas redes sociais.
"O termo Festa da Selma foi utilizado para convidar e organizar transporte para as invasões, além de compartilhar coordenadas e instruções detalhadas para a invasão aos prédios públicos. Recomendavam ainda não levar idosos e crianças, se preparar para enfrentar a polícia e defendiam ainda termos como guerra, ocupar o Congresso e derrubar o governo constituído", afirma a PF.
A expressão foi lançada por Steve Bannon, ex-estrategista de Donald Trump, logo após a derrota de Jair Bolsonaro nas eleições de 2022, para levantar dúvidas falsas sobre o sistema eleitoral brasileiroo.
Segundo um alerta de um monitoramento feito pela empresa de análise de dados Palver, que acompanha mais de 17 mil grupos públicos no aplicativo de troca de mensagens, inclusive bolsonaristas, grupos de WhatsApp tiveram papel central na organização da invasão das sedes dos Três Poderes.
As mensagens com orientações e convocações para a tomada de prédios públicos e das ruas circularam ao menos desde o dia 5 de janeiro. Entre as mensagens de convocações estão: "Venham todos para a festa da irmã Selma!!! Eita glória! A babilônia está ruindo. O golpe não é do presidente Bolsonaro. O golpe não é das Forças Armadas. O golpe é do povo brasileiro e será fatal! Na jugular do sistema!".
Uma das mensagens com maior circulação, ainda de acordo com dados da Palver, foi uma espécie de manual sobre como agir durante os ataques a prédios públicos, que circulou em diferentes versões. "Jamais iniciem a invasão sem haver uma multidão que tome todos os 3 poderes ao mesmo tempo, ou seja, só iniciem a invasão aos 3 poderes quando houver patriotas o suficiente pra invadir tudo!", dizia um trecho.
Outro trecho indicava que o objetivo da ação era permanecer nesses prédios após a invasão: "Essa ação tem que ser uma ação com regras de: Ninguém entra e ninguém sai! Ou seja, quem estiver lá dentro não poderá sair, não importa se são aliados ou não, ninguém sairá após a tomada dos 3 poderes".
Às vésperas dos atos terroristas, apoiadores de Bolsonaro começaram a desembarcar em Brasília. O número de passageiros foi crescendo e aumentou em dez vezes o acampamento no QG. Segundo o relatório da Advocacia-Geral da União (AGU), dois dias antes, mais de 2,8 mil pessoas viajaram para a capital federal entre a quinta-feira e o domingo, dia dos atos de terrorismo.
De acordo com as investigações realizadas após os atos golpistas, 73 ônibus partiram de nove estados, com aproximadamente 2.820 passageiros. O maior número veio de São Paulo (29); Paraná (19); e Minas Gerais (16).
A AGU identificou que os veículos foram fretados por 59 pessoas físicas ou empresas diferentes, sendo os alvos de um pedido de bloqueio de bens de até o valor de R$ 6.539.100 pela suspeita de financiar atos terroristas. Em depoimento, golpistas relataram que viajaram de graça e receberam apoio em Brasília com alimentação e estadia.
O levantamento da AGU foi feito a partir de uma lista fornecida pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) com todos os ônibus fretados que chegaram ao Distrito Federal nos dias anteriores aos atos golpistas. A partir dessas informações iniciais, foi feito um cruzamento com os veículos que foram apreendidos após o quebra-quebra. Com esses dados, a AGU chegou aos patrocinadores de cada viagem.
Em paralelo ao crescimento do movimento, Lula deixou Brasília para passar o fim de semana em São Paulo. A viagem fazia parte da sua agenda e tinha como destino Araraquara, cidade no interior do estado, atingida por fortes chuvas.
Diante da ameaça de protestos, o ministro da Justiça, Flávio Dino, autorizou o uso da Força Nacional na Esplanada dos Ministérios. A tropa poderia ser empregada "na proteção da ordem pública e do patrimônio público e privado entre a Rodoviária de Brasília e a Praça dos Três Poderes, assim como na proteção de outros bens da União situados em Brasília". Na véspera, uma reunião das forças de segurança do Distrito Federal definiu o protocolo de atuação, incluindo o da Polícia Militar.
Mas a medida não amedrontou os golpistas. Na manhã do dia anterior à invasão dos prédios públicos, os golpistas fizeram convocação para os atos, com transmissão pelas redes: "Venham para o QG de Brasília e depois vamos pegar aquilo que sempre foi nosso", dizia uma das mensagens deles.
À noite, a convocação para o protesto foi reforçada. "Eu acho que amanhã o bicho vai pegar", diz um participante. "Vai ser couro, porrada e bomba", acrescenta outro. Um manifestante ainda saiu do QG e chegou até a barricada instalada na Praça dos Três Poderes. Em vídeo, ele convocou os bolsonaristas radicais a passarem por cima das estruturas montadas para proteger os prédios públicos "na cara e na coragem".
Apesar dos sinais preocupantes, o governo do Distrito Federal mudou de última hora o planejamento para o dia dos atos, segundo o ministro da Justiça, Flávio Dino. De acordo com ele, o acordo prévio estipulava um bloqueio total na Esplanada dos Ministérios, o que não ocorreu. No mesmo dia, a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) já havia emitido um alerta, distribuído a 48 órgãos, sobre a possibilidade de manifestações violentas e invasão de prédios públicos.
Uma reportagem do jornal "Estado de S. Paulo" chegou a mostrar que, em meio à chegada de extremistas a Brasília, o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) dispensou 36 homens do Batalhão da Guarda Presidencial que reforçaram a segurança do Palácio do Planalto no dia 7 de janeiro. O pelotão só voltou quando a invasão na Esplanada já ocorria.
 
Às 14h42, começaram os ataques. Com a facilidade de acesso e um número insuficiente de policiais, os golpistas romperam a barreira que cercava o Congresso e começaram a invasão. Alguns agentes tentaram conter os extremistas usando spray de pimenta, mas a tentativa foi insuficiente frente ao número de invasores. Faixas com as inscrições "Lula na cadeia", "intervenção militar", "supremo é o povo" e "Bolsonaro presidente" foram erguidas.
O grupo chegou ao espelho d'água e avançou em direção ao Congresso. Parte enfrentou os policiais que mantinham bloqueios na área, subiu a rampa e alcançou as cúpulas da Câmara e do Senado, enquanto outros caminhavam para acessar a área interna do prédio. Eles invadiram o Salão Nobre. Os terroristas devastaram o Senado Federal, a Câmara dos Deputados, o Palácio do Planalto e o STF. 
A Polícia do DF conseguiu retomar os prédios do STF e o Palácio do Planalto mas, por volta de 18h20, ainda não havia conseguido esvaziar o Congresso. No Supremo, houve tiros de balas de borracha e bombas. Muitos dos terroristas que invadiram as sedes dos Poderes usavam roupas parecidas com as de militares.
As forças policiais usaram cavalaria, jatos d'água e bombas de efeito moral para desocupar o Congresso. Helicópteros atiraram bombas de gás e bala de borracha para dispersar o grupo que se concentrava em cima do prédio e nos arredores.
Por volta das 19h, as tropas de choque da PM fizeram um bloqueio para isolar os prédios dos três Poderes e evitar que manifestantes dispersados voltassem ao local. Os grupos de golpistas então começaram a retornar em direção ao acampamento no QG do Exército. A Operação Escudo havia sido concluída.
Evento para marcar os atos golpistas
Para marcar a data, um ato "Democracia Inabalada" foi preparado por Lula, junto com os presidentes dos outros Poderes, para lembrar um ano das depredações nesta segunda-feira, 8. O evento acontece no Salão Negro do Congresso com a presença de ministros do governo, do STF, parlamentares e outras autoridades. A réplica da Constituição, que chegou a ser roubada do Supremo no dia em que a Corte foi alvo dos vândalos, ocupará um lugar de destaque na cerimônia.

A cerimônia, originalmente, seria batizada com o nome Democracia Restaurada, mas o bordão desagradou até a base do governo. Lula rebatizou o ato em aceno ao STF, que utilizou o slogan em uma campanha institucional em 2023.
O chefe do Executivo informou que convidou todos os governadores para o evento. Porém, mesmo antes do Palácio do Planalto enviar os convites, chefes de Executivo estaduais alinhados ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) já haviam adiantado que não participariam do ato.
Segundo Lula, o ódio de alguns contra a democracia "deixou cicatrizes profundas e dividiu o país". "Colocou em risco a democracia. Quebraram vidraças, invadiram e depredaram prédios públicos, destruíram obras de arte e objetos históricos", comentou.
O presidente, contudo, pontua que a "tentativa de golpe causou efeito contrário". "Uniu todas as instituições, mobilizou partidos políticos acima das ideologias, provocou a pronta reação da sociedade. E ao fim daquele triste 8 de janeiro, a democracia saiu vitoriosa e fortalecida. Fomos capazes de restaurar as vidraças em tempo recorde, mas falta restaurar a paz e a união entre amigos e familiares", disse Lula.