Em 2023, sete indígenas morreram em confrontos com armas de fogo levadas ao território por garimpeiros ilegaisVictor Moriyama / ISA
As conclusões constam de nota técnica da Hutukara Associação Yanomami, publicada nesta sexta-feira, 26. O documento é endossado pelas associações Wanassedume Ye’kwana (Seduume) e a Urihi Yanomami, e conta ainda com o apoio técnico do Instituto Socioambiental (ISA) e do Greenpeace.
Segundo os dados apresentados pela entidade, a área total impactada pelo garimpo na terra indígena cresceu cerca de 7% em 2023, atingindo um total de 5.432 hectares. Esse número representa desaceleração significativa na taxa de crescimento da área degradada, na comparação com o avanço vertiginoso verificado em anos anteriores, quando o garimpo ilegal no território chegou a crescer 54% entre 2021 e 2022, e 30%, entre 2019 e 2020.
"Máquina tem força, máquina destrói tudo, rasga, derruba floresta, bota veneno na água. Peixe é nosso alimento, alimento do povo originário. Nós não temos loja, como vocês têm na cidade, guardando comida. Nós não precisamos usar água encanada, precisamos do rio. É assim a cultura Yanomami. Garimpeiros estão voltando para continuar garimpando, mas agora chega de maltratar meu povo yanomami e ye’kwana", desabafou o escritor e líder indígena Davi Kopenawa, em vídeo enviado à imprensa para apresentar o documento da Hutukara.
Ao todo, 308 indígenas yanomami morreram em 2023, sendo 129 por doenças infecciosas, 63 por parasitárias e 66 por respiratórias. O número é inferior, mas não muito distante das 343 mortes registradas em 2022, quando a crise estourou. No ano passado, sete indígenas morreram em confrontos com armas de fogo levadas ao território por garimpeiros ilegais.
Repressão descontinuada
Denúncias das próprias comunidades indígenas mostram que duas situações diferentes ocorreram após o início da repressão das forças de segurança. De um lado, algumas zonas de garimpo se mantiveram intactas por causa da resistência de grupos mais violentos, ainda não debelados. Outras áreas de exploração mineral, inicialmente abandonadas, foram sendo reativadas ao longo do ano.
"Segundo informações de terreno, o garimpo ilegal no Alto Orinoco vem se intensificando desde o início das operações em 2023, e parte de sua logística é operada no Brasil, em articulação com o garimpo do Alto Catrimani, Homoxi, Xitei, entre outros", diz trecho do relatório. À Agência Brasil, o diretor de Amazônia e Meio Ambiente da Polícia Federal (PF), Humberto Freire de Barros, confirmou que aviões ilegais continuam entrando e saindo diariamente no Território Yanomami.
De acordo com dados do relatório, há uma média de três aeronaves por dia com destino à pista do Mucuim, na região do Rio Uraricoera. A pista havia sido inutilizada no primeiro semestre, mas foi restaurada para uso pelos garimpeiros. "Pessoas da região atribuem a rápida reestruturação do garimpo no Uraricoera às débeis e descontinuadas operações de extrusão, que deveriam ter ocorrido com maior força e frequência", diz o levantamento.
No início de janeiro deste ano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva convocou uma reunião ampliada para cobrar ministros pela efetividade das ações, já tendo informações que as ações criminosas persistiam no território. Em decorrência disso, o governo federal anunciou a criação de nova estrutura permanente em Roraima para coordenar as ações e serviços públicos direcionados aos yanomami.
Em balanço da semana passada, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) informou ter realizado 205 vistorias em pistas de pouso na terra indígena e entorno. Com isso, 31 pistas foram embargadas e 209 monitoradas. A força-tarefa envolveu também a PF, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), a Força Nacional de Segurança Pública e outros órgãos do governo.
Entre apreensão e destruição de bens, os fiscais interditaram 34 aeronaves, 362 acampamentos, 310 motores, 87 geradores de energia, 32 balsas, 48 mil litros de combustível, 172 equipamentos de comunicação e mais de 150 estruturas logísticas e portos de apoio. Houve ainda a apreensão de 37 toneladas de cassiterita, o principal minério extraído da região, 6,3 quilos de mercúrio e pequenas porções de ouro.
Saúde desestabilizada
A baixa resistência imunológica dos yanomami é tida como agravante para casos de doenças respiratórias, o que faz com que as infecções atinjam alto índice da população, comprometendo de forma expressiva suas atividades de subsistência e facilmente evoluindo para complicações e mortes. Para reverter o quadro, visitas de equipes de saúde nas aldeias precisam ser frequentes, além da disponibilização de equipamentos como concentradores de oxigênio, nebulizadores e kits de higiene.
Vacinação ameaçada
No Xitei, região com população total de mais de 2 mil pessoas, a vacinação abrangeu apenas 1,8% das crianças de até 1 ano, e 4,2% das crianças de 1 a 4 anos. "Nessa região, por sua vez, sabe-se que a equipe de profissionais de saúde, além de ser pouco numerosa, está impedida de realizar as visitas às casas coletivas, porque o garimpo persiste no local, com inúmeros episódios de violência e ameaças. Ali, pelo menos 12 crianças menores de cinco anos morreram em 2023, sendo cinco por pneumonia", informa o relatório.
Em um dos alertas recebidos, os indígenas do Xitei denunciam a presença de jagunços do garimpo, além da existência de conflito aberto entre diferentes grupos de garimpeiros, "colocando as comunidades em situação de fogo cruzado".
Os casos de malária no território seguiram em alta em 2023, com mais de 25 mil casos notificados até o fim de outubro. A malária é uma doença infecciosa que causa febre aguda e transmitida pela picada da fêmea do mosquito Anopheles, que se reproduz de forma abundante em água parada. As cavas de água parada do garimpo são criadores perfeitos para esses insetos transmissores.
O Ministério da Saúde informou que investiu mais de R$ 220 milhões para reestruturar o acesso à saúde dos indígenas da região, um valor 122% mais alto que o do ano anterior.
"Em 2023, houve a ampliação do número de profissionais em atuação no território (+40%, passando de 690 profissionais para 960). Também foram reabertos sete polos-base e unidades básicas de saúde indígena, que estavam fechados por ações criminosas, totalizando 68 estabelecimentos de saúde com atendimento em Terra Yanomami. Nessas localidades, onde é possível prestar assistência e ajuda humanitária, 307 crianças diagnosticadas com desnutrição grave ou moderada foram recuperadas. Além disso, o governo federal, por meio do Programa Mais Médicos, permitiu um salto de 9 para 28 no número de médicos para o atendimento aos yanomami em 2023. Três vezes mais médicos em atuação".
Expulsão definitiva
"Os dados demonstram que embora o atual governo tenha se mobilizado para combater o garimpo ilegal na TIY em 2023, os esforços foram insuficientes para neutralizar a atividade na sua totalidade. De fato, houve importante redução no contingente de invasores, o que pode ser verificado na desaceleração das taxas de aumento de área degradada, mas o que se verificou ao longo de 2023 é que, ainda que em menor escala, o garimpo permanece produzindo efeitos altamente nocivos para o bem-estar da população", informa o texto.
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