Ex-presidente Jair BolsonaroJose Sa/AFP

Rio - Depois de ser alvo, assim como vários de seus aliados, de uma operação da Polícia Federal (PF) por "tentativa de golpe de Estado" que culminou nos ataques de 8 de janeiro de 2023, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) entregou seu passaporte a autoridades nesta quinta-feira (8). Segundo a polícia, um suposto complô que teria começado antes das eleições presidenciais de outubro de 2022, nas quais Bolsonaro (PL) foi derrotado por estreita margem por Luiz Inácio Lula da Silva (PT), é investigado.

A PF lançou a operação Tempus Veritatis em nove estados do país e no Distrito Federal, para "apurar organização criminosa que atuou na tentativa de golpe de Estado e abolição do Estado Democrático de Direito, para obter vantagem de natureza política com a manutenção do então presidente da República no poder".

Os agentes cumpriram 33 mandados de busca e apreensão e quatro de prisão preventiva, além de requisitarem passaportes para impedir que alguns investigados deixem o país. O passaporte de Bolsonaro "já foi entregue para as autoridades competentes", informou na rede X seu assessor e advogado Fabio Wajngarten.

"Saí do governo há mais de um ano e sigo sofrendo uma perseguição implacável. Me esqueçam, já tem outro governando o país", reagiu Bolsonaro, 68 anos, em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo.
Quatro generais na mira
Ordenada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), a operação investiga quatro generais, incluindo Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa e candidato a vice-presidente de Bolsonaro, e Augusto Heleno, ex-ministro do gabinete de Segurança Institucional.

Até agora, foram cumpridos três dos quatro mandados de prisão, segundo a imprensa, envolvendo um ex-assessor de assuntos internacionais de Bolsonaro, Filipe Martins, e dois militares do Exército.

De acordo com a PF, os investigados disseminaram "a ocorrência de fraude nas Eleições Presidenciais de 2022, antes mesmo da realização do pleito, de modo a viabilizar e legitimar uma intervenção militar, em dinâmica de milícia digital".

Em um primeiro momento, o grupo disseminou informação falsa sobre o sistema de votação eletrônica usado no país. Por esse fato, Bolsonaro foi inabilitado politicamente em junho, por um período de oito anos.

'Decreto' de golpe de Estado
Depois, os investigados "colocaram em execução um plano para subverter o Estado Democrático de Direito, com o objetivo de impedir a posse do governo legitimamente eleito, mantendo o então presidente, Jair Bolsonaro, no poder", afirma a decisão judicial de Moraes.

A investigação aponta que Bolsonaro recebeu um "decreto" de "golpe de Estado" em novembro de 2022, e que este foi objeto de modificações durante reuniões no Palácio do Planalto. Bolsonaro teria aprovado o texto final, que também previa uma ordem de prisão contra Moraes, à frente de várias investigações contra o ex-presidente e seu círculo próximo. Também convocou uma reunião com os comandantes militares para "pressioná-los a aderir" à tentativa de golpe, segundo o magistrado.

Os suspeitos esperavam ter sucesso em suas ações durante os últimos dias de 2022 e início de 2023, "principalmente quando se desencadearam os atos golpistas do dia 08 de janeiro", uma semana depois da posse de Lula.

Nesse dia, milhares de bolsonaristas invadiram e saquearam o Palácio do Planalto e os prédios do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal para pedir uma intervenção militar e tirar Lula do poder. O ex-presidente é investigado como suposto instigador desses atos.
Além disso, nesta quinta-feira, uma minuta de golpe foi encontrada na sala do ex-presidente, localizada dentro da sede do PL em Brasília. A minuta foi achada durante o cumprimento de um mandado de busca e apreensão e o documento não está assinado.
Valdemar é preso
O presidente do PL, Valdemar Costa Neto, foi preso em flagrante nesta quinta por porte ilegal de arma de fogo. Investigado na Operação Tempus Veritatis, o dirigente acabou sendo detido depois que agentes da Polícia Federal encontraram uma arma em situação irregular durante buscas em endereço de Valdemar. Os policiais também apreenderam uma pepita de ouro de 39,18 gramas. O metal foi analisado por peritos da PF e o teste concluiu que tem 95,25% de pureza.

De acordo com as investigações, o chefe do PL entrou na mira da PF por suspeita de ter usado dinheiro da legenda que comanda para disseminar a narrativa de fraude nas urnas eletrônicas e do sistema eleitoral e, assim, tentar legitimar manifestações contra o resultado da eleição de 2022.
Moraes monitorado
Ainda de acordo com a PF, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), foi monitorado clandestinamente por aliados próximos de Bolsonaro em meio às articulações para um golpe após a derrota nas eleições de 2022. O objetivo, segundo a PF, era prender o ministro e anular o resultado da votação. Os investigadores acreditam que a ordem tenha partido de Bolsonaro. 
Moraes ganhou até um codinome, era tratado como "professora". Seus passos eram acompanhados de perto pelo entorno do ex-presidente. "Por onde anda a professora?", questiona o tenente-coronel Mauro Cid, na época ajudante de ordens da Presidência, em conversa de WhatsApp com Marcelo Câmara, então assessor de Bolsonaro, em dezembro de 2022.

A agenda de Alexandre de Moraes era conhecida em detalhes. Chamou atenção da Polícia Federal que os auxiliares de Bolsonaro sabiam o itinerário exato de deslocamento do ministro com antecedência de 15 dias.

Para a PF, está claro que o ex-presidente e seus subordinados tinham acesso a informações privilegiadas e a intenção real de colocar em prática o plano golpista.

Acusações de Lula
Lula pediu nesta quinta-feira que "seja aplicado o rigor da lei". Embora tenha defendido a presunção de inocência de Bolsonaro, acusou o ex-presidente de ter "participado da construção dessa tentativa de golpe".

"Queremos saber quem financiou (os atos), para que a gente nunca mais permita que aconteça o ato que aconteceu no dia 8 de janeiro", acrescentou, em entrevista à rádio local Itatiaia.

Das 2.170 pessoas presas pelos atos de 8 de janeiro, até agora 30 foram condenadas por crimes como golpe de Estado, com penas de até 17 anos de prisão.

Treze meses depois desses eventos, as investigações "chegam ao ponto decisivo", apontando aos operadores e autores intelectuais, disse à AFP o analista político André Cesar. As provas mostram que "houve um movimento golpista de fato", e será "difícil para a defesa justificar" as ações do ex-presidente, acrescentou.

Multa para Bolsonaro
Paralelamente, Bolsonaro foi multado hoje pelo Tribunal Superior Eleitoral em R$ 15 mil por propagar desinformação e notícias falsas que associavam Lula à organização criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) durante a campanha.

O círculo próximo de Bolsonaro também foi alvo de investigações recentes. Em janeiro, a polícia fez batidas na residência e no gabinete de Carlos, um de seus filhos, por um suposto esquema de espionagem ilegal em favor de Bolsonaro quando ele ainda estava na Presidência (2019-2022).
Alvos da operação
Presos preventivamente: Filipe Martins, ex-assessor para assuntos internacionais de Bolsonaro; O coronel do Exército Marcelo Câmara, ex-assessor especial da Presidência e que era investigado no caso da suposta fraude ao cartão de vacinação do ex-presidente; e o major do Exército Rafael Martins de Oliveira, que atuou no batalhão de Forças Especiais da corporação.
Preso: presidente do PL, Valdemar da Costa Neto;
Mandado de prisão em aberto: o coronel do Exército Bernardo Romão Correa Neto, que no momento está fora do país.
Alvos de mandados de busca e apreensão: general Augusto Heleno, ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI); general Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa e da Casa Civil e vice na chapa de Bolsonaro em 2022; Valdemar da Costa Neto, presidente do PL, pelo qual Bolsonaro disputou a reeleição; Anderson Torres, ex-ministro da Justiça de Bolsonaro; o general Paulo Sérgio Nogueira, ex-comandante do Exército e ex-ministro da Defesa de Bolsonaro; e o almirante Almir Garnier Santos, ex-comandante-geral da Marinha. 
 
*Com informações da AFP e do Estadão Conteúdo