Bolsonaro (PLDivulgação Palácio do Planalto/Alan Santos

A Polícia Federal (PF) afirma ter encontrado elementos que mostram que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) limpou economias e enviou recursos ao exterior para bancar despesas enquanto aguardava o golpe de Estado no Brasil. De acordo com as investigações, ele fez uma transferência de R$ 800 mil antes de viajar aos Estados Unidos no final de dezembro de 2022, de onde aguardaria os desdobramentos do plano golpista.
As informações constam em um documento da investigação obtido pelo blog da jornalista Andréia Sadi, no portal G1, nesta quarta-feira (14).
Segundo a PF, os investigados "tinham a expectativa de que ainda havia possibilidade de consumação do golpe de Estado" e estavam cientes dos atos ilícitos cometidos. Durante a operação Tempus Veritatis, realizada no dia 8 de fevereiro, o passaporte de Bolsonaro foi apreendido.
"Alguns investigados se evadiram do país, retirando praticamente todos seus recursos aplicados em instituições financeiras nacionais, transferindo-os para os EUA, para se resguardarem de eventual persecução penal instaurada para apurar os ilícitos", diz um trecho do documento.
No caso do ex-presidente, foi feita uma operação de câmbio no dia 27 de dezembro no valor de R$ 800.000,03 para um banco com sede nos Estados Unidos onde o ex-presidente possui conta.
"Evidencia-se que o então presidente Jair Bolsonaro, ao final do mandato, transferiu para os Estados Unidos todos os seus bens e recursos financeiros, ilícitos e lícitos, com a finalidade de assegurar sua permanência no exterior, possivelmente, aguardando o desfecho da tentativa de golpe de Estado que estava em andamento", acrescenta.
A representação da Polícia Federal, enviada ao Supremo Tribunal Federal (STF), menciona que nesse montante pode estar o dinheiro do "desvio de bens de alto valor patrimonial entregues por autoridades estrangeiras". Essa parte da investigação, diz a PF, está inserida na apuração da venda ilegal de joias e presentes da Presidência da República por Mauro Cid, a mando de Bolsonaro.
Após a transferência dos R$ 800 mil para os EUA, segundo aponta a quebra de sigilo bancário feita pela PF, o ex-chefe do Executivo ficou com um saldo negativo em sua poupança no Brasil no valor de R$ 111 mil. Esse valor foi coberto posteriormente por recursos retirados por ele de um fundo de investimentos — o documento da Polícia Federal não diz quanto Bolsonaro mantinha nesse fundo.
Passaporte apreendido e minuta do golpe
O ex-presidente Jair Bolsonaro e outros investigados tiveram o passaporte apreendido durante uma operação da polícia federal que apura organização criminosa que atuou na tentativa de golpe de Estado.
Segundo a PF, "diante da não consumação do golpe, diversos investigados passaram a sair do país sob as mais variadas justificativas (férias ou descanso), como no caso do ex-presidente Bolsonaro e do ex-ministro da Justiça Anderson Torres".
A decisão aponta que os investigados, por possuírem passaportes oficiais que facilitariam eventual saída do país em caso de condenação criminal, deveriam entregar os passaportes.
Além do passaporte, durante a realização de buscas, a PF também encontrou uma minuta com um plano golpista, na sala do ex-presidente, localizada dentro da sede do PL em Brasília. O texto previa a "declaração" de estado de sítio e um "decreto" de Operação de Garantia da Lei e da Ordem no Brasil.
A corporação usou registros da movimentação no Alvorada e dados de Estações Rádio Base (ERB) para confirmar o relato de Cid e obter mais detalhes sobre participantes das discussões sobre a minuta do decreto e as formas como eles se comunicaram.

A partir dessas informações, além de dados descobertos no celular de Mauro Cid, a PF afirma que Bolsonaro sabia da existência da minuta, pediu e fez ajustes no teor dela e a apresentou a militares também investigados por tentativa de golpe de Estado para manter o agora ex-presidente ilegalmente no poder.

Segundo a PF, a minuta foi apresentada ao ex-presidente, no Alvorada, no dia 19 de novembro de 2022, cerca de 20 dias após o 2º turno da eleição que deu vitória a Lula (PT) Bolsonaro recebeu o assessor da presidência para assuntos internacionais, Filipe Martins, o advogado Amauri Saad e o padre José Eduardo de Oliveira e Silva.
Já no dia 7 de dezembro, o documento foi apresentado a Bolsonaro, juntamente com militares. Neste encontro, segundo a PF, o ex-presidente aprovou as alterações. A nova versão excluía as prisões de Gilmar Mendes e Rodrigo Pacheco, mas mantinha a de Alexandre de Moraes, além da ordem de realização de novas eleições.

No mesmo dia, Bolsonaro pediu uma reunião para apresentar a minuta do decreto ao general Freire Gomes, comandante do Exército, ao almirante Garnier Santos, comandante da Marinha, e ao ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira.
Dois dias depois, em 9 de dezembro, Bolsonaro fez alterações no decreto e apresentou ao general que ofereceu tropas. Nesse dia, o ex-chefe do Executivo se reuniu no Alvorada com o general Theophilo Gaspar de Oliveira, então comandante de Operações Terrestres. Segundo a PF, ele era quem estava disposto a cumprir as determinações relacionadas ao golpe de Estado se Bolsonaro viesse a assinar o decreto.

A PF, agora, considera prioridade ouvir o general Freire Gomes para confirmar a cronologia da minuta golpista.
Defesa do ex-presidente sobre o documento
A defesa do ex-presidente disse que Jair Bolsonaro "jamais compactuou com qualquer movimento que visasse a desconstrução do Estado Democrático de Direito ou as instituições que o pavimentam".

Os advogados afirmaram que o documento com o plano golpista encontrado no gabinete de Bolsonaro havia sido impresso para que ele "pudesse tomar conhecimento" de materiais mencionados na investigação da PF.

"O ex-presidente — desconhecendo o conteúdo de tais minutas — solicitou ao seu advogado criminalista, Dr. Paulo Amador da Cunha Bueno, que as encaminhasse em seu aplicativo de mensagens, para que pudesse tomar conhecimento do material dos referidos arquivos".

"A impressão provavelmente permaneceu no local da diligência de busca e apreensão ocorrida na data de hoje, que alcançou inclusive o gabinete do ex-presidente, razão porque lá foi apreendido", acrescentaram.

Em nota, a defesa também criticou a medida, determinada por Alexandre de Moraes, que apreendeu o passaporte do ex-presidente. Segundo eles, a determinação foi "absolutamente desnecessária".
Manifestação
Em meio a situação, o ex-presidente convocou apoiadores para ato na Av. Paulista, em São Paulo, no próximo dia 25. Esta será a primeira manifestação bolsonarista convocada pelo ex-chefe do Executivo brasileiro desde 8 de janeiro de 2023, quando seus apoiadores protagonizaram ataques às sedes dos Três Poderes, em Brasília.
A convocação foi feita por Bolsonaro, por meio de um vídeo divulgado nas redes sociais. Na publicação, Bolsonaro argumenta que o ato será "pacífico" e pede que seus apoiadores evitem levar faixas "contra quem quer que seja". Em atos anteriores convocados pelo ex-presidente, era comum a exibição de faixas pedindo intervenção federal e atacando ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).