Esperança Garcia escreveu denúncias e reivindicações mais de um século antes da Abolição da EscravaturaDossiê Esperança Garcia / Divulgação
Ele descobriu a história de Esperança Garcia, uma mulher escravizada no século XVIII que escreveu de próprio punho denúncias e reivindicações, mais de um século antes da Abolição da Escravatura.
Um problema é que o documento original está desaparecido e historiadores entendem que houve descuido com uma carta de valor imensurável para a história do País. De toda forma, com os registros que ficaram, a carta traz recados fortes do passado para o presente da luta das pessoas negras no Brasil. Mott sabia que estava diante de uma preciosidade histórica. Uma mulher escravizada que usava a escrita para denunciar. “Quando eu encontrei esse documento, eu vibrei e me dei conta de que era algo inédito. Não me lembro de ter encontrado manuscritos assinados por pessoas escravizadas”, afirmou Mott em entrevista à Agência Brasil.
O professor se deu conta que não era um ofício de alguma autoridade com uma linguagem diferente, mas uma carta de uma escrava denunciando os maus tratos para o governador da época e para o administrador das fazendas.
“Passo muito mal”
O pesquisador recorda que colocou a carta dentro de um envelope grande e pardo e lembra ainda ter anotado para que o arquivo cuidasse bem da joia histórica. “A Esperança Garcia se tornou famosa. Foi feita até uma estátua. Depois, as pessoas disseram que a carta tinha desaparecido. Ninguém sabia onde estava. Chegaram a dizer que ela tinha sido enviada para Portugal. Não tenho a menor ideia de onde está”.
Outro historiador, o professor Mairton Celestino da Silva, da Universidade Federal do Piauí (UFPI), esteve no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, em Lisboa, e também não conseguiu localizar o documento.
Segundo a assessoria de imprensa do governo do Piaui, em contato com a reportagem, existe uma mobilização para tentar encontrar a carta original, que foi extraviada “há muito tempo” já que teria sido arquivada de uma forma errada. Por esse motivo, os profissionais do arquivo público ainda teriam conseguido achar.
A comunicação do governo apontou que, na década de 90, havia uma política de liberação do documento para eventos. Em uma dessas exposições externas, o documento teria sido extraviado.
Primeira advogada
Segundo o que foi resgatado, ela trabalhava numa fazenda de jesuítas. “Depois que eles (os religiosos) foram expulsos, Esperança ficou sob a administração do feitor e foi contra esse feitor que ela reclamou e denunciou, dizendo: eu sou um colchão de pancadas”. O professor Luiz Mott prepara uma biografia sobre Esperança Garcia para o ano que vem.
O professor Mairton Celestino, pesquisador da história do século 18, recorda que o documento resgatado auxiliou os trabalhos da Comissão da Verdade da Escravidão Negra da OAB/PI, que geraram o Dossiê Esperança Garcia: Símbolo de Resistência na Luta pelo Direito. “A ideia não era só apenas formular o dossiê, mas também construir uma série de pautas sobre a escravização, como a inserção do negro e da mulher negra no interior da advocacia brasileira”.
A imagem desenhada de Esperança Garcia foi criada pela comissão da verdade piauiense. A respeito de tentar encontrar o documento, o professor da UFPI entende que é como procurar uma agulha num palheiro.
“Esse documento se constitui como uma peça fundamental para discussões do racismo, de como se estruturam as desigualdades sociais no Brasil e, principalmente, como esses sujeitos subalternizados reagem não só hoje, como historicamente ao longo das suas vidas”, diz Mairton Celestino.
Temas atuais
O pesquisador crê que, após a carta, a mulher conseguiu ser transferida para outra fazenda. Mairton encontrou documento que indicaria que uma mulher chamada Esperança era considerada liberta (crioula). “A representação de Esperança Garcia tem muito maior dinâmica com o presente. Esperança Garcia representa as mulheres negras de hoje, as mulheres quilombolas. Essa mulher é exatamente a representação máxima da luta contra as opressões”, avalia o professor piauiense.
O professor da UFPI reflete que Esperança firmou-se como sinônimo de bravura e de luta contra as desigualdades, incluindo as opressões que cercam essas mulheres marcadamente negras. Ele espera que seja cada vez mais divulgado nos livros didáticos em sala de aula sobre quem foi essa mulher que utilizou a palavra para não deixar passar o absurdo.
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