Os Modos de Fazer Queijo Minas Artesanal foram reconhecidos como Patrimônio Imaterial pela UnescoNelson de Almeida / Divulgação

O reconhecimento dos Modos de Fazer o Queijo Minas Artesanal como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade pela Unesco, premiou um dos processos mais tradicionais da culinária de Minas Gerais e do Brasil em uma cerimônia na última quarta-feira (4). Fazendeiros e funcionários do ramo enxergam a medida como uma grande oportunidade para alavancar as vendas e consolidar ainda mais o alimento como parte do dia-a-dia dos brasileiros. À convite da Secretaria de Estado de Cultura e Turismo de Minas Gerais, O DIA viajou a diferentes fazendas do estado para conhecer as particularidades do processo.
Desenvolvida no final século 18, a técnica de produção do laticínio é feita atualmente por cerca de 30 mil produtores, responsáveis por abastecer as mesas de milhões de famílias no país.
A produção do queijo
Os Modos de Fazer o Queijo Minas Artesanal são relativamente semelhantes, com pequenas adaptações relacionadas ao ambiente da fabricação e tradições regionais. A primeira etapa é a ordenha das vacas, um processo normalmente automatizado na qual se obtém o leite cru, característico na produção do alimento.
Em seguida, são adicionados o coalho, retirado do estômago seco de bezerros que têm a função de coagular a massa, e o pingo, parte essencial da comida. Ele é um soro-fermento extraído dos queijos para ser utilizado em produções do dia seguinte e rico em bactérias lácteas, que são benéficas e dão sabor, aroma e textura únicos a cada produto.
Por causa do pingo, caso dois fazendeiros fabriquem o mesmo queijo, de formas idênticas, os sabores serão diferentes. Os seus compostos sofrem influências de fatores como alimentação do gado, altitude e temperatura, que inevitavelmente afetam o gosto final. Alguns fabricantes chamam o ingrediente de "alma do queijo".
Depois de quase 40 minutos, o leite cru, que possui uma consistência pastosa, é depositado em um contêiner e remexido de três a cinco minutos para separar o soro da parte sólida. A massa é deixada em descanso por mais uma hora para depois, os queijeiros a espremerem com as mãos. Então, eles adicionam uma camada de sal ao composto e o colocam em temperatura ambiente por 48 horas, até o retirarem da forma para o acabamento.
Na sequência, o queijo é deixado em salas para a maturação. Nesta etapa, também chamada de cura, as bactérias boas que estão no pingo combatem os microrganismos patogênicos que ainda podem restar no produto, garantindo a sua segurança alimentar e alterando o sabor. O processo pode durar até 40 dias, com um tempo mínimo para cada uma das 10 microrregiões de Minas, separadas através de um decreto de 2002 por diferenças de clima e altitude. O queijo do Serro, por exemplo, precisa maturar por 14 dias. Já na Canastra, são necessários 21 dias.
Depois destes procedimentos, o Queijo Minas Artesanal é embalado e está pronto para ser vendido ou distribuído pelos supermercados.
Produção de décadas
Vanderlino Moreira, de 71 anos, é proprietário da Fazenda do Chicão, na Serra do Salitre, oeste de Minas Gerais, e administra a Queijaria Reis Moreira. Ele está no ramo desde a infância, no final dos anos 1950, e enxergou o reconhecimento da Unesco com bons olhos. "É muito gratificante. Ele já está bem reconhecido, acho que no Brasil inteiro", afirmou.
A fabricação do queijo está presente na família de Vanderlino há gerações. "Eu lembro do meu avô fazendo queijo. Meu pai também", conta. A sua fazenda, adquirida em 1982, possui um terreno de 176 hectares, o equivalente a 246 campos de futebol. A propriedade conta com cerca de 80 vacas disponíveis para ordenha, que produzem cerca de 120 kg de leite por dia, um número que pode sofrer mudanças de acordo com fatores como o clima", explica o fazendeiro.
"[A produção de leite] varia um pouco. Até pela situação que o país está passando, tem que adaptar. Uma hora você consegue tratar melhor o gado, aí aumenta a produção, e outra hora, não consegue. Nós tivemos uma seca muito grande [entre março e outubro deste ano], aí o trem ficou feio. A produção caiu lá embaixo", lamentou, ressaltando depois que as primeiras chuvas após o período reacenderam a esperança e os lucros.
O leite é retirado duas vezes por dia por quatro funcionários da família, mais quatro de fora. "O pessoal fala que o queijo da manhã é melhor, mas acho que é por causa da temperatura. O leite tá fresquinho, a vaca tá fresquinha, à tarde elas pegam um sol mais quente", destaca.
Apesar de ser um produto secular entre os fabricantes e as famílias de Minas Gerais, o Queijo Minas Artesanal demorou para ser regulamentado. Apenas em 2002, foi aprovada a lei estadual nº 14.185, que determinou etapas de fabricação, ingredientes e selos de certificações que atestam a higiene do alimento. Valdelino foi um dos pioneiros na luta para que o produto fosse legalizado.
"Reunimos fazendeiros de outras regiões, fomos para Belo Horizonte, conseguimos apoio dos deputados", conta.
A fazenda está passando por obras de expansão. Em breve, o número de vacas ordenhadas pelo maquinário passará de quatro para seis, aumentando o volume de leite arrecadado por dia.
A sala de ordenha fica em frente ao ponto de soltura do rebanho. Nos dois momentos de extração de leite do dia, os animais ficam perfilados para entrarem no maquinário, que comporta oito por vez. Uma obra está sendo realizada para expandir este número a 12 e, assim, aumentar o nível de produção.
O leite cru, então, é levado para as salas de espremedura e maturação. Na Queijaria Reis Moreira, os diferentes tipos de queijos são expostos em uma janela para a venda dos consumidores que visitarem o local. Nas prateleiras, estão expostos troféus de concursos de gastronomia.
Tradição familiar expandida
Na cidade de Sacramento, a 170 km da Serra do Salitre, a tradicional Fazenda do Chicão opera há cerca de 150 anos com gado a pasto e pecuária extensiva. Foi apenas em 2019, após a aquisição de algumas vacas e uma ordenha mecânica usada, que José Américo, um dos nove filhos da dona Cora, antiga proprietária e conhecida da região, deu início à queijaria no local.
"É recente a história do queijo [no local]. O proprietário tinha gado de porcos, mas ele sempre foi apaixonado por queijo. Eles já faziam para consumo próprio, e pensaram em aumentar a produção", conta Ana Helena Machado, consultora técnica de queijos da fazenda.
José Artur, conhecido como Kiko, morava em São Paulo, mas passou o período da pandemia do coronavírus na fazenda em quarentena e tomou gosto pela atividade. Com a colaboração da irmã Maria Flávia, eles transformaram o projeto em um negócio, através da aquisição de novos animais e o investimento em tecnologia e infraestrutura.
A Fazenda Taquaral está localizada na Microrregião de Araxá e conta com uma área de 480 hectares, com 19 funcionários ao todo. Apesar do investimento em queijos ser recente, o negócio já caminha a todo vapor. São cerca de 11 mil litros de leite produzidos por dia, transformados em 200 kg da comida. Apesar do já avançado nível de produção, Ana Helena enfatiza que ainda há muito trabalho a ser realizado.
"A gente está nessa estrutura desde dezembro do ano passado. Tem muita coisa para ser feita. O bezerreiro ainda está em construção, então essa instalação é relativamente nova. Ela é toda reutilizada, isso era uma antiga fábrica, eles desmontaram e compraram leilão, então aqui tem uma pegada muito importante de reuso de materiais."
Ana destacou a felicidade ao receber a notícia do reconhecimento dos Modos de Fazer Queijo Minas e destaca a história do alimento na região. "É uma tradição que vem desde os primeiros colonos. A colonização do Triângulo começou no Desemboque. Os primeiros colonizadores levavam tudo em carro de boi. O queijo entrou nessa região e se espalhou através da região", afirmou, referindo-se a uma vila de cerca de 30 habitantes localizada a 65 km do centro de Sacramento.
"O queijo da região de Araxá é mais suave, amanteigado, não é tão picante, mesmo curado. Em um queijo do Serro, você nota a diferença. É mais picante, mais forte", explicou Ana Helena, enfatizando a importância do pingo na diferenciação dos produtos.
Gastronomia em ascensão
Além dos queijos, Minas Gerais é conhecido pelo plantio e consumo de café. Segundo a Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA), 29 milhões de sacas da planta foram colhidas no estado em 2023, o equivalente a 53% da produção nacional, e são exportados para mais de 90 destinos pelo mundo.
O cultivo de uvas para fabricação de vinhos finos também tem se expandido no território mineiro. Para 2024, a produção deverá ser de aproximadamente 2,5 mil toneladas, a maior já registrada nos últimos 10 anos, de acordo com levantamento da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural de Minas Gerais (Emater-MG).
Ambos os produtos são comercializados pela Casa Bruxel, empresa criada por Décio Bruxel em 1976, no município de Presidente Olegário, e transferida para Patos de Minas 10 anos depois. Inicialmente, o foco era nas plantações de café, mas em 2018, por incentivo dos filhos, sócios da companhia, a fabricação de vinhos passou a fazer parte do catálogo.
"Cada safra que se conclui é uma alegria, uma realização para toda a família DB, pois essa é a nossa missão, produzir alimentos. Eu sempre falo que para produzir bem, a terra é o melhor e maior patrimônio. Por isso, nós precisamos amar a terra, e isso que nós fazemos", afirma Décio, destacando os métodos sustentáveis utilizados pela empresa.