Se antigamente as mulheres tinham medo de ter filhos mais tarde porque temiam problemas de saúde, hoje a maternidade vem sendo postergada conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Na maioria das vezes, as mulheres preferem se solidificar na carreira ou curtir um pouco mais a vida antes de cuidar dos pequeninos. Esse é o caso da atriz e apresentadora Dani Calabresa, grávida do primeiro filho aos 43 anos, e muito feliz.
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Nos últimos 10 anos, o número de mulheres que engravidou entre os 40 e 44 anos aumentou em média 17,6%. Já de 2010 a 2022, o número de mulheres que se tornaram mães com mais de 40 anos cresceu 65,7%, passando de 64.000 para 106,1 mil. Outra faixa etária que apresentou alta no período foi a de 30 a 39 anos: subiu 19,7%.
Entre 2018 e 2022, o número de nascimentos teve uma queda de 13%, mas aumentou entre as mulheres com mais de 40 anos. Uma opção procurada por quem quer ter filhos mais tarde é o congelamento de óvulos. Segundo o IBGE, o número de mulheres que optou pela maternidade somente após os 40 anos cresceu 65,7% em 12 anos.
De acordo com a médica Maria do Carmo Borges de Souza, diretora médica da Fertipraxis Centro de Reprodução Humana e membro do Conselho Consultivo da Associação Brasileira de Reprodução Assistida (SBRA) e da Rede Latino-Americana de Reprodução Assistida (REDLARA), da qual já foi presidente, a expectativa de vida da mulher está diretamente ligada ao estilo e à qualidade de vida, além das condições de saúde pré-concepção.
"Desta forma, embora o fator cronológico ovariano seja um elemento importante e independente, ele é acompanhado pela possibilidade de fatores adicionais, como endometriose, sequelas de obstrução tubária devido a infecções sexualmente transmissíveis e condições como obesidade, hipertensão arterial e, eventualmente, até tratamentos prévios para alguma condição neoplásica".
Segundo Maria do Carmo, é preciso considerar preventivamente uma avaliação e aconselhamento antes da gravidez agora desejada, verificando o histórico de gestações anteriores ou perdas prévias, bem como qualquer dado que possibilite ações para minimizar as chances de complicações durante a gestação.
Em entrevista ao jornal O DIA, a médica Maria do Carmo Borges de Souza fala um pouco mais sobre o assunto.
O DIA: Existe uma idade limite para uma gravidez saudável ou segura?
Maria do Carmo Borges de Souza: A fertilidade feminina está associada ao corpo jovem, o que se torna uma barreira para a aceitação social da gravidez em idade avançada ou além da “idade reprodutiva natural”. O conceito de idade materna avançada é muitas vezes interpretado de forma flexível, sendo usualmente considerada acima de 35 ou 37 anos. Em contraste, a imagem de um homem “mais velho” sendo pai não gera a mesma estranheza nem repercussões sociais. Vale lembrar que a idade paterna acima de 45 anos tem sido associada ao aumento de diagnósticos de autismo, distúrbios neurológicos, esquizofrenia, acondroplasia.
O DIA: O que é necessário para que a gestação seja saudável?
Maria do Carmo Borges de Souza: Uma gravidez saudável e segura depende sempre de um pré-natal bem assistido. Limites de idade vão existir, baseados nas condições de saúde prévias da mulher. Atualmente, os avanços nas técnicas de reprodução assistida permitem estender esses limites cronológicos, com recursos como o congelamento de óvulos em idade jovem ou testes genéticos que avaliam cromossomicamente os embriões antes da implantação. Ainda assim, gestações espontâneas não são incomuns, embora as chances de perda nos primeiros três meses possam chegar a 50%.
O DIA: Como a mulher deve proceder para fazer a reprodução assistida?
Maria do Carmo Borges de Souza: Em nosso país, o Conselho Federal de Medicina autoriza tratamentos de Reprodução Assistida até os 50 anos, desde que a mulher tenha boas condições de saúde. Acima desta idade é exigido um parecer clínico que considere a saúde desta mulher e os riscos tanto para a mãe quanto para o bebê no caso de alguma doença crônica pela sobrecarga da gravidez sobre o organismo materno.
O DIA: Como a idade da mãe influencia a fertilidade e quais são as opções disponíveis para mulheres que têm dificuldade em engravidar após os 40?
Maria do Carmo Borges de Souza: A fertilidade feminina declina de forma mais acentuada a partir dos 35 anos, tornando-se ainda mais significativa após os 40. Em mulheres entre 40 e 44 anos, a chance de conceber naturalmente fica em torno de 5% a 10%, com uma probabilidade crescente de perdas devido ao envelhecimento dos óvulos e à redução em sua quantidade e qualidade.
O DIA: Quais são as orientações para mulheres que querem engravidar após os 40 anos e não conseguem de forma natural?
Maria do Carmo Borges de Souza: Para mulheres que desejam engravidar após os 40 anos, a fertilização in vitro (FIV) é frequentemente recomendada, especialmente quando o fator idade é predominante. Acompanhando a formação dos embriões até a etapa de blastocistos, é possível realizar testes genéticos pré-implantacionais para identificar embriões euploides (sem alterações cromossômicas), minimizando os riscos das alterações e assim diminuindo o tempo até a gravidez. Muitas mulheres ainda subestimam o efeito da idade sobre a fertilidade, enquanto outras superestimam a eficácia das técnicas de reprodução assistida. Em casos de reserva ovariana extremamente baixa ou óvulos de baixa qualidade, a doação de óvulos por uma mulher mais jovem é uma alternativa a ser considerada, mas deixando claro que não é uma impossibilidade. Uma opção preventiva cada vez mais difundida é o congelamento de óvulos em idade mais jovem, o que oferece melhores chances para quem deseja postergar a maternidade.
O DIA: Quais são os exames e cuidados médicos mais importantes para monitorar uma gravidez após os 40?
Maria do Carmo Borges de Souza: O acompanhamento pré-natal é essencial para todas as gestantes, independentemente da idade. Através de consultas mensais, são monitorizados sintomas, ganho de peso, pressão arterial e o crescimento do bebé. O acompanhamento inclui ouvir a gestante, esclarecer dúvidas sobre as mudanças no corpo e reforçar condutas seguras.
Para mulheres em idade avançada, além de controlar condições pré-existentes, como hipertensão e diabetes, são recomendados ajustes no estilo de vida e hábitos saudáveis. Uma dieta equilibrada, rica em nutrientes como ácido fólico, ferro, cálcio e ômega-3,d associada à prática de exercícios físicos adequados, contribui para o bem-estar da mãe e do bebé. É fundamental evitar fumo, bebidas alcoólicas e o consumo excessivo de cafeína.
Exames de sangue, ultrassonografias e dopplerfluxometria, conforme orientado pelo obstetra, permitem o acompanhamento detalhado da gravidez. No último trimestre, ou em casos que requerem monitorização mais frequente, o intervalo entre as consultas é reduzido.
O DIA: A idade da mãe aumenta o risco de condições genéticas para o bebê? Como esses riscos são avaliados e monitorados?
Maria do Carmo Borges de Souza: A idade materna está nitidamente relacionada ao aumento de alterações cromossómicas nos embriões. Na reprodução assistida, estas alterações podem ser detectadas a partir de uma biópsia dos blastocistos. Nas gestações espontâneas, a pesquisa dos cromossomas fetais pode ser feita através de um teste não invasivo no sangue materno, nas gestações evoluindo, a partir da nona semana da gravidez.
A ultrassonografia obstétrica, além de identificar condições genéticas e não-genéticas, é uma ferramenta essencial no pré-natal por ser não invasiva e mais acessível.
Adicionalmente, condições genéticas hereditárias devem ser comunicadas ao médico. Em caso de ocorrência de doenças graves e hereditárias na família, é necessário um aconselhamento genético específico e a realização de testes para caracterizar a alteração do gen envolvido. Nestes casos,o, diagnóstico pré-implantacional para doenças ligadas a genes específicos pode ser uma grande contribuição de reprodução assistida.
Idade avançada, menos óvulos
De acordo com outra profissional, a ginecologista Patricia Magier, a limitação da idade tem a ver com a idade biológica do óvulo. "A gente sabe, pelos estudos, que acima de 35 anos, a questão da segurança com relação à gravidez é muito mais limitada pela questão da idade biológica desse óvulo do que a questão da própria idade da mulher, que precisa ter um bom estilo de vida, uma boa alimentação, um sono que seja reparador, um bom manejo do estresse, e condições emocionais estabilizadas".
Segundo a profissional, a idade materna influencia na fertilidade na medida em que a qualidade desse óvulo vai diminuindo. "Nascemos com uma quantidade de óvulos que vamos perdendo ao longo da nossa vida, que a gente chama de amenáqueme. A menarca é a primeira menstruação e a amenáqueme é aquele período entre a primeira menstruação até a transição menopausal, climatério e menopausa. Então, durante a idade fértil, são consumidos os óvulos que a gente nasce com eles. Não temos produção de óvulos ao longo da nossa vida adulta. Então, à medida que envelhecemos, o número de óvulos vai caindo e é uma queda exponencial. Junto com isso, com a idade, o número de ciclos ovulatórios também tende a reduzir. Então, se você tinha 12 ciclos ao ano, menstruando todo mês, nem todo ciclo é ovulatório. À medida que a idade avança, o número de ciclos anovulatórios, quer dizer, você menstrua, mas não ovula, vai aumentando. E com isso, também, você diminui as chances de engravidar".
Magier explica que com o passar dos anos, se você não tem um bom estilo de vida, doenças intercorrentes podem começar a aparecer. Diabetes, hipertensão, resistência insulínica, síndrome de ovário policístico, endometriose, adenomiose, todas essas doenças que podem interferir também com a sua fertilidade. "As mulheres estão retardando a maternidade, fazendo a opção de engravidar mais tarde, se estabelecer profissionalmente, ter mais autonomia. Na escolha dos relacionamentos, também, às vezes, isso atrasa a questão da maternidade. Então, nas consultas de ginecologia, a gente sempre aborda, se não tem planos para engravidar, e já está imperando os 35, pensar no congelamento de óvulo''.
Segundo a especialista, orientação é imprescindível para aquelas mulheres que têm dificuldade de engravidar após os 40 anos. "Precisa sempre procurar um médico, fazer o check-up, fazer a dosagem hormonal, ver como é que está a sua saúde metabólica, bioquímica, seus suplementos, avaliar toda a forma integrativa, como é que estão os seus hormônios, o seu sono, a sua alimentação, se pratica atividade física, para tentar identificar a causa, afastar a endometriose, que é uma causa que está muito ligada à fertilidade da mulher. E, se realmente você não identificar nenhuma causa, a gente tem a opção sempre da reprodução assistida, através da fertilização", explica.
São necessários muitos cuidados."Sabemos que depois da gravidez, após os 40, a mulher tem mais risco de diabetes gestacional, de pré-eclâmpsia, especialmente se ela já tiver uma doença pré-existente à gravidez. Então, o importante é toda parte dos exames de sangue, fazer o exame de translucência com 20 semanas. Então, tem todo um controle que é feito, fazer todo o rastreamento para diabetes gestacional a partir da 26ª semana. e você vigiar, basicamente vigiar ultrassonografia em cada trimestre, mas estar perto dessa gestante: acolher, ter escuta, tirar as dúvidas sobre as expectativas e as ansiedades, esclarecer que ela está sendo bem acompanhada, para corrigir todas as possibilidades de intercorrências, isso é muito valioso e assegura uma gestação saudável para a mulher e para a família".
'Minha filha é uma bênção'
Profissional liberal, a arquiteta Marcela Souto, de 55 anos, demorou para ter filhos porque sempre ligada ao trabalho achava que a maternidade poderia esperar. "Sempre quis ser mãe, mas não era um desejo desesperado, a qualquer preço. Fazia planos a longo prazo, minha mãe morreu cedo e fui morar com uma tia, viva até hoje e a quem amo muito. Minha tia me acolheu, mas não era mais a minha casa. Tinha uma família, irmãos, e aquilo tudo me foi tirado. Então, às vezes é difícil falar. Eu focava muito nos estudos. Minha tia não tinha nos filhos um retorno em relação aos estudos. Apesar de gostar do meu primeiro marido, acabei me casando para ter a minha casa também. Até pensamos e filhos, mas não tivemos. Nos separamos, após sete anos, e a ideia de filho ficou arquivada", disse ela, que, na altura do campeonato, já estava quase chegando aos 40.
"Não tinha muita esperança de achar um companheiro na minha faixa de idade, porque é difícil. Então reencontrei um amor da juventude, que é o pai da minha filha, hoje com 15 anos. Namorei ele antes de namorar o meu primeiro marido. Na época, ficamos juntos seis meses. Há 15 anos, resolvemos, então, matar a saudade. Achava que era só isso, porque não estava com expectativa. Ele dizia que sonhava me reencontrar, que pensava em mim, queria me ver de novo e tal. E a gente se reencontrou e eu acabei engravidando. Não foi intencional. Aconteceu mesmo, num descuido. Na alegria de comemorar o tricampeonato estadual do Flamengo. Sabemos o dia exato que a gente engravidou".
Marcela disse que teve muito medo, não só pela idade avançada de ter filhos mas porque sua mãe faleceu no parto do seu irmão caçula. "Eu sempre tive um certo medo em relação à gravidez. Talvez por isso eu nunca tenha pensado muito firmemente no assunto. Por mais que eu quisesse um filho. Por conta da minha mãe. A minha mãe faleceu no parto do meu terceiro irmão. Nós somos quatro. Ela teve algumas complicações após o parto e faleceu. Então eu tinha um certo medo, não da gravidez, mas do parto. E aí eu sempre fiquei meio assim, com essa questão, sabe? Deixando na mão de Deus. Se ele quisesse e a forma que fosse, eu aceitaria. E correu tudo bem. E hoje minha filha é uma bênção".
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