Ex-presidente Jair Bolsonaro (PL)Reprodução/redes sociais/TV Justiça

A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) retomou, nesta terça-feira (10), mais uma etapa dos interrogatórios dos réus do "núcleo crucial" por participação na trama golpista para manter o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no poder após as eleições de 2022. O quarto a ser ouvido neste segundo dia de depoimentos é o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
 
Em fevereiro, a Procuradoria-Geral da República (PGR) acusou Bolsonaro, de 70 anos, de liderar uma "organização criminosa" para não reconhecer o resultado das eleições de outubro de 2022 e impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

A suposta trama golpista teria fracassado por falta de apoio dos comandantes militares, mas Bolsonaro e outros sete ex-colaboradores podem receber sentenças de 40 anos de prisão se forem condenados pelos crimes de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado.
Da lista de 8 réus, ele é o quinto a prestar esclarecimentos ao relator Alexandre de Moraes e ao PGR Paulo Gonet. As oitivas são feitas em ordem alfabética.
Como não há previsão de horário para acabar, a expectativa é que os interrogatórios avancem para a maior parte dos seis réus que ainda não falaram.
Na segunda-feira (9), foram realizados os interrogatórios do ex-ajudante de ordens Mauro Cid, primeiro a falar por ser delator do caso, e o deputado federal Alexandre Ramagem.
Os réus estão sendo chamados por ordem alfabética: Alexandre Ramagem (deputado federal e ex-diretor da Abin), Almir Garnier (ex-comandante da Marinha), Anderson Torres (ex-ministro da Justiça), Augusto Heleno (ex-ministro do GSI), Jair Bolsonaro (ex-presidente), Paulo Sérgio Nogueira (ex-ministro da Defesa) e Walter Braga Netto (ex-ministro da Defesa e Casa Civil).

Braga Netto será ouvido por videoconferência do Comando da 1ª Divisão de Exército, no Rio de Janeiro, onde está preso desde dezembro de 2024.

Moraes espera concluir os interrogatórios até a próxima sexta-feira (13).
Veja o cronograma de depoimentos:

- Segunda-feira (9 de junho): 14h;

- Terça-feira (10 de junho): 9h;

- Quarta-feira (11 de junho): 8h;

- Quinta-feira (12 de junho): 9h;

- Sexta-feira (13 de junho): 9h.

Os réus estão sentados lado a lado e devem permanecer na sala de sessões. Eles só podem pedir para ser dispensados das audiências quando chegar a vez de prestar depoimento. Todos têm o direito de ficar em silêncio.

A defesa de Braga Netto chegou a pedir o sigilo do depoimento alegando que "não é razoável que o ato mais importante de autodefesa seja realizado sob a mira de câmeras". Moraes negou o pedido por considerar que os advogados não demonstraram "efetivo prejuízo" no interrogatório público.
Depoimento de Cid
O primeiro a depor na segunda foi o tenente-coronel Mauro Cid, ex-braço direito de Bolsonaro durante sua presidência (2019-2022), que assinou um acordo de delação premiada com a Justiça.

Cid disse ao STF que o ex-chefe do Executivo cogitou um plano para decretar um "estado de sítio" e "refazer as eleições" em 2022 após sua derrota para Lula.

Cid explicou que Bolsonaro "recebeu e leu" o documento apresentado por seus assessores, que previa a "prisão de autoridades" e a criação de um "conselho eleitoral" para refazer as eleições vencidas por Lula.

O ex-ajudante de ordens de Bolsonaro foi interrogado por quatro horas e, em alguns momentos, pareceu hesitante. Ele respondeu com "não me lembro" a várias perguntas.

O advogado de Bolsonaro, Celso Vilardi, criticou as "contradições" e a "memória absolutamente seletiva" de Cid e afirmou que a audiência foi "ótima" para os esforços da defesa do ex-presidente de anular o processo judicial contra ele.
Segundo o militar, o ex-presidente "enxugou" a minuta que previa, inicialmente, a prisão de diversas autoridades do Poder Judiciário e do Congresso, como ministros do STF e o então presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
"Ele (Bolsonaro) enxugou o documento. Basicamente, retirando autoridades das prisões. Somente o senhor ficaria como preso. O resto...", declarou Cid, se dirigindo a Moraes. O ministro respondeu, em tom de brincadeira: "O resto foi conseguido um habeas corpus".

Essa minuta com propostas golpistas teria sido levada a Bolsonaro pelo ex-assessor da Presidência Filipe Martins, segundo o tenente-coronel.
"Eu não estava na sala no momento em que foram feitas as alterações. Depois que ele (Martins) sentou do meu lado, ali que vi o documento. Ele estava com o computador para fazer essas alterações solicitadas pelo presidente", narrou.

Dinheiro

As declarações de Cid também implicaram o general Walter Braga Netto (PL). Ex-ministro da Defesa e da Casa Civil e candidato a vice na chapa de Bolsonaro em 2022, o militar está preso no Rio desde dezembro do ano passado. De acordo com o tenente-coronel, ele recebeu dinheiro do general no Palácio da Alvorada e repassou ao major Rafael Martins de Oliveira, outro acusado de tentativa de golpe.

O dinheiro, relatou Cid, estava numa caixa de vinho. "O general Braga Netto trouxe uma quantia em dinheiro que eu não sei precisar quanto foi. Recebi e no mesmo dia passei para o major De Oliveira." Questionado sobre a origem do dinheiro, respondeu que "provavelmente" veio do "pessoal do agronegócio que estava ajudando a manter as manifestações na frente dos quartéis".

Braga Netto foi apontado por Cid como o "elo" entre o governo Bolsonaro e apoiadores do ex-presidente acampados em frente a quartéis depois da eleição. Foi desses acampamentos que partiram os radicais envolvidos no 8 de Janeiro. Cid disse que o general sabia do plano Punhal Verde e Amarelo, que previa prisão e execução de autoridades.

Urnas

No início do interrogatório, Cid foi questionado por Moraes se a denúncia apresentada pelo procurador-geral da República, Paulo Gonet, era verdadeira. O tenente-coronel não respondeu objetivamente, mas declarou ter conhecimento do plano golpista. "Eu presenciei grande parte dos fatos, mas não participei." Ainda conforme Cid, Bolsonaro "sempre buscou uma fraude nas urnas", mas "não se conseguiu comprovar nada".

O militar negou ter sido coagido para fazer a delação. Moraes mencionou áudios publicados pela Veja nos quais Cid se queixa de procedimentos da Polícia Federal e do próprio magistrado. Cid respondeu que se tratou de "desabafo de um momento difícil" pelo qual ele e sua família estavam passando. "Em nenhum momento houve pressão (da PF)."

Na primeira parte da sessão, que durou três horas, Cid respondeu às perguntas de Moraes (relator), do ministro Luiz Fux, que atua como revisor informal, e de Gonet. A estratégia foi minimizar sua participação na trama. Ele relatou que era procurado por radicais, mas, em sua versão, ficou distante das tratativas de golpe.

Ao ser confrontado com mensagens em que afirma que o ex-comandante do Exército Marco Antônio Freire Gomes "fraquejou", Cid disse que apoiou o general. "Sempre coadunei com as ideias dele, de que qualquer ação mais radical geraria um grande problema para o País."

Classificação

Moraes pediu que Cid classificasse os réus com base na sistematização que ele próprio citou na delação: conservadores, moderados e radicais. Apenas o almirante Almir Garnier, ex-comandante da Marinha, foi classificado como radical.
Os ex-ministros Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira (Defesa) e Braga Netto eram, para Cid, moderados. Os ex-ministros Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional) e Anderson Torres (Justiça) e o ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) Alexandre Ramagem não foram enquadrados em nenhum grupo específico.

Abin

Além de Cid, começou a ser interrogado no início da noite Ramagem, hoje deputado pelo PL do Rio. Ele negou ter usado a Abin para monitorar autoridades.
À exceção de Braga Netto, todos os acusados do "núcleo crucial" do golpe participam das audiências presencialmente, na sala de sessões da Primeira Turma Os interrogatórios seguem ordem alfabética e continuam hoje. Pelo cronograma, Bolsonaro será o sexto réu a ser interrogado. 
*Com informações do Estadão Conteúdo