Sou fã dela e de Selton Mello por não fingirem costume diante da grandiosidade do momento que vivem. Antes da premiação, ele dizia que iria tietar todo mundo no Oscar: "Sou de Passos, interior de Minas Gerais. Isso, para mim, não é normal, não"Arte: Kiko

O anel de bijuteria usado por Selton Mello na cerimônia do Oscar me chamou a atenção por sua singeleza. O acessório foi de sua mãe, Selva, que teve Alzheimer por 12 anos e faleceu em 2024. Para ele, vale mais do que qualquer joia cara e é o símbolo de que ela está sempre com ele. Essa história me aproxima ainda mais de Selton. Por ele carregar a mãe no coração e em um dos dedos, como se os dois estivessem para sempre de mãos dadas. Até a eternidade.
Relatos como esse me fazem acreditar que este elenco do filme 'Ainda Estou Aqui' é especial e mereceu contar a história de Eunice Paiva, que se especializou na luta pelos Direitos Humanos após seu marido, o engenheiro Rubens Paiva, ser torturado e morto pela ditadura militar no Brasil. Fernanda Torres circulou pelas principais premiações do mundo, vestiu roupas de grife, esteve com estrelas internacionais, mostrou desenvoltura em entrevistas em inglês... Mas jamais deixou de parecer alguém simples e acessível.
No dia da cerimônia do Oscar, em Los Angeles, ela disse que havia acordado "angustiada". E completou: "É horrível". Poderia ter dito que tinha sentido um "friozinho na barriga", como eu já disse tantas vezes diante de momentos de nervosismo. Mas ela foi autêntica para traduzir seus sentimentos e dizer que, diante de um momento importante, podemos ter sensações reviradas dentro de nós. Pode ser horrível e Fernanda dá legitimidade a isso.
Sou fã dela e de Selton Mello por não fingirem costume diante da grandiosidade do momento que vivem. Antes da premiação, ele dizia que iria tietar todo mundo no Oscar: "Sou de Passos, interior de Minas Gerais. Isso, para mim, não é normal, não". Aliás, ele sempre reverencia sua versão criança. O ator olha para os grandes nomes do cinema mundial e diz que os admira, que já dublou muitos deles no início de sua carreira. Hoje, ele tem sua própria voz e seus próprios personagens — grandiosos, por sinal —, mas está sempre exaltando sua essência. Tenho a sensação de que o menino Selton jamais se despediu dele — e isso me aproxima ainda mais do ator.
Já Fernanda, em uma entrevista antiga, citou seu tio Paulo, da Tijuca, que gostaria de vê-la no Oscar um dia. "O Oscar não vai rolar nunca", ela pensou, na ocasião. Assim como ela, acho que também tive alguém que sonhou além dos meus próprios sonhos. E isso é belo! Sou grata por ter crescido cercada de pessoas que me imaginavam enorme.
Em uma entrevista no dia seguinte à consagração como a estatueta de Melhor Filme Internacional, Fernanda apareceu de óculos escuros e foi bem sincera. Perguntada sobre o que iria fazer nos próximos dias, ela respondeu: "Dormir! Estou de óculos escuros porque estou com vergonha do meu olho. A gente está igual maratonista no fim da Olimpíada, chegando feliz da vida... Mas eu vou dormir". Assim como a atriz, eu também já quis sair pela vida de óculos escuros, para disfarçar o cansaço físico e mental.
Quando saiu a indicação ao Oscar, aliás, Fernanda disse uma frase emblemática: "A vida presta". Há quem prefira palavras rebuscadas, talvez na ilusão de ser respeitado, mas a atriz falou assim, de forma simples, que a vida pode ser boa. Costumamos usar o verbo 'prestar' para algo que pode nos ser útil, como um objeto. Mas Fernanda o promoveu a algo maior e singelo: a vida pode, sim, ter a serventia de realizar sonhos e fazer justiça através da arte.