Eu poderia pausar a vida quando um senhor surgiu feito miragem vendendo brinquedos para crianças. Lá estava um baldinho verde nas mãos dele! Minutos antes, era tudo o que eu queria ter: um baldinho para encher de água salgada e tomar banho de mar
No sábado, eu também havia assistido, diante do mar, o dia se despedir e dar boas-vindas à noite. Tudo o que eu desejava era encapsular aquele barulhinho bom das ondas quebrando na areia - Arte: Kiko
No sábado, eu também havia assistido, diante do mar, o dia se despedir e dar boas-vindas à noite. Tudo o que eu desejava era encapsular aquele barulhinho bom das ondas quebrando na areiaArte: Kiko
A noite já tomava conta do céu de domingo, após um entardecer lindo na praia, quando eu me deparei com um post da cientista Camila Silveira da Silva. Na legenda e na trilha sonora, aparecia a música 'Efêmera', de Tulipa Ruiz:
"Congela o tempo pr'eu ficar devagarinho Com as coisas que eu gosto E que eu sei que são efêmeras E que passam perecíveis E acabam, se despedem Mas eu nunca me esqueço
Vou ficar mais um pouquinho Para ver se eu aprendo alguma coisa Nessa parte do caminho".
Foi incrível ter ouvido essa canção naquele momento, depois de curtir uma "tarde de domingo", como diz a música. No sábado, eu também havia assistido, diante do mar, o dia se despedir e dar boas-vindas à noite. Tudo o que eu desejava era encapsular aquele barulhinho bom das ondas quebrando na areia. Até filmei um pouco, mas na verdade não sonhava com a tecnologia guardando aquele som. Queria algo mágico mesmo, tipo um potinho bem rústico que eu pudesse abrir em casa e trazer de volta aquele cenário para mim. Ou me colocar de volta nele.
Eu queria ter parado o tempo naquela tarde de domingo na praia, citada no início deste texto, quando um grupo jogava altinha de um lado, um casal chegava com cadeiras do outro e uma senhora passou me oferecendo sacolé. Ah, eu já congelei épocas! Até hoje me lembro dos irmãos que vendiam a mesma iguaria em Rio das Ostras.
"Congela o tempo pr'eu ficar devagarinho", canta Tulipa. E era tudo o que eu queria naquele entardecer de paz e beleza, com cliques tirados por temporizador e instantes em que eu conferia a captura no celular e me achava bonita. Ainda não tinha ouvido a canção através do post da Camila, mas já queria ficar devagarinho naqueles momentos em que não estava nem aí se estavam me olhando posar para as lentes do aparelho para registrar o meu conjuntinho listrado de vermelho e branco, o meu cabelo curto, os meus quase 48 anos, a minha vida...
Ah, poderia ter interrompido os ponteiros do relógio naquele mesmo dia pela manhã, também na praia, desta vez de biquíni. Eu poderia pausar a vida quando um senhor surgiu feito miragem vendendo brinquedos para crianças diante da bandeira vermelha de alto risco de afogamentos. Lá estava um baldinho verde nas mãos dele! Minutos antes, era tudo o que eu queria ter: um baldinho para encher de água salgada e tomar banho de mar. E foi o que fiz, depois de tirar de dentro dele as muitas forminhas para fazer desenhos com a areia: caranguejo, ostra, estrela, patinho, além de uma pá.
O tempo também poderia ter sido interrompido em outra cena na praia. De alguma maneira, eu já havia congelado na minha alma os momentos em que eu e meu namorado dividíamos a sombra do guarda-sol e, naquela areia vazia de gente, cantávamos juntos Chico Buarque: "Apesar de você, amanhã há de ser outro dia...". Ainda posso jurar que pausei a vida nas minhas tentativas frustradas de pular e ter um clique com as minhas pernas lá no alto. Eu ri do meu "besteirol"! Aliás, tem hora melhor para congelar a vida quando se ri do quase nada?
Outro dia, aliás, ao tentar projetar algum acontecimento na terapia, eu disse: "É, eu vou ver (como vai ser daqui em diante)". E logo a minha psicóloga me fez perceber que eu não iria ver, mas viver. É exatamente isso! Então, "congela o tempo pr'eu ficar devagarinho": na eternidade de um banho de balde com água salgada, no coro com Chico Buarque, nos pulos desastrados e nos meus cliques em um entardecer de domingo.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Editora O DIA
Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor.