Acompanhar a recuperação da Juliana, mesmo de longe, também me faz lembrar de que o tempo do hospital é outro. Ele não corre na cronologia daqui de fora. O relógio de lá, definitivamente, é diferenteArte Paulo Márcio
O milagre da vida
Algo que a gente faz diariamente era tudo o que ela havia pedido para a irmã naquele momento: respirar pelo nariz e engolir saliva. Todos dias a magia da vida se repete e não nos damos conta disso
Certo dia à noite, depois do meu trabalho no plantão do jornal, peguei o celular e acessei o Instagram. Logo apareceram para mim os Stories da Jéssica, irmã da Juliana Leite Rangel, a menina que foi baleada por agentes da PRF na véspera de Natal e, desde então, vem lutando para se reabilitar e deixar o Hospital Adão Pereira Nunes, em Saracuruna, na minha cidade, Duque de Caxias. Socorrida por dois policiais militares, o cabo Leite e o terceiro sargento Fernandes, que estavam na Rodovia Washington Luís no momento em que ela foi ferida, Juliana ficou em estado gravíssimo e precisou fazer traqueostomia nesse período. Foi através dessa intervenção que ela ficou respirando.
Nessa noite em que os Stories da Jéssica apareceram para mim, ela revelava que a Juliana estava falando novamente e contou que havia pedido a Deus por isso. "Faça com que ela respire pelo nariz, com que ela possa engolir saliva": esse foi o pedido de Jéssica em suas orações. Essa frase ficou na minha cabeça e amanheceu comigo no dia seguinte. Algo que a gente faz diariamente era tudo o que ela havia pedido para a irmã naquele momento: respirar pelo nariz e engolir saliva. Todos dias a magia da vida se repete e não nos damos conta disso.
Acompanhar a recuperação da Juliana, mesmo de longe, também me faz lembrar de que o tempo do hospital é outro. Ele não corre na cronologia daqui de fora. O relógio de lá, definitivamente, é diferente. O ciclo dos antibióticos, as visitas contadas do CTI, a espera por notícias, a torcida em casa para que o telefone não toque no meio da noite com uma notícia irreversível, o cansaço que se supera a todo instante... Tudo isso comprova que a vida passa de forma muito particular quando se tem alguém querido internado. Cada melhora pequena é festejada como um grande avanço. Reaprender a falar, a andar ou a comer: tudo isso vira comemoração.
Vi essa rotina de perto na internação da minha mãe, em 2019, e perceber isso me fez entender que damos importância enorme para muitas coisas sem importância. Na época, procurei relatos de pessoas que tinham ficado sedadas e conseguiram despertar para uma nova vida. Queria saber o que sentiram. Lembro que vi um vídeo do radialista Rafael Marques, que havia ficado um longo tempo internado. Não sei reproduzir exatamente as suas palavras, mas ele disse que, muitas vezes, a gente superdimensiona certas situações quando não temos algo realmente importante para nos preocupar. A luta pela vida é a prioridade máxima. Seja a de quem está em um leito ou de quem está aqui fora, buscando dignidade na existência.
De volta à história de Juliana, também me emocionei em um vídeo em que sua mãe lhe dá umas colheradas de iogurte e diz que aquela cena a fazia lembrar de quando deu danoninho pela primeira vez à filha. Em entrevista ao 'Fantástico', Juliana ainda disse que quer comer coxinha quando sair do hospital, além de ficar perto da sobrinha e voltar a trabalhar. Ela é agente de saúde e, mesmo precisando de cuidados, já pensa em voltar a cuidar de alguém. Ela quer ter a sua vida normal e corriqueira de volta. A tal da rotina é o seu sonho, assim como é para muita gente acamada.
Juliana é uma daquelas pessoas que se tornam próximas da gente sem que nunca a tenhamos visto. Nos comentários do Instagram, há vários relatos de quem rezou por ela. Seja qual for a religião ou a crença que guia cada um de nós, a jovem nos mostra que milagres existem. Também podemos chamar de volta por cima, força de vontade, sorte ou fé. Tudo isso aliado, é claro, ao trabalho da equipe médica. Enquanto há vida, há esperança.
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