Para o mundo que eu quero descer
"O esquecimento do extermínio faz parte do extermínio." Jean-Luc Godard
Está cada vez mais difícil viver neste mundo. Para quem insiste em ser lúcido e tenta manter viva uma formação humanista, o ar está cada vez mais denso e a respiração fica como se tivesse um nó na garganta. A cada dia, acumula-se uma saraivada de novos desastres de todo tipo.
O massacre diário do povo palestino quase saiu do noticiário. É como se, em um processo natural de defesa, nós apagássemos da realidade toda e qualquer notícia do genocídio diário. No dia a dia, acompanhar os bombardeios e as mortes de crianças e de mulheres faz com que cada um de nós encontre rotas de fuga para preservar a sanidade.
Foi assim com os ataques sistemáticos à Ucrânia. No início, era preciso observar os milhões de ucranianos perambulando sem rumo tentando sobreviver. Os estupros, as torturas e as mortes entravam em nossos lares causando revolta e ódio. Com o tempo, muitos optaram por se afastar dos meios de comunicação. Como se, ao apertar o controle remoto, a guerra deixasse de existir.
Em Gaza, o sistema de proteção à saúde mental começa a dar sinais de fadiga. Logo após o Tribunal de Haia ter determinado que os ataques a Rafah cessassem imediatamente, Israel fez 60 ataques em 48 horas, matando, no mínimo, 45 pessoas que tentavam se refugiar. E em um local onde Israel havia indicado ser seguro para quem fugia: um campo da ONU na Faixa de Gaza. Foi uma covardia, as pessoas foram carbonizadas. O ultradireitista Benjamin Netanyahu teve o desplante de dizer que foi um “acidente trágico”.
E vai piorar.
Há um crescimento muito forte da extrema-direita em todo o mundo. A fúria do governo Bolsonaro contra a legislação e contra os órgãos de proteção ao meio ambiente é, sem dúvida, uma das causas da tragédia no Rio Grande do Sul. O verdadeiro desmonte que, dolosamente, deu-se nas regras de proteção veio como consequência da determinação de “passar a boiada”. Essa ultradireita predatória visa sempre ao lucro rápido e a qualquer custo. Mesmo que isso signifique colocar em risco a própria vida na Terra.
Sem nenhum organismo internacional que tenha realmente eficácia, o sanguinário Netanyahu segue com seu propósito de extirpar os palestinos da face da Terra. Sem nenhuma consciência do mal que espalham, os ultradireitistas crescem em cima de um discurso e de uma prática de extermínio da natureza, do pobre e do preto.
Qualquer análise sob o prisma humanista do cotidiano no mundo acaba virando uma teia de aranha aparentemente sem um rumo, um fio condutor. Mas o pior é que tudo está envolvido em uma teia invisível que sufoca qualquer proposta humanitária. A direita ensandecida colocou tudo na mesma panela de pressão: a falta de cuidado com o meio ambiente, as políticas assassinas contra o invisível social, as guerras de ocupação que se espalham, a venda desenfreada de armas, a propagação das fake news como maneira de fazer política, o fortalecimento das políticas racistas e misóginas, o cerco obsceno aos imigrantes, o crescimento da fome, da miséria e das desigualdades, enfim, o mundo caminha para um esgotamento perigoso.
Nesse ritmo, não será suficiente as pessoas simplesmente desligarem o noticiário para escapar da realidade. Vai ser impossível viver fugindo de tanta desgraça e de nós mesmos. Ou mudamos a rota de terror dessa política nefasta ultradireitista, ou seremos tragados pela insanidade que destrói, aos poucos, a humanidade em cada um de nós.
Como disse o imortal José Saramago: “Não é a pornografia que é obscena, é a fome que é obscena”.
Com a observação do grande Miguel Torga: “O mal de quem apaga as estrelas é não se lembrar de que não é com candeias que se ilumina a vida”.
* Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay
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