"O batom pode ser o álibi perfeito. Se você cometer um crime e der errado, basta pegá-lo e escrever uma frase jocosa em um lugar bem visível. Na falta de defesa técnica, este será o mote: 'foi preso por escrever com um batom?!'"Arte: Kiko

“O presente que se ignora vale o futuro.”
A Cartomante, Machado de Assis.
Quando menino, em Minas Gerais, meu sonho era conhecer o Rio de Janeiro. Nós, mineiros, temos, em regra, profunda admiração pelos cariocas, paixão, até. O mar é o charme. A primeira vez que fui ao Rio, já era adulto e a excitação me cegava. Sem grana, armei um plano de subsistência. Na primeira noite, deixamos as malas, eu e um amigo, na casa de um parente, mas sem moral para dormir. Fui para a farra e, nas 2 primeiras noites, consegui me virar com pessoas que conheci na boate Papagaio, lugar icônico da época. Eu entrava com um papo simples de pretendente a criminalista. Na terceira noite, tudo ia muito bem para dormir na casa de uma velha amiga, recém conhecida, até que meu companheiro, hoje bolsonarista, colocou algumas questões indevidas. Às 4 da manhã, ficamos sem teto. Sem grana para um hotel, optamos por um banco de jardim na praça Barata Ribeiro. Combinamos de um vigiar o outro e velar enquanto um dormia. Não funcionou. Acordamos às 8 horas da manhã, sol forte e um ao lado do outro no banco da praça. A gente sabia o que estava fazendo lá, no banco da praça.
Hoje, as pessoas atacam os Poderes constituídos. Durante meses, fazem vigílias em lugares públicos e em sítios militares, produzem milhões de conteúdos golpistas, alimentam uma cadeia de rompimento do Estado democrático de direito, mentem, inventam e corrompem o sistema democrático, mas não sabem nada. Não fizeram nada. Não querem assumir nenhuma responsabilidade.
Quando presas e condenadas, apelam para o sensacionalismo, falam de filhos e da solidão no cárcere. Reclamam da refeição nos presídios! Logo eles que nunca se sensibilizaram com a miséria do sistema carcerário. Logo eles que pregavam que bandido bom era bandido morto. Que nunca escutavam quando nós, “representantes dos mimis dos direitos humanos”, reclamávamos da lavagem que é a comida servida nos presídios. Agora, eles, os fascistas golpistas presos, choram pelas condições desumanas, fato que sempre nos indignou. Continuo indignado. Pode ser que a prisão dessa turba ignara sirva para a direita repensar os direitos humanos. Não servirá, pois são insensíveis.
Porém, a realidade é mesmo cruel. Talvez as prisões, com penas muito graves, possam fazer parte da ultra direita se sensibilizar. Na verdade, os líderes da política fascista não estão nem um pouco preocupados com a patuleia. Jamais deram importância ao povo. Usam e abusam dessa massa ignara.
Mas, agora, a água começou a chegar nos limites desse povo sem nenhum critério. Os coordenadores viraram réus. Em pouco tempo, Bolsonaro e os generais estarão condenados e presos. Não vai mais adiantar o discurso simplista de anistia e de que não conheciam os movimentos golpistas. Serão julgados como criminosos que são. E vão ser condenados, penso que até setembro, em tenebrosos 28 anos de cadeia.
E é importante acompanhar o processo com um olhar técnico. Muito se discutiu sobre a validade ou não da colaboração do ajudante de ordens Mauro Cid. Na realidade do processo penal que está em curso, a delação do Cid não se faz necessária para a condenação de Bolsonaro e sua turma. Ela tem fundamental importância para os benefícios que o delator irá usufruir. Ajuda, colabora com a acusação como um todo, mas, se excluída dos autos, ainda remanescem dezenas de provas hígidas e contundentes suficientes para um juízo de condenação.
O Supremo entendeu que deveria manter a sua validade. Melhor. Principalmente para o ajudante de ordens. Mas a condenação de Bolsonaro independe completamente dessa delação. E é sempre bom frisar que ninguém negou os crimes. De certa forma, tentaram tirar a responsabilidade e jogar em cima de outros. Agora que viraram réus, na instrução criminal, vai ficar ainda mais evidente a culpa de todos. Independentemente da delação.
Como esses golpistas vivem de aparência, são, em regra, desinformados e incultos, acredito que uma medida que pode ser incorporada ao manual do golpe é: não esquecer de ter na bolsa um batom. O batom pode ser o álibi perfeito. Se você cometer um crime e der errado, basta pegá-lo e escrever uma frase jocosa em um lugar bem visível. Na falta de defesa técnica, este será o mote: “foi preso por escrever com um batom?!”.
Para a extrema direita, nada tem limite. Pouco importa o que o golpista fez. Em regra, são indigentes intelectuais que acreditam em qualquer história que venha dos estrategistas bolsonaristas. Na tentativa de desmoralizar o Supremo Tribunal, vale tudo. Até mesmo esquecer que uma pessoa, condenada por 5 crimes, pode contar uma versão fantasiosa de que foi castigada, a 14 anos, por um uso indevido de batom na escultura da Justiça de Ceschiatti. É muito cansativo ter que conviver com tantas mentiras.
Remeto-me a grande Clarice Lispector:
“Renda-se como eu me rendi.
Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei.
Não se preocupe em entender,
viver ultrapassa qualquer entendimento.”
Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay