"Mas, o que está efetivamente em jogo é a disputa de poder e a tentativa de enfraquecer politicamente o governo Lula. É só observar a quadra política"Arte Paulo Márcio

“Toda opinião sua é insana;
Pois a que mais se recata
Se não vos admite, é ingrata,
Se vos admite é leviana.”
Poeta mexicana Juana Inés de La Cruz
Quando fiz uma rápida crítica do veto do Congresso Nacional ao decreto do Executivo sobre o aumento da alíquota do IOF, de maneira inconstitucional, usando um decreto Legislativo e entrando na competência exclusiva do Executivo, fiz questão de frisar que o Congresso fez uma opção pelos ricos. É óbvio que o IOF afeta toda a cadeia de produção e repercute diretamente no consumidor final, e mesmo na competitividade da produção brasileira mundo afora. Os especialistas explicam que o IOF compõe o custo dos produtos e serviços, bem como dos insumos e das despesas das empresas, e está relacionado ao crédito, estando embutido em todos os carnês que acompanham o dia a dia do consumidor, especialmente o mais pobre. Mas o que eu afirmei, e afirmo, é que o Congresso, claramente, não derrubou o IOF pela repercussão do aumento para a classe mais pobre. Foi uma decisão política que interessa aos donos do poder.
Parece sintomático que os congressistas falem da necessidade de cortar despesas – voltando artilharia pesada contra Lula e Haddad - e, no mesmo dia, votem para aumentar o número de deputados federais. E, com certa candura, defendem que não haverá ônus para o Estado esse incremento. A incoerência é a marca dessa postura. A repercussão do acréscimo de deputados extrapola as despesas que teremos que arcar. Sim, quem paga a conta somos todos nós, com a manutenção do salário dos 18 novos parlamentares. O que está em jogo é uma opção política de esgarçamento do poder político do governo Lula.
Nessa discussão, relevante observar que não abordaram a revisão dos princípios que norteiam o número mínimo e máximo da representação de cada estado. Se fosse assim, a opção, talvez, fosse cortar o número mínimo de deputados em algumas unidades federativas. Porém, aumentaram 18 novos membros. Assim, por exemplo, Roraima é super-representado e, com 0,3 da população nacional, mantém seus 8 deputados.
Mas, o que está efetivamente em jogo é a disputa de poder e a tentativa de enfraquecer politicamente o governo Lula. É só observar a quadra política. A gestão Lula-Haddad tem números que impressionam. Em praticamente todos os setores, a administração está indo muito bem. O país cresce a um ritmo maior do que os demais, o desemprego está no patamar mais baixo dos últimos anos e a fome teve decréscimo vertiginoso. Porém, o que se vê são críticas e a popularidade do Presidente em forte queda.
Por isso, reitero que a questão é política. Enquanto escrevo este artigo, leio que o Lula resolveu “bater às portas” do STF para questionar a derrubada do decreto sobre o IOF. É uma decisão política que vai, de alguma maneira, expor a Corte Suprema. O Tribunal deve afirmar a inconstitucionalidade e o Congresso vai posar de indignado. Na verdade, indignados deveríamos ficar ao constatar que o Legislativo invade a competência privativa do Executivo. E que, pela Constituição, resta ao Supremo Tribunal a última palavra.
Tudo isso faz parte do jogo e o que se espera é maturidade por parte dos atores políticos. Maturidade que deve ser colocada à prova quando o inquérito das emendas avançar sob a relatoria do ministro Flávio Dino. Talvez aí esteja a verdadeira insatisfação de boa parte do Congresso Nacional. Outra vez, os holofotes estarão voltados para o Judiciário. E não será sobre constitucionalidade ou não a discussão. O país inteiro aguarda. No Brasil, não se morre de tédio.
Lembrando-nos de Miguel Torga, em Penas do purgatório:
“Guarde a sua desgraça
Oh desgraçado.
Viva já sepultado
Noite e dia.
Sofra sem dizer nada,
Uma boa agonia
Deve ser lenta, lúgubre e calada.”
Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay