Pretinha e Caramela eram amigas inseparáveisDivulgação
Quatro cães e uma gata morreram após ingerirem alimento misturado com chumbinho, veneno clandestino proibido pela Anvisa, mas que ainda circula ilegalmente em feiras e pequenos comércios. O laudo oficial do Instituto Municipal de Medicina Veterinária Jorge Vaitsman confirmou a causa das mortes: o material exógeno (grânulos milimétricos enegrecidos) encontrado na cavidade oral e associado ao conteúdo gástrico é compatível com produto comercializado com o nome popular de ‘chumbinho’.
Câmeras de segurança flagraram a cena brutal: cães consumindo o alimento deixado diante de um portão e, logo depois, uma cadela em convulsões, tremendo e incapaz de se levantar. As imagens, que circularam pelas redes sociais, provocaram indignação.
A vida dos cães comunitários
A história começou, segundo moradores, com a chegada de uma cadela amarela, apelidada de Caramela, que passou a ser alimentada e acompanhada por cuidadoras da vizinhança. Logo depois, apareceu Pretinha, considerada sua irmã inseparável. Elas viviam pelas ruas em companhia de outros dois cães mais velhos. Mesmo sem donos fixos, recebiam carinho, comida e atenção da comunidade.
“Eles não tinham lar, mas eram felizes. Alegravam a rua e todos cuidavam deles com muito carinho”, contou a moradora Patrícia de Fátima, que acompanhava os animais. Pretinha deixou oito filhotes. Cinco já haviam sido adotados, mas três permaneceram na região. Um deles morreu dias depois, provavelmente intoxicado pelo mesmo veneno.
Primeiros sinais e repetição do crime
No início de agosto, um gato apareceu morto próximo ao portão de uma residência, sem marcas aparentes de atropelamento. Dias depois, crianças do bairro comentaram que os cães estavam passando mal. Foi quando moradores descobriram que Pretinha havia morrido.
“Quando soube da morte da Pretinha, fiquei arrasada. Era como se fosse da família. A gente cuidava, alimentava, acompanhava. Ver os filhotes dela sofrendo foi desesperador”, relatou Patrícia.
Vídeos começaram a circular mostrando comida misturada com veneno no mesmo local, mas, segundo moradores, no dia seguinte ao primeiro registro, o portão e a calçada foram lavados pelo dono da residência.
Na semana seguinte, novas filmagens flagraram novamente comida com veneno no portão, vitimando outro cão. O caso mais grave ocorreu no dia 1º de agosto, em plena luz do dia, quando uma cadela foi envenenada diante de vizinhos. Desesperados, os cuidadores tentaram levá-la ao veterinário, mas não conseguiram transporte a tempo. Um morador ofereceu carona, mas o animal não resistiu.
“Foi horrível. Ela tremia, caía, tentava levantar e não conseguia. Ninguém merece ver um animal morrer desse jeito”, disse Patrícia De Fátima. Dessa vez, o corpo foi levado rapidamente para necropsia, o que confirmou a presença de chumbinho.
Mobilização da comunidade e ONG
Os episódios mobilizaram protetores e a ONG Ajuda Patas no RJ, que passou a cobrar providências das autoridades. Moradores também se uniram para registrar denúncias e pressionar por investigação.
Segundo os moradores, os primeiros sinais de envenenamento apareceram ainda no início de agosto. “Desde o dia 1º de agosto, quando o primeiro cão apareceu morto, nós registramos denúncia no 1746 [canal da Prefeitura para maus-tratos a animais]. Mas nada foi feito”, contou Ricardo, um dos moradores que se diz “arrasado com a situação”.
Ele relata que tentou várias vezes acionar a Secretaria Municipal de Proteção e Defesa dos Animais (SMPDA), mas não obteve retorno.
“Bastava a Prefeitura ter atendido nossos
chamados e lavado a rua, como fizeram apenas depois que o caso ganhou mídia. Foi muito frustrante”, disse.
E continuou: Somente após um vídeo mostrando o animal agonizando viralizar, que equipes da SMPDA foram ao local recolher um dos corpos, e essa demora custou vidas.
A presidente da ONG Ajuda Patas no RJ, Bruna Saraiva, também criticou a demora em responder às denúncias. Segundo ela, moradores que são adotantes da ONG acionaram o canal oficial da Prefeitura, pelo protocolo 1746, no dia 9 de agosto, mas não houve retorno prático.
“Eu fiquei completamente desapontada, porque pedimos socorro em todas as esferas desde o dia 9/8, e todos nos solicitavam um corpo para comprovação, mesmo informando que mais animais já haviam morrido e mesmo com vídeos mostrando veneno na porta do autor. Em crimes cometidos contra humanos, a palavra da vítima e de testemunhas abre investigação. Por que com animais não? Quantas autópsias ainda serão necessárias para comprovar o que já é notório?”, questionou Bruna.
A presidente da ONG citou ainda que, no caso de Sepetiba, somente após a morte da cadela Caramela e de outro cão houve maior mobilização. “Precisaram cinco mortes para que algo fosse feito. Isso é muito doloroso”, afirmou.
A Polícia Civil abriu inquérito e analisa imagens de câmeras de segurança que mostram a comida envenenada sendo deixada diante do portão de uma residência.
Dor que pede mudança
A tragédia em Sepetiba reacende o debate sobre a eficácia das leis de proteção animal. A Lei Sansão, sancionada em 2020, aumentou a pena para maus-tratos a cães e gatos, prevendo prisão de três a cinco anos. Mas, na prática, a fiscalização é falha e a punição, rara.
Para a comunidade, a morte de Caramela, Pretinha e dos demais animais não pode ser em vão. “Sepetiba mostrou que não vai virar as costas para essa covardia. Esses animais mereciam viver. Que a dor da perda sirva de divisor de águas para que possamos respeitar a vida dos animais e suas dores”, disse Ricardo, um morador, emocionado.
Posicionamento da Secretaria Municipal de Proteção e Defesa dos Animais
Procurada pela Coluna, Secretaria respondeu que : “Desde o início do caso, a Secretaria Municipal de Proteção e Defesa dos Animais vem tomando todas as providências cabíveis, com total transparência, inclusive, informando amplamente sobre todas as medidas à imprensa e ao cidadão.
A secretaria não só recolheu o corpo para a necropsia como imediatamente divulgou o resultado.
O caso está sendo investigado pela polícia (DPMA), que é a autoridade competente para apurar as responsabilidades. A secretaria segue acompanhando a investigação.





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