A ingestão de pequenas quantidades de folhas, pétalas ou seiva pode provocar desde irritação leve até falência renal e cardíaca do animalfotos Freepik

A primavera colore as cidades, perfuma os ambientes e inspira novos cuidados. Com a chegada das flores, muitos tutores aproveitam para decorar varandas e quintais, sem imaginar que, entre as espécies mais comuns nesta estação, algumas escondem um perigo silencioso. Lírios, azaleias, copo-de-leite e hortênsias — tão belas quanto populares — podem ser altamente tóxicas para cães e gatos. A ingestão de pequenas quantidades de folhas, pétalas ou seiva pode provocar desde irritação leve até falência renal e cardíaca.
Segundo o médico veterinário Francis Flosi, diretor geral da Faculdade de Medicina Veterinária Qualittas, a primavera é um dos períodos do ano com maior incidência de intoxicações em pets.
“Prevenir sempre é o melhor remédio. A intoxicação por plantas é uma das principais causas de atendimentos de emergência nesta época, representando até 30% dos casos em clínicas e hospitais veterinários”, alerta o especialista.
Beleza perigosa
A maior parte dos tutores desconhece que plantas ornamentais podem conter substâncias químicas naturais capazes de causar intoxicação. Elas servem como mecanismo de defesa contra predadores, mas acabam se tornando um risco dentro de casa. O lírio, por exemplo, é considerado uma das plantas mais perigosas para gatos: basta o contato com o pólen ou a ingestão de um pequeno pedaço da flor para causar falência renal aguda em poucas horas. Já em cães, espécies como copo-de-leite e azaleia são responsáveis por quadros de vômitos, diarreia, tremores e salivação intensa.
Outras plantas populares também merecem atenção: narciso, dedaleira, teixo, comigo-ninguém-pode, antúrio, costela-de-adão, espirradeira, mamona, coroa-de-cristo, jiboia, hortênsia e bico-de-papagaio. Em todas elas, a toxicidade está presente em diferentes partes da planta — folhas, flores, seiva ou sementes.
“Algumas espécies contêm oxalatos de cálcio, glicosídeos e alcaloides extremamente tóxicos, que afetam o sistema nervoso, o trato digestivo e o coração. Por isso, é importante que os tutores saibam exatamente o que têm em casa”, explica Flosi.

Casos aumentam com o calor e a curiosidade

Com o aumento das temperaturas, os animais ficam mais ativos e curiosos. Gatos, por natureza, são exploradores e adoram subir em vasos e prateleiras. Já os cães tendem a mastigar folhas, galhos e flores por instinto ou tédio. Isso faz com que a primavera seja uma das estações com maior volume de casos de intoxicação acidental.
“Muitos tutores chegam desesperados, sem saber o que o animal ingeriu. Em alguns casos, só descobrimos o agente tóxico depois de exames laboratoriais”, conta Flosi.
O veterinário alerta que a rápida intervenção médica é determinante para o sucesso do tratamento.
“Se o tutor conseguir identificar a planta e levar uma amostra ao veterinário, isso facilita o diagnóstico e ajuda a salvar a vida do animal. Cada minuto conta”, reforça.

Como proteger os pets

A prevenção começa no planejamento do jardim ou na escolha dos arranjos florais dentro de casa. Um ambiente seguro deve priorizar plantas não tóxicas, como orquídeas, violetas, bromélias, camomila, capim-limão, lavanda, girassol e erva-de-gato. Também é importante posicionar vasos em locais altos ou de difícil acesso, principalmente para gatos.
Flosi recomenda que tutores nunca utilizem venenos ou herbicidas para combater pragas em jardins. Esses produtos, além de contaminarem o solo, podem provocar intoxicação secundária quando o animal lambe as patas ou o focinho.
“Mesmo pequenas doses de raticidas ou venenos contra lesmas e caracóis são extremamente perigosas. Eles permanecem ativos por muito tempo e causam graves danos neurológicos e hepáticos”, adverte o veterinário.

Outras medidas simples, mas eficazes:
•Desencorajar o pet de roer plantas, galhos e objetos do jardim;
•Reforçar o enriquecimento ambiental, para reduzir o tédio e a curiosidade destrutiva;
•Identificar e etiquetar as espécies do jardim, facilitando o reconhecimento em caso de emergência;
•Lembrar que plantas da mesma família podem ter níveis diferentes de toxicidade, exigindo atenção redobrada.

Sintomas, diagnóstico e tratamento

Os sinais clínicos de intoxicação podem surgir minutos ou horas após o contato. Entre os sintomas mais comuns estão salivação excessiva, vômitos, diarreia, tremores, convulsões, apatia, febre, desorientação e dificuldade respiratória. Em casos graves, observa-se alteração na cor das mucosas, que ficam azuladas ou amareladas, indicando comprometimento dos órgãos internos.
“Muitos tutores tentam induzir o vômito em casa, mas isso pode piorar a situação. A primeira atitude deve ser procurar atendimento veterinário imediatamente. Somente um profissional qualificado pode avaliar o quadro e iniciar o tratamento correto”, reforça Flosi.
O tratamento das intoxicações varia conforme o tipo de planta e o tempo de ingestão. O veterinário costuma realizar exames laboratoriais, avaliar os sinais clínicos e, quando possível, aplicar antídotos específicos. Em outros casos, o animal é submetido a lavagem gástrica, hidratação intensiva e uso de medicamentos de suporte.
Quando a intoxicação é tópica — ou seja, ocorre por contato com a pele ou mucosas —, é feita higienização do local e uso de pomadas ou soluções anti-inflamatórias prescritas.
“Cada minuto é importante. Quanto mais rápido o animal for atendido, maiores são as chances de recuperação sem sequelas”, afirma o veterinário.

A importância da capacitação veterinária
O aumento de casos reforça a importância da formação continuada em toxicologia veterinária. Segundo Flosi, o avanço dos cursos de especialização tem sido essencial para preparar profissionais a reconhecer rapidamente o agente causador e adotar protocolos adequados.
“O diagnóstico precoce salva-vidas. A toxicologia veterinária é uma área em expansão, e capacitar os profissionais para agir com segurança e rapidez é fundamental”, destaca.

Educação e conscientização
Além dos cuidados domésticos, o veterinário defende campanhas de educação ambiental voltadas aos tutores e escolas, para conscientizar sobre os riscos das plantas tóxicas.
“A maioria das pessoas não tem ideia de que plantas ornamentais tão comuns, como a comigo-ninguém-pode ou o bico-de-papagaio, são perigosas. A informação é o primeiro passo para prevenir tragédias”, diz.
A conscientização, segundo ele, deve incluir também floriculturas, condomínios e paisagistas, que podem orientar clientes sobre espécies seguras para ambientes com animais. Jardins públicos e praças poderiam conter placas educativas indicando as plantas potencialmente tóxicas — uma medida simples e de grande impacto.
A primavera é, sem dúvida, uma das estações mais alegres do ano. Mas para quem vive com cães e gatos, é preciso redobrar a atenção. O colorido das flores e o perfume das plantas atraem a curiosidade dos pets, e o contato acidental pode trazer sérias consequências.
“Observar o comportamento do animal, conhecer as plantas do jardim e buscar sempre orientação de um médico veterinário são atitudes que fazem toda a diferença. Cuidar é o gesto mais bonito que podemos oferecer aos nossos companheiros”, conclui Francis Flosi.