Gastão ReisDivulgação

Brasileiras e brasileiros nos lembramos todos do mais famoso Grito, o do Ypiranga, aquele que tornou o Brasil um país independente. Foi dado por D. Pedro I, que nos legou a Carta de 1824, ainda hoje a mais longeva. E o foi, em boa medida, por ter no poder moderador um poderoso instrumento de controle do andar de cima, sem jamais ter sido usado para oprimir o povo. A Carta de 1988 e o STF conseguiram a proeza de pôr em prática o oposto.
Foi justamente esta percepção que está na raiz do evento ocorrido em São Paulo, em 22 de maio passado, para o lançamento dos dois volumes de “Debates em torno da proposta de uma nova constituição do Prof. Modesto Carvalhosa” sobre seu livro anterior, de 2022, “Uma Nova Constituição para o Brasil – De um país de privilégios para uma nação de oportunidades”. Juristas, economistas, jornalistas, politicólogos, dentre outros profissionais de renome nacional estiveram presentes ao ato.
O lado marcante do evento foi o fato de ter acolhido posições divergentes do autor homenageado. Nessa linha, no Prefácio do volume I, o jurista e editor Ives Gandra Martins nos fala da famosa frase de Aristóteles em relação ao seu mestre: “Sou amigo de Platão, mas mais amigo da verdade”. Vou levar em conta esta visão de Aristóteles nos meus comentários críticos, e construtivos, ao evento que pôs o dedo em
nossa ferida constitucional e desmandos do STF. Ives Gandra, parodiando Clemanceau, ainda nos informa que a Lei Maior é importante demais para ser deixada apenas aos juristas.
É impossível fazer uma resenha de todos os participantes dos três painéis organizados para debater as questões levantadas pela proposta do Prof. Modesto Carvalhosa. O primeiro deles, “Uma Nova Constituição”, foi apresentado pelo próprio autor, tendo participado desta mesa os professores Luciano de Castro, Paulo Rabello de Castro e Fernado Menezes de Almeida. Esta primeira mesa teve como convidado
especial o deputado federal Luiz Philippe de Orleans e Bragança, que também fez uso da palavra.
O segundo, “Sistema Político e Partidário”, também apresentado pelo homenageado, foi composto pelos professores Bolívar Lamounier, Renata Rodrigues Ramos e pelo jornalista Fernão Lara Mesquita. O terceiro, “Reforma do STF e Tribunais Superiores”, também introduzido por Modesto Carvalhosa, teve a colaboração do Dr. Ricardo Peake Braga, do Prof. Ives Gandra Martins e do jornalista Carlos Alberto Di Franco.
A seguir, faço breves comentários sobre algumas intervenções dos componentes das mesas. A tônica de Paulo Rabello de Castro foi sobre a urgência da mobilização para pôr o país em ordem e nos livrar da nossa coleção de décadas perdidas desde a de 1980. O dep. Luiz Philippe enfatizou o fato de que nosso gargalo é a constituição de 1988. O modelo de amplo Estado social tira das pessoas seu poder de agir. Quanto mais Estado, melhor para o status quo de que precisamos nos livrar. Em sua visão, existe consciência da população dos problemas. O gás está no ar, falta a faísca da mobilização.
Na segunda mesa, o cientista político Bolívar Lamounier nos fala do deus grego Janos, que tinha olhos para frente e para trás. Era capaz de enxergar o passado e o futuro. E de sua opção pelo parlamentarismo, diferente do presidencialismo proposto por Modesto Carvalhosa. Ficou subentendida a falha de nossa memória histórica cultivada, de caso pensado, pela república quanto a nossa longa tradição parlamentar,
inclusive no plano municipal.
Fernão Lara Mesquita defende o voto distrital puro como Lamounier e o recall. Até aqui, de pleno acordo. Mas esquece de nosso passado monárquico do século XIX com ampla liberdade de expressão e imprensa e respeito ao dinheiro público. E de seu sucesso em termos econômicos, como nos comprova a recente pesquisa dos professores Bacha, Tombolo e Versiani, em que nossa renda real per capita cresceu 0,9% ao ano, acompanhando a Europa e vizinhos latino-americanos. A historiografia econômica consolidada não se sustenta.

Na terceira mesa, o jornalista Carlos Alberto Di Franco deixa claro que a Constituição de 1988 travou o País. Está na boa companhia das ácidas críticas de Roberto Campos, que acertou na mosca neste ponto crucial. Até Sarney previu que o Patropi ficaria ingovernável com a fatídica Carta de 1988. Diz ainda que estamos
dominados por uma casta atrelada à sua própria vaidade em contraposição a um Brasil real formado por um povo amável e trabalhador.
A seguir, algumas observações pertinentes. Discordo do Prof. Modesto Carvalhosa sobre sua opção pelo presidencialismo e pela eliminação da reeleição para cargos executivos. Ao longo da história de nossos vizinhos e da nossa, a partir de 1889, o presidencialismo se revelou um regime disfuncional colecionador de reiteradas crises.
Num regime parlamentar (nosso até 1889), as crises podem ser resolvidas com um voto de desconfiança sem os traumas dos impeachments. E sem o grave problema de vários presidentes que chegam ao poder sem ter uma base parlamentar no Congresso.
E que só se “resolve” na base de grossa corrupção. No parlamentarismo, o chefe do poder executivo, o Primeiro-Ministro, só toma posse após definir claramente seu apoio majoritário no Parlamento.
Eu só fui perceber, confesso, a falsa narrativa republicana sobre o Império quando li, aos 40 anos, por volta de 1980, a excelente “História de D. Pedro II”, de Heitor Lyra, reeditada agora em apenas um volume. Nossos diplomatas historiadores, sempre atentos por dever de ofício a consultar as fontes, são o que há de melhor em relação ao que aconteceu de fato no passado quanto ao bom desempenho do Império na
economia e na qualidade da vida política.
Eles foram confirmados pela pesquisa já mencionada de Bacha, Tombolo e Versiani. A rigor, o desarranjo político-institucional teve início com o golpe militar de 1889, como comprovo em dois novos anexos da segunda edição, a sair em breve, do meu livro “História da Autoestima Nacional – Uma investigação sobre monarquia, república e preservação do interesse público”. 
Mas não há dúvida de que o Grito de São Paulo vai ser ouvido. Em especial em seus desdobramentos quanto à imprescindível mobilização popular.
(*) Nota: Digite no Google “Dois Minutos com Gastão Reis: Economia Esquizofrê- nica. Ou
pelo link: https://www.youtube.com/watch?v=_jqMlxDReBA

* Gastão Reis é economista e palestrante
Contatos: gastaoreis2@gmail.com