A história brasileira foi marcada por uma ruptura entre governantes e governados ainda no início do dito regime republicano. Existe uma diferença radical entre o Império e a República nessa questão. Quando D. Pedro I colocou na Carta de 1824 o poder moderador, ele deixou claro seu respeito pelo Povo Brasileiro. Queria nos livrar do populismo. Sua famosa frase, mal interpretada, já refletia essa preocupação: “Tudo para o povo, nada pelo povo”. Evitar a implantação de regimes populistas era seu objetivo. Daí a necessidade de dispor de um instrumento de controle do andar de cima, o poder moderador, que hoje não temos mais.
Nos anos finais do Primeiro Reinado, havia certo desgaste em seu prestígio popular. Estava com a cabeça em Portugal, onde seu irmão, Dom Miguel, absolutista e usurpador do trono de sua filha, D. Maria II, estava no comando. Seu objetivo era fazer com que Portugal tivesse uma constituição baseada na nossa e assegurar a legitimidade de D. Maria II, nascida no Brasil, e que foi rainha de Portugal. Ela incentivou a cultura e o ensino público.
D. Pedro I era afinado com as novas ideias liberais e lutou pelo fim do absolutismo aqui e em Portugal. Seu compromisso em limitar o poder real era para valer. A maior prova é que o orçamento do Brasil passou a depender da aprovação do Parlamento. O rei, ou imperador, deixou de poder gastar a seu bel-prazer. Mais: foi fiel à liberdade de imprensa vigente desde o início do Primeiro Reinado, coisa rara no mundo de então. Dois dias após sua abdicação em favor de seu filho, D. Pedro II, então com apenas cinco anos de idade, o povo do Rio de Janeiro festejou nas ruas aquele que viria a ser nosso segundo imperador. Ou seja, não houve quebra de legitimidade. Dispensa maiores comentários os benefícios que o Segundo Reinado nos trouxe. Um arcabouço político-institucional que permitiu estabilidade e crescimento econômico, em que a renda real per capita acompanhou o crescimento do resto do mundo, como nos garantem as pesquisas mais recentes.
O Império foi um regime político que deu provas de respeito ao Povo com inflação baixíssima e políticos sob controle respeitados pelo povo. Não havia a desconexão entre os governantes e a população, que hoje é evidente. Enquanto D. Pedro II tomava empréstimos para suas viagens ao exterior e os pagava religiosamente, Lula usa o cartão de crédito da presidência da república, mantido em sigilo, para gastar a rodo. Total desrespeito ao povo que paga a conta sem saber quanto foi gasto.
Vejamos, agora, os primeiros dias desta malfadada república. O mal. Deodoro da Fonseca, em um de seus primeiros atos, dobrou seu próprio salário. Ato contínuo, os gastos do governo explodiram, ampliados pelo Encilhamento de Ruy Barbosa. D. Pedro II, no exílio, se perguntava indignado: “Com que autoridade esses senhores estão dispondo dos dinheiros públicos?”. Era um governo sem legitimidade, confuso e bagunçado. E sustentado pelo poder das armas.
Além disso, os cadetes positivistas da Escola Militar do Realengo se autointitulavam os científicos, acreditando na seguinte asneira de Auguste Comte: “Assim como não há liberdade em física e química, também não deve havê-la em política, onde deve ser implantada uma ditadura científica”. Baseados neste desvario comteano, resolveram dar ordem unida à sociedade civil, tomando atitudes arbitrárias mal recebidas pela população que se sentiu ofendida e desrespeitada.
O Brasil vinha de mais de meio século de absoluto respeito pelas rubricas impositivas do orçamento, cumprido à risca. D. Pedro II jamais permitiu o aumento da dotação da Coroa, que caiu de 5 para 0,5% no orçamento do Império. A inflação de apenas um por cento ao ano comprova o referido respeito pelo dinheiro público, em especial pelos mais pobres. A imagem que temos hoje do País é exatamente a oposta. As autoridades não se vexam em mandar a conta das despesas públicas para o povo sem consultá-lo. As verbas secretas foram o ponto alto. É como dizer ao povo: “Pague a conta e nem queira saber o que vou fazer com o dinheiro do imposto que você pagou”. Um dos ministros do STF, por incrível que pareça, resolveu pelo óbvio: era inconstitucional e não podia continuar. Curiosamente, quase não são feitas pesquisas sobre a opinião do povo a respeito da credibilidade dos políticos e dos partidos. Menos ainda sobre a aplicação correta dos impostos pagos. E nada sobre a percepção popular a respeito do grau de desvios de recursos públicos para os bolsos de particulares. Na verdade, esta percepção pelo povo em geral é muito ruim. Diria mesmo que se sente assaltado. Este é um pecado mortal que acompanha a república desde seu parto a fórceps, apadrinhada pela mentira dita a Deodoro e o positivismo de Comte. E que veio se agravando ao longo de décadas. A república em sua letargia não contava com a subversão das redes sociais, que denuncia os desmandos, financeiros e morais, do regime apodrecido.
Mas os absurdos não param por aí. Inúmeros juristas de renome nacional denunciam a ditadura do Judiciário encabeçada pelo STF, que deixa juízes sérios de cabelo em pé pelo desrespeito contumaz aos dispositivos constitucionais. As redes sociais veiculam notícias, que se tornaram comuns, como uma que nos diz: “Moro, juiz concursado, é declarado parcial por ministros “imparciais” indicados pelo réu (Lula), citando nominalmente Lewandowski, Toffoli e Carmen Lúcia”.
A maioria dos ministros do STF se veem como iluminados, sem se importar com a indignação geral que tomou conta de toda a sociedade brasileira contra decisões monocráticas absurdas a favor de corruptos confessos com omissão vergonhosa dos demais ministros. O 15 de Novembro é um feriado que passa em brancas nuvens. Nada a comemorar. Mas a reação popular vem se adensando. O dia do Basta está a caminho.
Nota: Palestra minha, ESCRAVIDÃO: UMA VISÃO HETERODOXA DE LONGO PRAZO, na Casa Claudio de Souza, em 11/11/24, segunda-feira, às 19 horas, a convite do IHP, em sua reunião mensal.
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