Gastão ReisGastão Reis

No início do ano de 1980, ao percorrer as prateleiras da livraria da Universidade da Pensilvânia, eu bati o olho num livro cujo título era “Feeling Good – The new mood therapy”. Ou seja, em tradução livre ao pé da letra: “Sentindo-se Bem – A nova terapia do humor”. (Humor, no caso, estado de espírito). No topo da capa, vinha escrito: O tratamento clinicamente comprovado para o tratamento da depressão da Escola de Medicina da Universidade da Pensilvânia. O autor era o psiquiatra David D. Burns, formado pela Universidade de Stanford, tendo completado seu treinamento psiquiátrico ali na própria Universidade da Pensilvânia.
O estado de depressão, naquele período, me incomodava vez por outra. Fazer análise com base na terapia freudiana nunca me entusiasmou. Amigos e amigas que tinham feito no Brasil se dividiam em dois grupos: metade achava que havia funcionado; a outra metade afirmava que foi perda de tempo e de dinheiro. Ou seja, era um tratamento que podia durar anos sem garantia de sucesso. Levei mais em conta o segundo grupo que não obteve resultado desejado no controle da depressão. E foi então que a alternativa proposta no livro do Prof. Burns me caiu como uma luva.
Nesse meio tempo, ainda me lembrei dos comentários de um esperto colega português contra Freud. Ele criticava a centralidade do sexo na teoria freudiana. Dizia mesmo que, antes do sexo, o ser humano precisa de espaço e alimento para tocar a vida. Eram fatores que se antepunham ao sexo. Sobrevivência fala grosso. Além disso, Freud escreve diabolicamente bem, o que contribuiu em muito para a difusão de seu pensamento. E sexo é assunto que tem forte apelo. Daí a ser um pensamento científico, é uma outra história.
A tradição do pensamento científico é trabalhar com hipóteses verificáveis. Karl Popper ficou famoso por seu teste de verificabilidade. Quando tal não ocorre, é impossível, segundo Popper, usar o pensamento científico para dirimir quaisquer questões. A ciência diante do mistério da Santíssima Trindade fica muda. Nem sim, nem não. Por outro lado, sempre é bom lembrar que Cristo deu inúmeras provas de sua divindade ao fazer milagres bem documentados pelos quatro evangelhos e por aqueles que viram o impossível acontecer.
Mas voltemos ao livro do Prof. Burns. Logo nas primeiras páginas, a pessoa interessada é convidada a fazer um teste, que permite saber qual o grau de depressão em que ela está. Se for leve ou médio, é possível seguir as instruções do livro para superá-la. Se for severa, ele aconselha a procurar um profissional da área em questão.
O ponto central do livro é mostrado num rosto de perfil. No lado esquerdo de quem olha, está o MUNDO, em que você é exposto a uma série de eventos positivos, neutros ou negativos. Acima da cabeça, está escrito PENSAMENTOS, que refletem seu diálogo interior na interpretação desses eventos que continuamente passam por sua mente. Do lado direito de quem olha, aparece a palavra HUMOR (seu estado de espírito). Seus sentimentos são criados por seus pensamentos, e não pelos eventos em si. Toda experiência tem que ser processada através de seu cérebro, local em lhe é dado um significado consciente antes que você lhe dê uma resposta equilibrada ou não.
É justamente nesse processo em que sua emoção dá um significado a um evento é que ocorrem as distorções cognitivas, segundo o Prof. David Burns. Elas são em número de dez. O autor nos dá dicas para contornar os efeitos dos pensamentos negativos sobre nosso humor, ou seja, sobre como os sentimos na luta inglória de nós contra nós mesmos. Vamos analisar quatro delas.

A primeira é o “Pensamento tudo-ou-nada”: Você vê a vida em preto e branco. Ou seu desempenho é perfeito, ou você se vê como um desastre total. Outra distorção é a “Desqualificação do positivo”: Você simplesmente não leva em conta suas experiências positivas. Absorve tudo que é negativo como prova irrefutável de que você não tem jeito mesmo. Azarão consumado. A terceira escolhida é o “Raciocínio emotivo”: Você presume que suas emoções negativas refletem as coisas como elas realmente são. (Eu sinto assim, portanto é assim mesmo). Por fim, o “Filtro mental”: Você pega um detalhe que deu errado e o amplia até que sua visão fique completamente obscurecida por ele. Não vê mais nada.
Acredito que estes quatro tipos de distorções cognitivas já nos mostrem como nossa mente pode funcionar contra nós mesmos sem nos darmos conta. As orientações dadas no livro do Prof. Burns nos fornecem instrumentos capazes de pôr fim a nossos processos depressivos, abrindo-nos novas perspectivas para o futuro. A notícia boa é que esse processo de cura dura em média três meses, bem menos do que normalmente ocorre no caso da terapia freudiana, normalmente bem mais longa, e caríssima.
Uma boa medida do sucesso da terapia cognitiva é o fato de o Prof. Burns já ter vendido mais de 5 milhões de exemplares do seu livro só em língua inglesa. Tem também traduções em várias línguas, inclusive português. No Google, é facilmente localizado o texto em português que aparece às vezes com a palavra antidepressão no título.
O depoimento que posso dar é que a terapia cognitiva realmente funciona. Após algum tempo de uso desta técnica eu me tornei um expert em contornar processos depressivos de modo bem mais fácil. O livro é de leitura agradável e fácil. É bem escrito, e a terminologia é a que usamos no dia a dia.
Caso você queira ir mais fundo nesse processo de superação de processos depressivos, existe um outro livro, ao que sei, sem tradução em português. Tem como título “Beyond Negative Thinking – Breaking the Cycle of Depressing and Anxious Thoughts”. Ou seja, em tradução livre ao pé da letra: “Além do Pensamento Negativo – Quebrando o Ciclo dos Pensamentos Depressivos e Ansiosos”, de autoria de Joseph T. Martorano, M.D. e John P. Kildahl, Ph.D. Provavelmente, acabará sendo traduzido.
Mas o primeiro livro citado, do Prof. Burns, cumpre a tarefa de superar a depressão perfeitamente bem. Bom proveito.


(*) Digite no Google “Dois minutos com Gastão Reis: Humildade para aprender”. Ou pelo link: https://www.youtube.com/watch?v=s_oAVkiL6nU