Gastão Reisdivulgação

A palavra mazombo é pouco conhecida, exceto para quem teve a oportunidade de ler “Bandeirantes e Pioneiros”, livro de 1954, publicado por Vianna Moog. O autor faz uma contraposição entre o bom caráter do pioneiro americano e as deficiências do filho de pais estrangeiros, no nosso caso, dos descendentes de pais portugueses. Seria uma figura sorumbática, de mau humor e com boa dose de cobiça. O ideal era enriquecer rápido e voltar para o reino, ou seja, Portugal. Seriam conquistadores. Já os pioneiros americanos vieram para a América para construir uma nova nação. Eram colonizadores. Daí a diferença entre o rápido crescimento deles e a nossa marcha lenta.
O único problema é que tal descrição não se encaixa nas novas pesquisas bem fundamentadas das últimas duas décadas. Na verdade, no final do período colonial, o Brasil esteve bem situado em relação à renda real per capita dos EUA, como nunca conseguiu depois com a chegada da república. Mesmo tendo em conta a questão da concentração da renda e da riqueza, comum no mundo todo, era fato que as grandes fortunas da dita colônia se equiparavam (ou eram até maiores), que suas correlatas na metrópole lusitana por volta de 1800.

É fato que Vianna Moog escreveu no início da década de 1950, época em que pesquisas de maior fôlego sobre o período colonial ainda não existiam. No tempo em que ele viveu nos EUA, a distância entre os dois países era acentuada. Refletia, em boa medida, a brutal perda de tempo histórico em que a República Velha (1889-1930) nos encrencou, dando atenção apenas à região Rio-São Paulo-Minas Gerais. O (quase) esquecimento do resto do País desembocou na Revolução de 1930, que partiu das pontas: Sul e Nordeste por razões óbvias. Aquelas dos esquecidos.

A abordagem do período colonial bate na tecla da exploração dos ciclos econômicos, de caráter puramente extrativo, como se não houvesse em paralelo o crescimento de um poderoso mercado interno. Afinal, as exportações desse período não iam além de 15% do PIB, sendo os 85% restantes consumidos internamente. Os números revelam que a extração do ouro no período colonial foi pequena se levarmos em conta o que se produziu de ouro de 1822 até hoje.

Se a renda real per capita, segundo a sólida pesquisa dos professores Bacha, Tombolo e Versiani, cresceu 0,9% ao ano durante o Império, acompanhando o crescimento do resto do mundo, é lícito concluir que também o Império não deve ter se distanciado tanto dos EUA até 1889. A primeira década republicana, de 1890 a 1899, face ao Encilhamento, período de agitação financeira e de muita especulação bolsista, foi simplesmente perdida, em contraposição à última do Império, de grande dinamismo.
Mesmo supondo, conservadoramente, que a renda real per capita no final do Império fosse metade da americana, ainda assim teríamos um percentual bem melhor do que o de hoje, que gira em torno de 25% pelo método do PPC (Paridade do Poder de Compra).

Em suma, o mazombo não era bem aquele descrito por Vianna Moog. Foi, na verdade, dinâmico e colonizador, e não apenas explorador até 1889. Esta pecha se encaixa melhor nas lideranças republicanas pelo descaso no combate à desigualdade, que afeta negros, mulatos, pardos e brancos pobres.

Nota: Digite no Google “Dois Minutos com Gastão Reis: História do Brasil mal contada”. Ou pelo link: https://www.youtube.com/watch?v=eItrRRkiiAU

(*) Economista e palestrante