Gastão Reisdivulgação
Ao ensejo da comemoração do Bicentenário de Nascimento de Dom Pedro II, em 2 de dezembro deste ano, resolvi saber dele, numa espécie de transe telepático, como ele está e consultá-lo sobre o Brasil de hoje, após mais de 130 anos de uma República cada vez mais desgastada e corrupta.
Algum(a) leitor(a) poderia me desafiar com os versos iniciais do soneto “Ouvir estrelas” de Olavo Bilac: “Ora (direis) ouvir estrelas! / Certo. Perdeste o senso!”. Não, não perdi o senso. Afinal, a estrela de Dom Pedro II continua a brilhar naquelas paragens excelsas onde ele se encontra. De mais a mais, existe farta documentação sobre ele e seu legado, que colocou o Brasil entre os países mais respeitados do mundo na segunda metade do século XIX.
Para facilitar a entrevista, vou usar um P maiúsculo para as perguntas e um R maiúsculo para as respostas, devidamente numerados.
P1 – Bom dia, Majestade! Tudo bem?
R1 – Comigo, sim. Em especial no local de muita paz em que me encontro. A minha preocupação é com o Brasil destes últimos tempos marcados por radicalismos de esquerda e de direita nada civilizados. Tudo muito diferente do Parlamento do Império, onde o debate era livre e, por vezes, até agressivo, mas sem jamais perder modos civilizados.
R1 – Comigo, sim. Em especial no local de muita paz em que me encontro. A minha preocupação é com o Brasil destes últimos tempos marcados por radicalismos de esquerda e de direita nada civilizados. Tudo muito diferente do Parlamento do Império, onde o debate era livre e, por vezes, até agressivo, mas sem jamais perder modos civilizados.
P2 – No Brasil de hoje, o que mais o incomoda?
R2 – A falta de dispositivos legais inibidores dos desmandos dos governantes, em especial no trato do dinheiro público sem a devida prestação de contas como havia no meu tempo. O interesse público não é a principal preocupação dos políticos. E obviamente a corrupção generalizada.
R2 – A falta de dispositivos legais inibidores dos desmandos dos governantes, em especial no trato do dinheiro público sem a devida prestação de contas como havia no meu tempo. O interesse público não é a principal preocupação dos políticos. E obviamente a corrupção generalizada.
P3 – Como assim, nunca houve corrupção ao longo de seu reinado?
R3 – Boa pergunta. Houve sim. Ao longo do meu quase meio século como imperador, houve de fato dois casos. Apenas dois, que foram exemplarmente punidos, como nos garante o historiador Marco Antonio Villa, dentre outros. No meu post mortem, continuo a ser um leitor voraz dos novos historiadores e das notícias sobre meu querido Brasil.
R3 – Boa pergunta. Houve sim. Ao longo do meu quase meio século como imperador, houve de fato dois casos. Apenas dois, que foram exemplarmente punidos, como nos garante o historiador Marco Antonio Villa, dentre outros. No meu post mortem, continuo a ser um leitor voraz dos novos historiadores e das notícias sobre meu querido Brasil.
P4 – Como é de seu conhecimento, a corrupção no Brasil tem piorado muito. A última foi o caso dos aposentados. Nos últimos 6 anos, sindicatos mancomunados com altos funcionários do INPS fizeram descontos não-autorizados nas aposentadorias num total de 6 bilhões de reais, cinco deles no mandato do atual presidente da República. Qual sua visão sobre o triste episódio?
R4 – Falta de fiscalização e clima de tolerância com a corrupção, que só fez crescer desde 1889. Aliás, Ruy Barbosa, em famoso discurso no senado da república (perdoe-me usar o merecido “r” minúsculo), já em 1915, afirmava que o Parlamento do Império era uma escola de Estadistas e que o congresso da república virou um balcão de negócios. Minha tristeza é que o balcão se ampliou, abarcando todos os poderes da República.
R4 – Falta de fiscalização e clima de tolerância com a corrupção, que só fez crescer desde 1889. Aliás, Ruy Barbosa, em famoso discurso no senado da república (perdoe-me usar o merecido “r” minúsculo), já em 1915, afirmava que o Parlamento do Império era uma escola de Estadistas e que o congresso da república virou um balcão de negócios. Minha tristeza é que o balcão se ampliou, abarcando todos os poderes da República.
P5 – O que estaria na raiz desse processo de um país que mudou da água para o vinho, ou melhor, do vinho para a água no respeito ao dinheiro público e na defesa do interesse público? Era diferente em sua época?
R5 – Sem dúvida, era muito diferente. O contato do meu avô D. João VI, e do meu pai e meu com a população era semanal. Recebíamos quem quisesse nos falar, inclusive escravos. Tradição que nos permitia saber o que estava ocorrendo com a população, seus problemas, anseios e possíveis soluções. Ouvir o povo toda semana era, e é, fundamental. Noto que hoje existe uma desilusão profunda da população em relação a políticos e partidos políticos.
R5 – Sem dúvida, era muito diferente. O contato do meu avô D. João VI, e do meu pai e meu com a população era semanal. Recebíamos quem quisesse nos falar, inclusive escravos. Tradição que nos permitia saber o que estava ocorrendo com a população, seus problemas, anseios e possíveis soluções. Ouvir o povo toda semana era, e é, fundamental. Noto que hoje existe uma desilusão profunda da população em relação a políticos e partidos políticos.
P6 – Como era no seu tempo a atuação dos políticos e dos partidos?
R6 – Muito diferente, mesmo. Primeiro, havia basicamente dois partidos, o Liberal e o Conservador. O historiador americano, William Summerhill, fez um estudo sobre o desempenho destes dois partidos na última década do Império. Ele queria saber se tinham programas e se os seguiam nas votações em plenário. Ambos passaram no teste. Os atuais de hoje seriam reprovados.
R6 – Muito diferente, mesmo. Primeiro, havia basicamente dois partidos, o Liberal e o Conservador. O historiador americano, William Summerhill, fez um estudo sobre o desempenho destes dois partidos na última década do Império. Ele queria saber se tinham programas e se os seguiam nas votações em plenário. Ambos passaram no teste. Os atuais de hoje seriam reprovados.
P7 – O que provocou essa involução em matéria de práticas partidárias alinhadas ao interesse público e na própria atuação dos políticos?
R7 – Bom lembrar que tínhamos uma tradição parlamentar que nos vinha desde os tempos coloniais com eleições regulares a cada três. A Câmara Municipal era a sede da prefeitura, como em Portugal até hoje. O vereador mais votado era o prefeito. Os vereadores trabalhavam de segunda à quinta-feira como secretários municipais, e só se dedicavam aos afazeres legislativos apenas às sextas-feiras. Noto que no Brasil, no presidencialismo, as câmaras municipais parecem ter gente demais para serviço de menos. No nosso passado, elas eram bem mais eficientes e eficazes. Evitava desperdícios.
R7 – Bom lembrar que tínhamos uma tradição parlamentar que nos vinha desde os tempos coloniais com eleições regulares a cada três. A Câmara Municipal era a sede da prefeitura, como em Portugal até hoje. O vereador mais votado era o prefeito. Os vereadores trabalhavam de segunda à quinta-feira como secretários municipais, e só se dedicavam aos afazeres legislativos apenas às sextas-feiras. Noto que no Brasil, no presidencialismo, as câmaras municipais parecem ter gente demais para serviço de menos. No nosso passado, elas eram bem mais eficientes e eficazes. Evitava desperdícios.
P8 – Mudando um pouco a direção da entrevista, gostaria de saber como foi a saída da Família Imperial naqueles dias do infame golpe militar que derrubou a monarquia e implantou a dita república sem apoio popular algum?
R8 – Foi muito triste, caro Gastão. Imagine que nos forçaram a embarcar às três horas da madrugada, com medo da reação popular, caso fosse à luz do dia. Foi muito difícil para mim e para a imperatriz, já idosos, passar do barco para o navio que iria nos levar para o exílio. Coisa de um pequeno grupo militares de positivistas, influenciados por Auguste Comte, que lhes dizia que assim como não havia liberdade em física e em química, também não deveria havê-la em política, onde deveria ser implantada uma ditadura científica. Para ouvidos de militares golpistas isto soava como música agradável.
R8 – Foi muito triste, caro Gastão. Imagine que nos forçaram a embarcar às três horas da madrugada, com medo da reação popular, caso fosse à luz do dia. Foi muito difícil para mim e para a imperatriz, já idosos, passar do barco para o navio que iria nos levar para o exílio. Coisa de um pequeno grupo militares de positivistas, influenciados por Auguste Comte, que lhes dizia que assim como não havia liberdade em física e em química, também não deveria havê-la em política, onde deveria ser implantada uma ditadura científica. Para ouvidos de militares golpistas isto soava como música agradável.
P9 – Mas que loucura, Dom Pedro, querer dar ordem unida, manu militari, à sociedade civil, que lhes pagava (e paga, até hoje!) o soldo sem ouvi-la? Como aceitar algo desse tipo na condução de uma sociedade?
R9 – O que mais me impressionou ao longo desses mais de 130 anos de República foi a persistência desse padrão autoritário. A raridade de plebiscitos no Brasil para ouvir o povo é sintomática. Aliás, deixou de ser ouvido, muito menos semanalmente, como era no meu tempo. O dinheiro público (impostos) não está sendo usado em benefício do povo. Tudo isso me deixa muito triste.
Nota: Digite no Google “Dois Minutos com Gastão Reis: A atualidade de Dom Pedro II”. Ou link: https://www.youtube.com/watch?v=gaQbFqV07zM&t=10s
E-mail: gastaoreis2@gmail.com
R9 – O que mais me impressionou ao longo desses mais de 130 anos de República foi a persistência desse padrão autoritário. A raridade de plebiscitos no Brasil para ouvir o povo é sintomática. Aliás, deixou de ser ouvido, muito menos semanalmente, como era no meu tempo. O dinheiro público (impostos) não está sendo usado em benefício do povo. Tudo isso me deixa muito triste.
Nota: Digite no Google “Dois Minutos com Gastão Reis: A atualidade de Dom Pedro II”. Ou link: https://www.youtube.com/watch?v=gaQbFqV07zM&t=10s
E-mail: gastaoreis2@gmail.com

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