Convoquei o conselho de amigos para discutir a questãoArte: Kiko

O gavião chega aqui, pelos céus de Água Santa, todo dia pontualmente às 5h30. Não que eu fique à espreita esperando por sua chegada. Mas, quando o piado daquela ave vem ferir os meus ouvidos, eu vejo que está na hora de acender a lanterna e partir para o quintal na tentativa de afastar o invasor. Não me perguntem por quê, mas minha estratégia vem sendo jogar um foco de luz forte sobre a ave, que chega sempre quando a manhã ainda é tímida e a luz pouca. Para isso, ainda guardo a lanterna cromada da marca Winchester, modelo flashligth, que funciona com pilhas grandes.
A patroa, volta e meia, reclama do gasto com a compra de insumos. Mas é preciso estar sempre pronto, afinal, gaviões estão entre as aves mais rápidas. E os amigos sabem, não se trata de desrespeito à fauna, mas com tanto lugar para caçar passarinhos, esse aqui tinha justamente que invadir meu espaço aéreo?
Preocupado com a repercussão negativa junto aos ornitólogos e não querendo ser eu mesmo aquele que promove o desequilíbrio ambiental, convoquei o conselho de amigos para discutir a questão. Como é muito cedo, passei um café fresquinho e servi as rosquinhas compradas na feira de domingo do Engenho de Dentro, que são sempre muito fresquinhas e crocantes.
Ibiapina, que não tem quintal, mas terraço, e não tem plantas, comenta que tem percebido um movimento maior de aves de rapina nessa época do ano.
–  Li que, com a chegada de outono, aumenta o movimento migratório de espécies que não são comuns por aqui.
E já preparado para a discussão, Nelson diz que leu no google que o Brasil tem cerca de 100 espécies de aves de rapina.
– O Brasil concentra o maior número de rapinantes do mundo – dispara, provocando, primeiro, um certo espanto, e depois a gargalhada, como se o amigo tivesse falado a coisa mais óbvia do mundo.
–  Sim, mas a espécie humana é mais comum – comenta Fred.
E já estamos enumerando as proezas de nossos rapinadores.
Enquanto os alados buscam passarinhos, morcegos, ratos e insetos, os nossos predadores humanos caçam de tudo: até mesmo grades de condomínios, encanamentos de gás, fiação de energia e telefonia, e assim seguem...
Pegariam até mesmo a lanterna que eu uso para afugentar o invasor aqui de casa.
Os amigos decidiram que é melhor ficarmos com os gaviões a essas outras rapinas.