Daniel SoranzErbs Junior

Médico sanitarista, especialista em Medicina de Família e Comunidade, com mestrado em Políticas Públicas de Saúde e doutorado em Epidemiologia, Daniel Soranz é o atual secretário municipal de Saúde do Rio de Janeiro, cargo que ocupou anteriormente, entre 2014 e 2016, participando da expansão recorde da Estratégia de Saúde da Família na cidade, de 3,5% para 70%. Em entrevista à coluna, Soranz falou sobre o trabalho de prevenção contra a dengue para o verão e contou uma novidade. "Podemos já adiantar que no ano que vem testaremos a vacina contra a doença, a Qdenga, na região de Guaratiba".
Secretário, qual é hoje o principal problema a ser enfrentado pelo governo do Rio para melhorar o setor de saúde?

A Prefeitura investiu muito em sua rede própria e na contratualização de serviços e, com isso, praticamente triplicamos a oferta de vagas, saindo de 799,5 mil, em 2020, para 1,5 milhão, até agosto de 2023, com projeção de chegar a 2,2 milhões no fim deste ano. Mas a alta complexidade no SUS – como oncologia, cirurgia bariátrica – é competência do Estado e do Ministério da Saúde, e hoje nosso maior gargalo é justamente para esses procedimentos. As produções das redes estadual e federal, infelizmente, não acompanharam o crescimento da demanda. Muito pelo contrário, em alguns casos, a produção reduziu. Só para a gente ter uma ideia, em 2020, o município respondia por 76% de todas as vagas oferecidas no SISREG. Em 2023, esse percentual subiu para 87%. Isso quer dizer que a participação dos outros dois entes, juntos, caiu no período de 24% para 13%. A Secretaria Municipal de Saúde até assumiu alguns serviços que não eram de sua competência, para ajudar a minimizar essas filas, como são os casos do pet scan e eletroneuromiografia, por exemplo. Mas não conseguimos assumir tudo. Precisamos que os outros entes também aumentem suas produções para atender a população.

O que significa a expressão que o senhor tem usado "nossas filas zeradas"?

Quando assumimos em 2021, a fila no SISREG correspondia a 340,5 mil solicitações e havia outras 269 mil pessoas sido devolvidas para as unidades de Atenção Primária e também aguardavam agendamento. Considerando o somatório de todas as solicitações no SISREG e as paradas nas clínicas da família e centros municipais de saúde, havia 609,5 mil pessoas à espera de algum agendamento. Tinha gente esperando havia oito anos. Tecnicamente a fila é considerada zerada quando o agendamento acontece em até 60 dias. Ou seja, a pessoa entra hoje no SISREG e em menos de dois meses já tem seu agendamento para o exame ou consulta especializada. Atualmente, devido ao aumento do número de solicitações – até porque a crise econômica fez muita gente perder o plano de saúde – temos filas ainda expressivas, mas o tempo de espera reduziu de 160 para 81 dias, de 2020 para cá. Hoje, mais da metade das pessoas que aguardam uma vaga entraram no SISREG há menos de 60 dias. Somente 7%, o que representa 7,7 mil pessoas, estão há mais de seis meses na fila. Não tem ninguém hoje que tenha entrado no SISREG de 2021 para trás. E mesmo de 2022 são apenas cerca de 100 pessoas que ainda não foram atendidas, principalmente porque as indicações para elas são de procedimentos de alta complexidade, que não são competência do município.

A chegada do Super Centro da Saúde terá impacto na fila do Sisreg?

O Super Centro Carioca de Saúde é uma das principais iniciativas da Prefeitura do Rio para zerar a demanda reprimida anterior no SISREG e reduzir os tempos de espera para consultas e procedimentos. São três unidades no complexo: o Centro Carioca de Especialidades, que foi inaugurado em outubro de 2022; o Centro Carioca do Olho e o Centro Carioca de Diagnóstico e Tratamento por Imagens, esses dois últimos inaugurados em fevereiro deste ano. Em um ano de funcionamento, o Super Centro Carioca de Saúde já realizou mais de 530 mil atendimentos/procedimentos. São mais de 400 médicos em especialidades e procedimentos que tínhamos grande demanda e pouca oferta e que agora, com a ajuda do Super Centro, estamos conseguindo dar vazão e muitas dessas filas já foram zeradas, entre elas tratamento de glaucoma, cardiologia, neurologia, pneumologia, nefrologia, ortopedia, angiologia, entre outras. Inclusive é no Centro Carioca de Diagnóstico e Tratamento por Imagens que temos equipamentos de última geração, incluindo aqueles que realizam procedimentos que não são competência do município, mas que assumimos para conseguir atender à demanda reprimida, como é o caso do pet scan, um equipamento importantíssimo para o diagnóstico precoce de alguns tipos de câncer.

A base de atendimento hospitalar do Rio recebe pacientes de outras cidades. Qual é a orientação para os servidores quando se depararem com os exames e procedimentos que seriam de outros lugares que não nossa cidade?

Nós temos no SUS duas portas de entrada. Uma é pelas unidades de urgência e emergência, que são as UPAs e, aqui no Rio, os centros de emergência regional (CER) e hospitais como o Souza Aguiar, o Miguel Couto, o Albert Schweitzer. Esse atendimento é por demanda espontânea para casos de emergência, independentemente de onde o paciente resida. É a pessoa que está passando mal, que se acidentou, que foi baleada, que sofreu algum trauma. É um caso de emergência e ela será atendida. A outra porta de entrada é a Atenção Primária, que oferece os cuidados de prevenção e promoção da saúde e faz o gerenciamento do atendimento ambulatorial ou eletivo, encaminhando os pacientes via SISREG para os serviços e procedimentos especializados. Essa assistência é territorializada e cada município é responsável pela atenção de saúde de seus cidadãos. A Prefeitura do Rio está investindo este ano 18,26% de seu orçamento na saúde para dar assistência a seus munícipes. Os outros municípios precisam também prover a assistência dos seus próprios moradores, e o Estado prover serviços de média e alta complexidades, que são de sua competência, para auxiliar os municípios. Um problema muito grande que temos é o de moradores de outros municípios, com casos ambulatoriais ou eletivos, que não conseguiram atendimento em seus respectivos municípios e vêm para nossos hospitais de emergência em busca de atendimento. Mas esses não são casos de emergência e não temos como atendê-los. Repito: cada município deve prover assistência em saúde para seus próprios moradores. Unidades de urgência e emergência são para atender pacientes com casos de urgência e emergência e não casos ambulatoriais ou eletivos.

Qual a sua explicação para a baixa adesão ao programa de vacinação?

O Brasil tem o melhor programa de imunizações do mundo, que completou em setembro 50 anos. E podemos dizer que o sucesso do PNI é, por si só, uma das causas dessa baixa adesão à vacinação que temos observado desde 2012. O último registro de poliomielite no país foi em 1989. Desde 2008 não há caso confirmado de rubéola. Em 2016, havíamos recebido a certificação de eliminação do sarampo. No passado, as famílias conheciam a gravidade dessas doenças e corriam para vacinar seus filhos. Hoje, justamente graças às campanhas de vacinação, essas doenças não assustam mais e muitas pessoas já nem acreditam que elas existam. Na própria covid-19 a gente viu isso. Quando a pandemia estava causando muitas mortes, a adesão foi imensa. Quando, justamente graças à vacinação, conseguimos reduzir a transmissão e as mortes, as pessoas começaram a relaxar, parece que perderam o medo. Mas isso é um erro! É claro que também não podemos esquecer do negacionismo lamentável que vimos de uns tempos para cá, que colocou em xeque todo um trabalho sério de gerações de sanitaristas e infectologistas brasileiros. Uma pena que tenhamos chegado a este ponto no país que teve o grande Oswaldo Cruz como um ícone da saúde pública.

O verão está chegando. A dengue é uma preocupação? Como enfrentá-la?

As arboviroses são uma preocupação constante da Secretaria de Saúde e fazemos um trabalho de prevenção ao longo de todo o ano. No verão, que é a época da sazonalidade da doença, reforçamos as ações. Só este ano nossos agentes de endemia já fizeram quase 9 milhões de vistorias em imóveis para busca e eliminação de possíveis focos do Aedes aegypti. Mas a Secretaria de Saúde sozinha não consegue resolver esse problema, porque a grande maioria dos focos do mosquito está em residências e imóveis particulares e a responsabilidade dos cuidados dentro das casas é dos moradores. O LIRA a que fizemos agora no início de outubro confirmou isso: 34% dos criadouros estavam em depósitos móveis como vasos/frascos com plantas, pingadeiras, recipientes de degelo de geladeiras, bebedouros e objetos religiosos; e 19% em tonéis, barris, tinas, filtros e cisternas. As pessoas precisam cuidar das suas casas para evitar que o mosquito nasça. Claro que estaremos sempre a postos, fazendo nosso trabalho e prontos para ajudar o carioca que pedir ajuda pelo 1746. Mas precisamos que a população se conscientize e faça o que lhe cabe. Este ano, como tivemos um inverno atípico, muito quente, o aumento dos casos de dengue veio mais cedo. E também temos a presença de um tipo de vírus que pouco circulou nos últimos anos, o que faz com que mais gente esteja suscetível à doença. Na Secretaria de Saúde fazemos um trabalho muito cuidadoso de monitoramento epidemiológico da dengue, dos sorotipos circulantes, de georeferenciamento do mosquito, atuando sempre nas regiões da cidade com maior risco e maior número de casos. O último LIRA mostrou que a cidade como um todo está com índice de infestação predial (IIP) de 0,66%, o que é considerado baixo risco. Mas há áreas da cidade, sobretudo na Zona Oeste, em que IIP está superior a 3,9% e isso nos preocupa e estamos focando nossas ações nessa região. E uma novidade boa que podemos já adiantar é que no ano que vem testaremos a vacina contra a dengue, a Qdenga, na região de Guaratiba. Mais uma ferramenta importante que teremos em mãos para combater essa doença que há tantas décadas assusta os cariocas.

Como vão funcionar as parcerias público-privadas na área de saúde?

As parcerias público-privadas são uma modalidade de contrato entre o poder público e a iniciativa privada para a execução de um serviço de interesse da população. Vários países e cidades brasileiras usam modelos semelhantes. A empresa fica encarregada de fazer um grande investimento a curto prazo, de executar e operar o serviço, em contrapartida é remunerada pelo poder público a longo prazo. O Souza Aguiar é o primeiro hospital que terá uma PPP e quero deixar bem claro que ele continuará sendo público e atendendo os pacientes pelo SUS, nada mudará em relação a isso. Os médicos, enfermeiros e demais profissionais assistenciais continuarão sendo funcionários da Prefeitura. Apenas os serviços que já eram terceirizados, como vigilância, limpeza, manutenção, etc, é que passarão para a gestão do consórcio particular. Serão R$ 850 milhões em investimentos para modernizar o Souza Aguiar e as outras duas unidades que fazem parte do complexo de saúde do Centro, que são a Maternidade Maria Amélia e o CER Centro. Em pouco tempo, teremos unidades modernas para receber os pacientes com o conforto que eles merecem. Teremos construções novas, aumento do centro cirúrgico e da capacidade de atendimento, e o Souza Aguiar, que já é uma referência, será o melhor hospital da América Latina.