Colunista Rafael Nogueirareprodução

Desde que entrei na vida pública, a invenção de teorias sobre o que come, pensa e faz quem está aí, vivinho da Silva, é algo que me dá náusea. Fui vítima disso quando um pessoal afobado achou que tirar de contexto duas ou três frases minhas, e pressupor que sou um monstro moral para dar a elas as piores interpretações, era fazer jornalismo. Bastava me perguntar: "Você disse isto? Se disse, por que o disse?"
Por essas e outras, tomo muito cuidado quando falo de 2013. Gosto de pensar no assunto porque ele foi o ponto de mutação da vida política brasileira. Mas resisto como ao diabo à tentação de falar dele só de forma abstrata. Que fazia eu, afinal, em 2013?
No final de 2012 quis sair do país para tirar um ano sabático. Descrente do futuro do Brasil, sentia-me desgastado por questiúnculas burocráticas, preso ao mais elementar, ao mais repetitivo do dia-a-dia. Então viajei aos Estados Unidos. E lá fiquei por um tempo. Mas, como sabemos todos, quem tira ano sabático é rico. E rico eu estava longe de ser. Na prática, então fiquei para estudar e procurar emprego.
Passei meses escrevendo um livro que nunca publiquei (mas que depois virou filme e série) e indo atrás de trabalho. Depois de visitar muitos museus e lugares históricos, e de fazer compras irresponsáveis, o dinheiro acabou. Sem livro nem emprego, voltei ao Brasil.
Mais experiente e cheio de ideias, querendo inovar e ao mesmo tempo conservar, estava confiante de que desta vez faria a diferença. Ensinaria melhor do que nunca, escreveria artigos e livros, faria filmes e séries, participaria, enfim, da “revolução brasileira”.
E não é que, naquele instante, começava mesmo uma revolução nas ruas? Logo desconfiei que os revoltados profissionais tentariam nos arrastar para suas utopias soviéticas. E meu sonho não era esse. No 13 de junho de 2013, fiz uma palestra à Câmara Municipal de Santos sobre José Bonifácio, para celebrar seus 250 anos, e para contar para todo mundo qual era o tal sonho. Com as palavras do Patriarca, defendi que as Letras, as Ciências e as Artes fazem a grandeza dos povos.
Ao final, jovens invadiram o salão, derrubando e quebrando objetos, cuspindo em vereadores, gritando umas coisas. Puxei um de canto e perguntei: “Qual é o teu partido?” Ele respondeu: nenhum. E emendou: "Sou um cidadão brasileiro". Aquilo parecia diferente. Aquilo era diferente.
Nas redes sociais, achei que deveria pedir cautela e moderação. Ao mesmo tempo, torcia para que as pessoas parassem de deixar a política de lado. E que assumissem seus deveres de cidadãos. Uma maior politização — evidente que “maior” não significa “total” — poderia estimular intelectualmente o povo, o que facilitaria o caminho para aquilo que eu julgara ser o melhor dos mundos. Permitiria ampliar a democracia para as vozes caladas pela hegemonia cultural vigente. Pari passu, poderíamos enfim lutar pelos livros, pelo cinema, pela Educação e pela Ciência.
E você, leitor, onde estava naquele junho de 2013?
Rafael Nogueira é professor de História, presidente da Fundação Catarinense de Cultura e ex-presidente da Biblioteca Nacional