Colunista Rafael Nogueirareprodução

Com alguma frequência o jornalismo se acomoda em versões oficiais. E perde aos poucos o contato com a realidade. E com as fontes que nos abrem janelas a ela. Depois de um tempo, por praticidade, preguiça ou interesse, uns replicam os outros, num processo de retroalimentação de narrativas, que termina por causar incompreensão e produzir amnésia.
As revoltas de 2013, por exemplo, aparecem em muitos jornais que apenas colecionam o que já havia sido publicado antes, apenas reorganizando as informações para o gosto do freguês. Com linha do tempo. Protagonistas ontem e hoje. Fatos marcantes. Estado atual da questão da mobilidade pública.

Não importa o que os grupos queriam de verdade. Só o que alegavam. Não importa tudo o que aconteceu nas redes sociais; só nos jornais. Não importam todas as lideranças que se consagraram de fato, só as que lideravam movimentos tais e quais, respeitadas pelos governos e pela mídia oficiais à época.
Aquele junho teve dois momentos. O primeiro é mal interpretado; o segundo, quase ninguém entende. O primeiro teve nos grupos de esquerda sua origem, e em seus líderes o protagonismo. É fato: para aprofundarem sua revolução, eles planejavam há mais de década esse pulular de manifestações pelo Brasil. A pauta incendiária tinha que ser a do transporte; as outras não saíam da própria bolha.
Ato contínuo, negaram que era só isso. Seria então pela saúde, pela educação, por uma nova constituição também... Com o mote “não é só pelos 20 centavos”, abriram caminho ao programa Mais Médicos, que trouxe um grande número de cubanos ao país, ao aprofundamento da tomada ideológica da juventude pela BNCC e pelo secundarismo aparelhado, e à proposta de nova constituinte, feita pela presidente da República.
O povo aderiu às revoltas, não às propostas. Esse foi o segundo momento.
Conduzir uma massa amorfa, inconsciente, sem identidade é tarefa fácil para revolucionários treinados. Mas o brasileiro não se deixou levar. Com ouvidos abertos a soluções mais inteligentes, cidadãos sem partido levantaram novos protagonistas, que ou davam soluções melhores para as questões de saúde, educação e direito, ou apresentavam o problema de outra forma.
Isso me lembra um filme: Tropa de Elite.
Não exatamente pelo seu roteiro, mas pela história do filme. A obra alcançou grande sucesso em bilheteria, e foram notabilizados e premiados alguns de seus atores e seu diretor. A meu juízo, com justiça. Mas quem roubou a cena mesmo foi o capitão Nascimento. Virou herói. E quem achou que ali fazia um panfleto anti-polícia, quebrou a cara.
De 2013, pouco ficou do que queriam as lideranças iniciais. Não houve revolução socialista, e o passe livre cresceu lentamente, como cresceria sem manifestação. Só com sensibilização e diálogo. Esse enredo deixou na memória também um herói. Também um capitão.