Rafael Nogueira Divulgação
O falecimento do Papa Francisco encerra um ciclo que, gostemos ou não, moldou profundamente a vida da Igreja.
Muitos, porém, não esperaram sequer que o corpo esfriasse. Já se entregavam às especulações sobre o conclave, às listas de horrores atribuídos ou imputáveis ao Papa morto. Esquecem que há uma cortesia doméstica, uma educação cristã — e um senso básico de honra. Quando Isabel e Fernando venceram o sultão em Granada, e ele, que matara tantos cristãos, se apresentou diante dos reis católicos, não foi humilhado. Mandaram que ficasse de pé. Era um inimigo, mas era um rei. E havia morrido o seu reino. Francisco, por sua vez, morreu. E muitos católicos, que se julgam seríssimos, não lhe concederam sequer esse gesto.
Outros, com igual ligeireza, contentaram-se em rotulá-lo de comunista. Reduziram o pontífice a uma caricatura ideológica, como se fosse um agente da esquerda com batina. Alguns até o faziam com orgulho, como se o epíteto comunista pudesse ser aceito como elogio, desde que se cuidasse do povo. Mas nem a leviandade dos rótulos, nem a inversão das virtudes, servem à verdade.
Tenho vergonha disso. Não apenas da pressa em desenterrar rancores, mas da pobreza de espírito com que tantos tentaram se aproveitar do Papa com dois ou três chavões. Dói ver que, mesmo diante da morte, faltaram compostura, inteligência e — sobretudo — caridade.
Tenho vergonha disso. Não apenas da pressa em desenterrar rancores, mas da pobreza de espírito com que tantos tentaram se aproveitar do Papa com dois ou três chavões. Dói ver que, mesmo diante da morte, faltaram compostura, inteligência e — sobretudo — caridade.
Mas chegou a hora de falarmos em público da sucessão. Os historiadores — os de verdade, que trabalham com o passado, não lidando com os ânimos e interesses do momento — avaliarão melhor quem foi Bergoglio. Nosso dever agora é outro.
Com sua morte, termina um Papado e somos chamados a um exame de consciência: sobre nós, sobre nossos tempos, sobre o que fizemos — e deixamos de fazer — sob sua condução.
A Cátedra de Pedro permanece. A Igreja continua. E Deus, que nunca abandona a obra de suas mãos, já prepara novos instrumentos para novos combates.
Francisco assumiu o timão da Barca de Pedro em águas revoltas. E se confundiu tantos quanto consolou, foi para lembrar ao mundo que a Igreja não é tribunal de justos, mas hospital de pecadores.
Conversões surgiram, reencontros discretos aconteceram, faíscas de fé iluminaram desertos. Posso dizê-lo por experiência: foi sob seu pontificado que retornei, depois de décadas de afastamento, à comunhão da Igreja. No Natal de 2018, após longos anos de apostasia juvenil, comunguei novamente, como filho reencontrado. Se hoje lamento as ambiguidades de seu tempo, não ignoro que a graça que me trouxe de volta passou, misteriosamente, pelo tempo de Francisco.
A Igreja, porém, sangra. Ideologias invadiram púlpitos, rivalidades corromperam consistórios, a confusão contaminou os simples.
O próximo conclave não será uma escolha administrativa: será uma batalha silenciosa, onde o eleito precisará ser mais que um nome de facção — deverá ser um pai. Um homem que olhe para o alto enquanto o mundo tenta puxá-lo para baixo; que saiba que a salvação da Igreja não virá pela submissão, mas pela fidelidade ao que nunca mudou.
O próximo conclave não será uma escolha administrativa: será uma batalha silenciosa, onde o eleito precisará ser mais que um nome de facção — deverá ser um pai. Um homem que olhe para o alto enquanto o mundo tenta puxá-lo para baixo; que saiba que a salvação da Igreja não virá pela submissão, mas pela fidelidade ao que nunca mudou.
Entre os jovens, cresce uma sede que não pede novidades de feira. Pede raízes. Pede solidez. Pede, como São Paulo, alimento sólido, não leite ralo.
São eles que clamam por um Papa que corrija os desvios recentes e busque, sem medo, o ouro da tradição: a doutrina íntegra, a liturgia sagrada, o heroísmo silencioso dos santos, a reverência diante do Mistério.
Não se trata de saudosismo. É a simples consciência de que um mundo que perdeu a esperança não se converte por concessões.
A secularização avança. E nas periferias germinam os rebentos.
Na África, na Ásia, na América Latina, e até nos becos do Ocidente fatigado, nasce uma geração que quer a Cruz, o Altar, o Céu. Não slogans. Não sociologia com batina. Querem o que sempre quiseram os santos. E se pedem ouro, não lhes sirvamos latão; se pedem santidade, não lhes vendamos mediocridade.
Francisco partiu. A Igreja permanece. Mas o que virá depende da nossa vigília e das nossas orações.
É hora de rezar mais do que calcular. Rezemos pela alma de Francisco. Rezemos pelos cardeais. Rezemos para que venha um restaurador da fé, um pregador da verdade, um pai para este século órfão, um guardião da esperança num tempo de desespero.
É hora de rezar mais do que calcular. Rezemos pela alma de Francisco. Rezemos pelos cardeais. Rezemos para que venha um restaurador da fé, um pregador da verdade, um pai para este século órfão, um guardião da esperança num tempo de desespero.
Deus, que já salvou a Igreja de abismos piores, também agora saberá guiá-la. A nós cabe a tarefa mais antiga e mais nova: orar, vigiar e confiar. E, por que não, dizer em público as expectativas com que sonhamos, para que saibam os cardeais que Cristo ama sua Igreja, e a hierarquia é grau de servidão, não privilégio. O trono de Pedro é antes cruz que cátedra; quem nele se senta, se for fiel, não manda e desmanda — se oferece. Que venha, pois, um sucessor que não tema os espinhos, que não curve a fronte às modas, e que nos reconduza, com voz firme e mãos marcadas, à verdade do Evangelho.
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