O Beijo no Asfalto - divulgação
O Beijo no Asfaltodivulgação
Por *BARBARA SARYNE

Rio - Foi de um jeito tímido, como se ainda não conhecesse o ramo, que Murilo Benício se apresentou pela primeira vez como diretor de cinema. Humilde, o artista admitiu que pensou em desistir do filme 'O Beijo no Asfalto', que estreia na próxima quinta-feira, mas o apoio dos amigos e de Débora Falabella fez a diferença nas horas mais difíceis.

O longa, que conta com a participação de Fernanda Montenegro, aposta em uma linguagem diferenciada e foi um desafio e tanto para Murilo, já que adaptar obras de Nelson Rodrigues são sempre uma honra com misto de frio na barriga. Para ele, a parte mais complicada foi conseguir apoio financeiro para seguir com o projeto. Além disso, começar na função com o texto de um ídolo, sem fazer alteração nenhuma, também aumentou o nível de dificuldade.

"O pior foi o acúmulo de funções, mas o resto até que foi tranquilo porque foi um filme de amigos, então todo mundo estava junto, querendo atingir o mesmo objetivo. Eu me preocupei em chegar no set já com tudo na cabeça para não ficar sem saber o que fazer, onde colocar a câmera. Todas as cenas foram desenhadas porque eu pensava na minha falta de experiência", afirma o mais novo diretor.

A ideia de produzir o filme com um texto escrito há 60 anos surgiu quando Murilo assistiu ao espetáculo "A Serpente", na companhia de teatro de Débora Falabella. Lá, o artista pensou muito sobre o quanto as obras de Nelson Rodrigues são impactantes e atuais. A história de 'O Beijo no Asfalto', por exemplo, aborda a intolerância, homofobia, machismo e até as fake news, muito discutidas recentemente.

"Estamos vivendo um período em que o filme está ainda mais atual. Eu me vejo, daqui a seis meses, fazendo uma peça que vai ser censurada. Eu tenho esse medo. A sociedade está com um pé muito atrás", defende Débora. Para a atriz, o fato de Murilo ter acreditado no potencial do longa e não ter desistido por falta de patrocínio foi muito importante, pois as pessoas ainda precisam conhecer Nelson Rodrigues.

"Ele é o nosso maior dramaturgo. Esse cara era para ser conhecido por todo mundo, ser estudado, deveria ter um museu sobre ele, mas as pessoas não conhecem", lamenta a artista. "Agora, a gente vai entrar em um momento muito difícil, mas a minha esperança é que essa também pode ser a hora de a arte tocar as pessoas", completa ela.

BASTIDORES

Não satisfeito com o tamanho do desafio que assumiu ao dirigir 'O Beijo no Asfalto', Murilo ainda resolveu gravar o longa todo em preto e branco, transitou entre o cinema e o teatro ao fazer as cenas em um palco e inseriu "notas de rodapé" ao longo da história mostrando a preparação dos atores, leituras do texto e observações ricas sobre Nelson Rodrigues em cenas que Fernanda Montenegro fica em evidência.

"Eu sabia que a ideia de mostrar os bastidores daria mais trabalho porque foram mais de quatro horas de discussão, então eu tinha que saber usar essas imagens para não puxar o freio de mão na história, mas fiquei satisfeito com o resultado. Quando terminamos o filme, eu ainda tinha dúvida se ele deveria se chamar 'Beijo, o Processo', mas a gente preferiu deixar o título do Nelson Rodrigues mesmo", explica Murilo.

A ideia, é claro, não surgiu apenas para dar mais trabalho ao diretor. Como apreciador da arte desde a infância, Murilo diz que tinha curiosidade de entender como funcionava os bastidores dos filmes que mais gostava e concluiu que outras pessoas também podem ter a mesma dúvida, por isso resolveu trabalhar com essa narrativa em seu primeiro filme como diretor.

"Acham, às vezes, que o trabalho do ator é muito raso. E, ali, é o momento que você percebe que é árduo, que vai a fundo mesmo. A gente não pega um texto, decora e sai falando. O trabalho do ator é muito maior e eu achava interessante dividir isso com o público", afirma ele, que naturalmente não passou apenas por dificuldades durante o processo de gravação do filme.

Um dos "presentes", que facilitou muito a jornada de Murilo à frente da obra de Nelson, foi a participação de Fernanda Montenegro no elenco, por exemplo. "Eu não ia chamar a Fernanda para o filme porque a Fernanda não é alguém que se convida, mas o Andrucha (Waddington) me encorajou. Ele botou muito isso na minha cabeça. E aí foi lindo, o projeto foi para outro lugar com a presença dela", diz Benício.

A própria carreira como ator também contribuiu na hora de dar as coordenadas para a equipe. "Eu acho que uma das coisas que me anima muito a dirigir é esse contato com os atores. Eu tenho muitos anos de experiência atuando, então eu sei o que eles estão sentindo em todos os momentos. Eu sei quando o ator está com uma dúvida porque em algum momento eu já tive aquela dúvida. Isso ajuda muito. Essa troca foi o que mais me encantou ao dirigir", conta.

A parceria e amizade com Lázaro Ramos, que segue firme desde a novela "Geração Brasil" (2014), também fez Murilo confiar que o protagonista da história, Arandir, estava em boas mãos. "A gente fica pesquisando, procurando nos atores algumas características. Mas foi bem na intuição. E o Lázaro fez um trabalho lindo, como eu imaginava que faria", avalia o diretor, lembrando que a história começa quando o protagonista beija um rapaz atropelado, agonizando, mas vira alvo de preconceito. "Esse filme é lindo porque mostra que até na hora da morte o ser humano é julgado", emenda Débora. 

*Correspondente em São Paulo

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