Por tabata.uchoa
Daniela Mercury conta que ela tomou a iniciativa e paquerou MaluFernando Souza / Agência O Dia

Rio - "Eu tenho ciúme, fico louca... Não procure conversa na minha frente, porque vai ter barraco”, avisa Daniela Mercury. “Que isso? Você não faz barraco nunca”, afirma Malu Verçosa.

“Não faço ainda, porque não precisou. Tem alguma dúvida disso?”, rebate Daniela. Essa pequena DR, bem-humorada, diga-se de passagem, acontece no meio da entrevista, que segue com várias interrupções, seja por divergências de opinião — afinal, são duas leoninas — reiterações, declarações de amor e até um beijo. Como seria com qualquer casal.

Elas receberam a ‘Já É! Domingo’, no hotel Windsor Atlântica, para falar sobre o livro ‘Daniela & Malu — Uma História de Amor’ (editora Leya, 192 págs., R$ 29,90). E o papo foi além: preconceito, é claro, sexo, sedução, casamento, família...

“O que poderia ter derrubado um pequeno muro derrubou muralhas de preconceito. No meio desse furacão de acontecimentos, fomos convidadas para escrever o livro (“que eu já tinha começado a escrever”, interrompe Malu). No Brasil, por mais que já fosse normal as pessoas conviverem com casais gays, nenhum artista que tenha essa capacidade de comunicação falou de maneira tão clara sobre o assunto. E, no momento em que tudo estava acontecendo, deu vontade de documentar isso. Foi esse amor que fez tudo acontecer, que nos fortaleceu e deu garra para enfrentarmos o que viesse pela frente”, explica a cantora.

Daniela conta que foi ela quem tomou a iniciativa e paquerou Malu. A jornalista desabafa sobre a perda de privacidade com o anúncio do romance. “Mas não me arrependo de nada”, deixa claro. Fotos, detalhes da paixão avassaladora, declarações íntimas, letras de canções, como ‘Amor Sem Argumento’, que Daniela fez para a mulher no dia do casório, e poemas eróticos compõem as 192 páginas. “Ela é um poço de sedução, uma loucura. O amor entre mulheres tem suas minúcias, mas também é importante o corpo, a bunda... Ela é linda”, derrete-se a jornalista.

“O sexo entre nós é muito bom, mas estou parando de fazer propaganda porque ela já está sendo muito celebrada, muito paqueradinha”, brinca Daniela. Ela esclarece que, apesar do sucesso, não é fácil expor a vida pessoal. “Não estou acostumada, por incrível que pareça. É a primeira vez que eu falo de sentimentos tão íntimos. Tenho alguns textos mais eróticos, mais quentes, que pretendo publicar e transformar em canções. Gosto muito de poesia e acho que tem que desmistificar a coisa do sexo entre dois homens e duas mulheres, mesmo. É legal que as pessoas quebrem essa barreira. Um amigo nosso comentou outro dia: ‘O amor entre duas mulheres deve ser mais calmo, né?’ Fique achando que é mais calmo...”, entrega a cantora.


Daniela Mercury e Malu Verçosa estão casadas há dois mesesDivulgação

Casada há dois meses com Malu em regime de comunhão parcial de bens, a artista reafirma a decisão de ter oficializado o relacionamento no civil, com direito às duas vestidas de noiva e festa. “Como mulher, não me sinto tolhida de fazer absolutamente nada, porque sei usufruir das leis a meu favor, sei do meu poder como pessoa e não me sinto com menos direitos do que ninguém. O meu sexo não atrapalha as minhas conquistas como cidadã.”

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Nenhuma das duas se sente à vontade para falar de relacionamentos anteriores, e elas enfatizam que traição é intolerável. “Não viramos um símbolo de amor para o mundo à toa, não estamos aqui de brincadeira. A lealdade é questão fundamental para nós”, diz Daniela. Malu reforça: “Se alguém me paquerar, eu é que vou me sentir ofendida, não é ela que vai reclamar. A pessoa sabe que sou casada, que estou apaixonada, que não tem espaço e fica mandando gracinhas em rede social publicamente, aí eu bloqueio.” Casamento aberto, nem pensar. “Não nasci para isso. Deus me livre de ver Daniela beijando outra pessoa. Você ia aguentar? Isso não existe. Não admito traição, nem ela. Nossa relação é fechada.”
Enquanto algumas emissoras resistem em mostrar um beijo gay em horário nobre, o casal Daniela e Malu faz isso ao vivo e sem roteiros. “Tem que beijar mesmo. Tem que mostrar da mesma forma que mostra o casal heterossexual. As pessoas não têm que viver mais escondidas”, frisa a jornalista. Daniela exemplifica.
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“A gente se beija em qualquer lugar, na fila de embarque, com uma multidão nos lugares. É bitoca assim, ó!”, mostra a cantora com um selinho. Mas a luta não é fácil. “Não acredito que a gente transforme todo mundo. Sempre vai haver preconceito com a diferença, porque tem gente que acha que sua crença vale mais do que a do outro, que seu jeito de agir é mais certo que o do outro. No fundo, as pessoas tentam achar alguma forma de serem melhores que as outras. Elas podem até ter sua forma de pensar, mas são obrigadas a conviver e a respeitar as diferenças.” 
Daniela e Malu se beijam em qualquer lugar%3A 'Tem que beijar mesmo. Tem que mostrar da mesma forma que mostra o casal heterossexual'Fernando Souza / Agência O Dia


'Prefiro que me chame logo de gay'

As baianas não gostam de ser chamadas de bissexuais. “Porque é desagradável. Prefiro que me chame logo de gay, porque senão parece que estou escapulindo, encontrando rótulos no meio do caminho”, pede Daniela, que admite sofrer discriminação. “Não sinto tanto porque sou cara de pau, Malu também. A gente é espontânea, se abraça, se beija e tal, mas vê que quase todo casal gay se esconde, porque sente angústia dentro de uma sociedade que não vê com naturalidade. Fora do país, os homens se incomodam mais, fazem gracinhas, dá uma raiva. Mas a gente está dando a cara para bater. Estou mais blindada porque sou querida, famosa, e não é qualquer um que vai mexer comigo, porque sabe que vai levar uma bordoada”, avisa.

As demonstrações de carinho também acontecem dentro de casa, na frente das filhas adotivas, Ana Isabel, 3 anos, Ana Alice, 12, e Márcia, 15. “Elas tiram sarro, dizem: ‘Ah, lá vem as apaixonadinhas de novo, que enjoo...” Na escola da mais velha, Malu conta que a filha é ídolo: “Os colegas admiram a coragem da gente, entendem, estão na faixa de começar a namorar. É outra geração, outra cabeça. A de 12 anos, sim, ficou aflita de ir para a aula. Mas a professora levou o tema para a sala e viram que é uma coisa tranquila, que tem outros casais de mães e de pais, tudo ficou mais claro. A menorzinha, outro dia, falou: ‘Jaque também tem duas mães’”, lembra Malu, que cogita engravidar. “Mas elas são minhas filhas e já me sinto plena como mãe. Não sei se quero mais”, justifica. “Eu já teria engravidado”, instiga Daniela.
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Para quem critica a postura delas e acusa a cantora de querer se promover às custas de uma causa, ela se defende. “Sofrer preconceito é como ser enterrado vivo. Só quem vive é que sabe. Se alguém acha que o que eu fiz não precisava ser feito, se coloque no lugar de quem sofre e veja se é agradável. Fico muito feliz em, além de ser uma cantora querida do Brasil, ter podido, com meu testemunho de vida e com minha declaração de amor verdadeira por Malu, fazer tanta gente mais feliz. E eu lá tenho personalidade para ficar escondida? Em hipótese alguma”, alfineta. Malu acrescenta: “É rasa a consciência de algumas pessoas. Por não compreenderem, atacam, criticam e falam sem refletir. Vai estudar um pouco e tomar conhecimento da realidade homofóbica desse país. Não somos nós que vamos educar essas pessoas.”
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