Loki e CruellaReprodução/Montagem

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Juliana Pimenta
Rio - Já foi o tempo em que os vilões surgiam nas narrativas apenas para dificultar a vida do protagonista. Cada vez mais comum nos últimos anos, o movimento de contar a história por trás do comportamento problemático desses personagens vem se consolidando na indústria cinematográfica. Recém-lançados pela Disney, o filme 'Cruella' e a série 'Loki' são dois exemplos de como esse modelo tem feito sucesso.


O longa, que fala do passado da famosa vilã obcecada por filhotes de cachorro, já é um dos filmes mais assistidos nos cinemas no ano. Com distribuição simultânea no streaming da Disney, o número de pessoas acompanhando 'Cruella' foi ainda maior, o que acabou aumentando o burburinho nas redes sociais. O mesmo tem acontecido com a série 'Loki'. Com a liberação gradual da série, a continuação da história do irmão de Thor se mantém como um dos assuntos mais comentados da internet toda quarta-feira, quando estreia um novo episódio.

Novos olhares

Para o roteirista Renato Baroni, existe uma série de motivos que justificam todo esse investimento no universo dos vilões. A primeira análise está relacionada às possibilidades criativas geradas através de um novo olhar para a mesma história. "Um elemento bem básico é a inovação. As histórias do ponto de vista do herói já foram contadas e é mais difícil inovar dentro das mesmas nuances do que você ir realmente para o polo oposto. Mudar para o ponto de vista do antagonista é uma forma de inovar. Um personagem que não é exatamente um herói vai estar em um lugar onde mais possibilidades criativas vão estar à disposição e a história vai poder ir para lugares mais inusitados", destaca o especialista, que também apresenta o podcast 'O Roteirista Insone'.

Mas para Renato, as questões não se limitam à criatividade. Ele analisa a existência de um interesse mercadológico em atender às novas demandas sociais. "Eu percebo, nos próprios filmes da Marvel e da Disney, que há uma agenda para reparar algumas narrativas, que hoje são consideradas um desserviço. Eles estão querendo mostrar que as coisas não são tão 'preto no branco' como davam a entender. E isso envolve uma mudança de perspectiva. Você vai ver que em 'Frozen’' por exemplo, o príncipe bonito é o vilão. Em 'Capitão América 2', ele vai descobrir que estava trabalhando para uma organização secreta do mal o tempo todo. É uma agenda de reconstruir os discursos, o que acaba esbarrando nessa coisa de trazer a perspectiva do vilão em algumas das histórias", explica o roteirista.

Mesmo modelo

Apesar de estarem bombando no mercado atual, Renato traz exemplos que mostram que essa estratégia já vem sendo usada de forma satisfatória há alguns anos. "A gente realmente está em uma época em que isso é bem comum, mas anti-heróis e vilões em posições centrais de histórias não são tão novidade assim. Você vê 'Breaking Bad' que foi uma série de sucesso e o protagonista foi basicamente o vilão da história. Assim como em produções como 'House Of Cards', 'Death Note' e os filmes 'O Abutre' e o 'Coringa'. A gente está em uma fase que isso se mostrou comercialmente viável e interessante”, pondera o roteirista.

Identificação
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Mas não adianta ser interessante para as empresas e produtoras se o público não comprar a ideia. Então o que será que faz os espectadores escolherem as histórias de vilões para assistir? "A gente se interessa por esses vilões, a gente se identifica um pouco com eles. A gente sempre tem que fazer o espectador se identificar com o herói por alguma coisa que é externa a ele, que acontece, uma injustiça que ele sofre. Enquanto o personagem do vilão, ele, no fundo, no fundo, está falando da gente. A gente gosta, por exemplo, pegando o exemplo de sucesso do Thanos, dos 'Vingadores', porque ele tem motivo para querer o que quer, porque ele é obstinado. O que ele quer é ruim, mas ele tem razões que dão uma certa humanidade para ele estar querendo aquilo", analisa o roteirista que ainda vê de forma mais profunda essa relação herói versus vilão.

"Acho que o herói está ali para dizer um pouco sobre o que a gente pode ser, o que a gente deve tentar ser. Enquanto o vilão fala um pouco sobre quem a gente é e que, talvez, não devesse ser", completa.