Seu Jorge fala ao ’Fantástico’ sobre o episódio de racismo que sofreu em clube no Rio Grande do SulReprodução

Rio - O cantor Seu Jorge falou, em entrevista ao "Fantástico", na noite deste domingo, sobre os ataques racistas que recebeu durante show realizado no Clube Grêmio Náutico União, em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, no dia 14 de outubro. O artista contou que fez o show e as ofensas e xingamentos começaram depois de uma fala sobre a redução da maioridade penal. 
"Olha, eu fui, entrei, fiz o meu concerto. Em um determinado momento, fiz uma fala sobre a infância, adolescência. Entendo que, quando a gente trata da redução da maioridade penal, o foco atingido é a população jovem negra. Elisa Lucinda falou uma coisa muito interessante: 'ninguém confunde a Eliana com a Xuxa, uma Grazi Massafera com a Gabriela Prioli, sabe? Mas a gente vai preso confundido. É morto confundido.' Depois, eu saí do meu concerto e eu percebi vaias. O que é do jogo, né?", afirmou. 
Além das vaias, em vídeos que circularam na internet, foi possível escutar algumas pessoas da plateia fazendo sons de macaco. "Uma pessoa publicou as injúrias e foi ali que eu tomei conhecimento". Uma pessoa que estava no show e não quis se identificar contou ao "Fantástico" que presenciou como tudo aconteceu. 
"Estava tudo normal. O show maravilhoso. E aí ele apresentou o Pretinho (da Serrinha) e falou então sobre a juventude negra, sobre o negro da favela e que ele é contra a redução da maioridade penal. Nesse momento, as pessoas se transformaram. Foi um show de horrores, uma grosseria", disse a testemunha. Três pessoas foram até a delegacia especializada em intolerância denunciar o que aconteceu.
Em um dos depoimentos, uma delas afirmou que "pessoas que estavam do lado direito da pista começaram a se exaltar com as falas do cantor e proferiram injúrias raciais, vaias e xingamentos. Com imitação de som de macaco e xingamento de macaco". A delegacia instaurou um procedimento oficial de ofício, que é quando a investigação acontece mesmo que a vítima não tenha registrado boletim de ocorrência. 
De acordo com o "Fantástico", Lúcio Almeida, representante do núcleo de Pesquisa Antirracista da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, juntamente com o Movimento Negro Unificado do estado, fez uma denúncia ao Ministério Público assim que soube do caso. 
"O ato de racismo sofrido pelo Seu Jorge é um ato normal em nossa sociedade. Atos que ocorrem todos os dias e que, de certa forma, só tivemos o conhecimento porque se tratava de um grande artista. No Rio Grande do Sul, o negro e a negra sabem os espaços que eles não podem entrar, porque, se eles entrarem nesses espaços, certamente sofrerão racismo", disse. 
Dois dias após o show, Paulo Bing, presidente do Grêmio Náutico União, mandou um áudio em um grupo de mensagens. Na declaração, ele afirma que as pessoas reagiram a um gesto político feito por Seu Jorge durante o show. No contrato, havia uma cláusula proibindo "manifestações ou opiniões de cunho político, partidário, racial, religioso ou ideológico, inclusive de gênero".
"Olha, não existe justificativa para o racismo. É exatamente disso que nós estamos tratando. Estamos tratando de violência. Racismo, não. Racismo, não. Simples assim. Eu acho que não estamos tratando de política aqui. Estamos tratando de uma violência que não cabe mais no Brasil. A justificativa para o racismo não existe, assim como o racismo não deveria existir", afirmou Seu Jorge, ao ser questionado sobre o gesto político. 
O Clube Grêmio Náutico União disse, em nota, que lamenta os fatos ocorridos durante apresentação do cantor e que, com a comprovação dos órgãos competentes da prática de ato de racismo, se o responsável for associado do clube, ele será expulso do quadro associativo. Sobre o áudio do presidente, o clube afirma que ele foi enviado para um grupo interno da diretoria e que deve ser contextualizado, na medida em que, num primeiro momento, a manifestação era de pessoas que não estavam na festa. 
Após os ataques contra Seu Jorge e o vazamento do áudio da presidência do clube, oito sócios divulgaram uma carta aberta ao público, reforçando a necessidade da exclusão dos associados que venham a ser identificados como autores do ato de racismo contra seu Jorge. Mais de 100 sócios já assinaram o documento, em menos de uma semana. 
"Devemos todos combater o racismo. Eu sou um homem negro brasileiro. Eu sou um africano nascido no Brasil. Me sinto assim, me reconheço assim. E tenho um amor muito grande pelo meu país, pela minha nação, mas entendo que existe um atraso e uma dívida muito grande do Brasil para com o povo afrodescendente", finalizou Seu Jorge.