Francisco Veras Pereira no bar Velho Adonis, em Benfica: paixão pela loira gelada
Francisco Veras Pereira no bar Velho Adonis, em Benfica: paixão pela loira geladaLuciano Belford/Agência O Dia
Por Maria Nobre*
O Brasil é o terceiro país que mais consome cerveja no mundo, atrás somente da China e dos Estados Unidos! É o que diz um estudo recente realizado pela plataforma de descontos Cupom Válido, que reuniu dados de pesquisas do Credit Suisse, Euromonitor e Statista. O estudo revela que o brasileiro consome em média seis litros de cerveja por mês e o gasto médio semanal chega a R$ 46. O amor é grande e desperta o interesse de muitos, seja nos bares ou na produção artesanal. Entretanto, com a pandemia, os amantes da cerveja têm enfrentado restrições.
A cultura de ir ao bar e tomar um chope com os amigos, infelizmente, teve que ficar de lado na pandemia. As restrições, entretanto, têm afetado também os donos de bares e restaurantes do país que, acostumados com a casa lotada, tiveram que se reinventar para garantir o lucro durante a crise da covid.
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Tradicional choperia da Zona Norte perdeu clientes na pandemia
Tradicional no Rio de Janeiro, o bar Velho Adonis, localizado em Benfica, na região central do Rio de Janeiro, ficou conhecido na década de 50 pela qualidade do chope: a famosa chopeira do Adonis tem mais de 70 anos e é frequentada até hoje. Entretanto, João Paulo, proprietário do Velho Adonis, explica que o carro-chefe do bar acabou perdendo força na pandemia.
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"Antes da pandemia, em um sábado, a gente vendia, em média, de 12 a 15 barris de chope de 50 litros. Agora com a pandemia, com as restrições, sem aglomerações e seguindo os protocolos, a gente consegue vender oito ou nove em um sábado", explica João Paulo.
O dono do bar conta também que teve que se adaptar ao delivery e que, durante a pandemia, essa alternativa acabou melhorando os negócios. Para o chope, símbolo da casa, entretanto, o delivery não é possível.
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O garçom Junior Rodrigues, conhecido como Mosquito, no bar Velho Adonis, em Benfica - Luciano Belford/Agência O Dia
O garçom Junior Rodrigues, conhecido como Mosquito, no bar Velho Adonis, em BenficaLuciano Belford/Agência O Dia
"Teve até patrocínio para que eu colocar o chope no delivery, mas eu falei que não, até porque não compensa. Uma curiosidade da nossa serpentina é que para você enchê-la de gelo, durante o período da pandemia, teria que colocar 240kg de gelo. Então, com a nossa chopeira, não é viável deixar o delivery", contou.
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Atualmente, João conta que o lucro é bom, mas não se compara com os dias de casa cheia no Velho Adonis antes da pandemia. Para o dono do bar, o cenário tem diversas causas.
"É o conjunto de pandemia, é o conjunto de política, de desinformação. É o conjunto de tudo", finalizou.
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O amor pela cerveja artesanal
Com a difusão da cultura de produção artesanal de cerveja no Brasil, muitos grupos também começaram a se aprofundar nos estudos dessa prática. Alguns, inclusive, fizeram disso o próprio negócio. Porém, com a pandemia, a produção e a comercialização ficaram difíceis, tanto pelo aumento dos insumos, quanto pela queda na demanda. A dificuldade é grande até mesmo para aqueles que veem a prática como um hobby.
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Para Rutemberg Galvão, de 41 anos, residente de Canavieiras, na Bahia, a paixão pela cerveja começou de forma espontânea, ao conhecer amigos que já tinham experiência na produção artesanal. Atualmente, Rutemberg produz de forma caseira há seis anos e conta que o amor pela produção de cerveja já lhe trouxe muitas experiências boas e diversas amizades que compartilham desse mesmo entusiasmo.
“É uma verdadeira irmandade, se você disser ‘vou estar no Rio de Janeiro hoje’ tem cervejeiros aí do Rio que vão fazer uma ‘abraçagem’ no dia. A gente marca, vai beber junto e ajuda na produção”, comentou.
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Rutemberg conta que, no início, surgiam grupos na internet para comprar pacotes de degustação e dividir o frete, que era muito caro. Com o crescimento do movimento, os grupos passaram a se reunir e até mesmo remontar festivais de maneira local.
“Apareceram cursos aqui na região e hoje nós temos aproximadamente 50 cervejeiros só nessa microrregião e eles promovem encontros: Oktoberfest, IPA Day. São festivais que já acontecem em grande escala no Brasil, que já são tradicionais e a gente remonta de forma regional, só com os amigos. Eu conheci muita gente através da cerveja”, contou.
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Ele conta que o movimento cervejeiro na região começou a ganhar força e culminou na abertura de um pub, que se tornou referência para os amantes da cervejaria artesanal. Com a pandemia, infelizmente, essa prática de encontro teve que ser deixada de lado, afetando, inclusive os comércios locais.
“Aqui nessa microrregião nós não tínhamos essa tradição. Esse movimento é bem mais forte de dois anos para cá e culminou, inclusive, na abertura de um pub aqui, com 19 bicas de cerveja, e esse era o ponto de encontro da galera”, explicou.
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“Quando a pandemia chegou, ninguém saía de casa e os bares foram afetados porque não podia aglomerar, então o pub deu uma caída absurda. O dono chegou a pedir ajuda porque já não estava mais aguentando bancar os custos”, pontuou.
O comércio, entretanto, não foi o único afetado com a pandemia, já que os insumos para a produção caseira também aumentaram.
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“A matéria-prima base da cerveja, o malte, cheguei a comprar o quilo a R$ 6,40 e depois da pandemia já estava custando R$ 12. Então ficou difícil manter o hobby com tudo ficando mais caro. Isso fez com que muita gente parasse de vender, vendesse seus equipamentos. Muita gente vendeu equipamento porque estava passando por dificuldades, não estava indo trabalhar, não tinha como receber. Foi uma coisa assustadora”, lamentou Rutemberg.
Atualmente, o apaixonado por cerveja conta que as coisas já estão melhorando. Com as pessoas mais velhas recebendo as primeiras doses de vacina, é possível ver uma recuperação na região. Para Rutemberg Galvão, a relação com a cerveja ocupa um lugar muito especial, e mesmo se aprofundando no estudo da cervejaria artesanal, o importante é celebrar.
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“No meio dos meus amigos, eu quero que tenha cerveja, não importa qual a marca, porque o importante é celebrar a amizade, estar ali, conversar, trocar conhecimento”, conclui.

Paixão que vira negócio
A produção de cerveja no Brasil também tem ganhado reforço na área profissional. Com a expansão do gosto pela produção caseira, muitos começaram a empreender com isso. Essa é a história de Calleb Oliveira, cervejeiro de 37 anos e dono da fábrica 3 Barcaças Craft Beer também em Ilhéus, na Bahia.
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“Era um sonho desde 2011, desde quando comecei a fazer cerveja em casa. Eu sempre almejei ter uma fábrica de cerveja, porque na época só tinha cerveja de massa e a gente queria cerveja diferente e as importadas demoravam muito para chegar aqui. E bom, se a gente pode beber essa cerveja, o sonho era que todo mundo conseguisse beber também”, conta Calleb.
O cervejeiro explica que essa paixão pela cervejaria acaba se transformando também em uma identidade para os membros do grupo.
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“A parcela de pessoas que bebem cerveja artesanal ainda é muito pequena no Brasil. Então é uma forma de a gente conhecer rótulos novos – é uma subcultura dentro da cultura cervejeira brasileira”, afirma.
Calleb também conta que a pandemia afetou os negócios, já que 90% de seu comércio era feito com bares e restaurantes, que acabaram enfrentando muitas dificuldades durante a pandemia. Além disso, ele explica que foi preciso revitalizar o negócio e que, hoje, comercializa as cervejas diretamente com o cliente final, por meio dos “growlers” (garrafas de vidro para cerveja artesanal). Para o cervejeiro, mesmo quando a pandemia for embora, esse canal direto com o cliente tende a permanecer.
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“É como se você tivesse uma empresa e todos os seus clientes parassem de comprar de uma hora para outra. Então encontramos essa alternativa de vender o chope da fábrica direto para o cliente final, nos growlers, e fazer o delivery ”, contou.
O empreendedor também explica que, para ele, a cerveja é uma forma identidade e de comunicação e atualmente não se vê fazendo outra coisa.
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“Eu me descobri na cerveja. Sabe quando você olha para o futuro e fala ‘o que eu vou fazer?’ Quando eu comecei a fazer cerveja eu sabia exatamente o que ia fazer. Eu acho que foi uma relação de paixão, virou amor e é a minha forma de ver a vida, inclusive”, concluiu.

Impactos da pandemia na comercialização
Para o presidente do Sindicato de Bares e Restaurantes do Rio de Janeiro (Sindrio), Fernando Blower, os impactos da pandemia no comércio são visíveis e o início da pandemia acabou fechando muitos negócios.
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“Os bares e restaurantes são negócios de pequeno porte e esses negócios não têm capital de giro, não têm dinheiro em caixa para segurar muito tempo fechados. São custos altos, tem que lembrar que tem aluguel, funcionários, contas variáveis etc e muitos desses não tinham atividades de delivery”, explicou Fernando.
Para o especialista, a difusão da cultura envolvendo a cerveja é uma forma de reinvenção que tem crescido na pandemia e ultrapassado, inclusive, a fronteira do artesanal, fomentando a produção de novos negócios.
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“Isso já era um movimento pré-pandemia e está cada vez maior. De fato, com a pandemia, as pessoas que puderam fazer home-office tendem a pesquisar mais e buscar novos hábitos. Criaram-se aulas online, degustações online, clubes de compra etc”, conta.
Fernando também explica que, na retomada, é preciso ter prudência com os protocolos, para que a abertura possa ser duradoura. Além disso, o aumento do da presença online deve ser mantido pelo comerciante, já que a abertura desse canal é uma oportunidade.
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“Você abre mais um canal de venda e que não exclui o canal presencial, o presencial continua sendo importante. Os bares não vão acabar, os restaurantes não vão acabar, mas esses outros canais não vão deixar de existir, pelo contrário, as pessoas vão continuar consumindo online cada vez mais”, pontuou.
E ao longo de 2021, para o especialista, o Estado deve atuar como fomentador para que esses negócios possam retornar de forma segura. 
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"A gente não está falando só de lucro de empresas, a gente está de famílias, de empregos que precisam dos bares e restaurantes também. O papel de fomento passa por crédito, um crédito de longo prazo, facilmente concedido etc. E praticamente todo mundo tem dívidas tributárias nesse momento, então precisamos de um parcelamento que não estrangule a empresa na hora da retomada", concluiu.
* Estagiária, sob supervisão de Gustavo Ribeiro