Aplicativo de transporte Divulgação

Rio de Janeiro - Os motoristas de aplicativo de transportes se queixaram da falta de recebimento do repasse de reajustes nas corridas. Os condutores argumentam que não tiveram nenhuma mudança no valor desde os anúncios feitos pelas empresas na semana passada. Na ocasião, as companhias alegaram que os aumentos de até  6,5% seriam para ajudar a cobrir o crescente preço dos combustíveis, que já chegou a 8,14% nas bombas.

De acordo com os condutores, mesmo se os repasses tivessem sido realizados, os valores de 6,5% da Uber e 5% da 99 não seriam suficientes para a manutenção dos serviços. “Me senti enganado e decepcionado, só agora eu percebi que caí no golpe da escravidão moderna. Um aumento de 6,5% numa corrida de R$ 10 representa R$ 0,65, é uma piada diante da porcentagem que a gasolina já subiu”, conta o motorista da Uber e 99, Daniel Nogueira, se referindo ao reajuste de 6,5% do aplicativo de carros particulares.

Ele também se mostra indignado com um benefício da plataforma de táxis, que anunciou uma gratificação de R$ 65 a cada 60 viagens realizadas.

Além da ausência dos repasses, os motoristas afirmam que as empresas modificaram o modelo de remuneração dos motoristas, que agora recebem um valor fixo por viagem. “Cobra dinâmico multiplicador dos passageiros em horários de grande demanda e não repassam para o motorista”, afirma Luiz Corrêa, presidente do Sindicato dos Prestadores de Serviços por Aplicativos (SindMobi). Segundo ele, em 14 horas de trabalho diário, os condutores ganham um valor entre R$ 40 e R$ 60, em média.

Embora já esteja alto, o preço dos combustíveis ainda pode sofrer novos aumentos, já que a Rússia, uma das três principais exportadoras de petróleo no mundo, está sob fortes sanções econômicas por ter invadido a Ucrânia. Esse cenário gera ainda mais preocupação entre os motoristas.

“Os prestadores de serviços por aplicativos estão trabalhando no limite, qualquer outro aumento [de combustível] vai inviabilizar o serviço. A grande maioria dos motoristas está com parcela de carro atrasada, dívidas em cartões, porque usou para colocar combustível… Está cada vez mais difícil continuar nesse ramo de atividade. O que eu mais recebo aqui no meu particular é motoristas pedindo cesta básica, porque não tem o que comer dentro de casa", afirma Corrêa, que emenda: "Por conta da precarização do trabalho, estamos vivendo uma escravidão moderna."

Diante das dificuldades para seguir nessa profissão, algumas pessoas chegaram a desistir do ofício, como é o caso do ex-motorista de aplicativo, Roberto Martins Pinto. O ex-condutor costumava trabalhar cerca de sete horas por dia, mas devido aos altos custos para seguir na área, teve que aumentar sua jornada para 14 horas diárias.

“Consequentemente, quando você vai rodando, seu carro vai precisar de mais manutenção. Já teve semanas que eu ganhei R$ 700 líquidos e no sábado tive que gastar R$ 1,3 na oficina, então o que eu ganhei? Nada! Pelo contrário, eu perdi. Chegou ao ponto do meu carro ter tanta manutenção acumulada, coisas que a gente vai atrasando por falta de dinheiro, que não conseguia mais rodar. Esse último reajuste dos combustíveis foi a gota d’água para mim”, conta Roberto.

O ex-motorista não foi o único a abandonar os transportes por aplicativos. Segundo estimativas do SindMobi, 35% dos condutores deixaram a área. Uma das principais causas apontadas para isso é a falta de suporte das plataformas.

“Existem os imprevistos que são os acidentes, tem o seguro, tem a violência no Rio de Janeiro, tem o estresse no trânsito, estresse com o passageiro. Isso acaba afetando o motorista emocionalmente, que chega em casa e, de certa forma, acaba descontando na família. Então os aplicativos precisam acompanhar a realidade do mercado, porque eles não têm despesa alguma com nós, motoristas. Eu fui roubado duas vezes e tive que arcar com franquia de carro. Roubaram meu celular, eu tive que ir lá comprar um telefone novo, tudo do meu bolso. Os aplicativos não dão nada, pelo contrário, quando eu relatei o roubo, eles me bloquearam”, conta Roberto.

Em algumas corridas, os motoristas alegam que chegam a receber descontos de até 50% do valor pago pelo cliente.


Manifestação

Para cobrar melhorias das condições de trabalho nos aplicativos de transporte, os motoristas vão realizar uma manifestação no dia 29, em frente ao Aeroporto Santos Dumont, no Centro do Rio.

A manifestação seguirá até a Avenida Presidente Vargas, também no Centro do Rio, onde fica localizada uma empresa do aplicativo. Segundo a organização, a manifestação contará com trio, bandeirão de 100 metros e adesivos para os carros.

Posicionamento das empresas

Em nota, a 99 informou que disponibiliza aos motoristas um link exclusivo com informações sobre as tarifas e valores das corridas. A empresa mantém sua política de repasse aos condutores e que, em alguns casos, aplica taxa negativa sob os motoristas, repassando um valor maior do que aquele que é pago pelo passageiro.

O comunicado também informa que a diferença é custeada pela própria empresa, que tem o objetivo de garantir que os profissionais tenham ganho nos serviços prestados.
De acordo com a empresa, o valor dos repasses é calculado com base em uma equação que leva em conta a distância percorrida, tempo de deslocamento e a demanda. A taxa média nacional é de 14% e a máxima aplicada pela empresa é de 40%.
Sobre o reajuste de 5% das corridas, a 99 informou que a compensação financeira já está em vigor nas 1,6 mil cidades onde a empresa atua. Além disso, a empresa informa ter criado um centro de inovações para desenvolver soluções a curto, médio e longo prazo, que ajudem na redução de custos dos motoristas. A nova área, chamada DriverLAB, terá um investimento de R$ 250 milhões nos próximos três anos, sendo R$100 milhões somente em 2022.
“Algumas soluções do centro de inovação focado nos parceiros já estão em funcionamento, como o Kit Gás, que facilita o acesso dos motoristas parceiros a um combustível mais econômico e sustentável, e o 99Loc, uma plataforma própria para promover aluguel de veículos a custos mais baixos”, informa a nota. Os motoristas da 99 podem acessar os detalhes das cobranças no aplicativo da empresa.
A Uber informou que o processo de implementação do reajuste temporário de 6,5%, cobrado dos passageiros nas corridas, terminou nesta quarta-feira, 16 e já está valendo em todas as cidades em que a empresa opera. Além disso, a instituição afirma que no próximo sábado, 19, os motoristas terão desconto de 20% em abastecimentos por meio de uma parceria com os postos Ipiranga.

A Uber também informou que a taxa de serviço paga pelos motoristas já foi de 25%, mas desde 2018, o valor passou a ser variável, dependendo da corrida, e não sofreu aumentos.
A empresa também informou que os motoristas recebem a maior parte do valor das corridas em todas as viagens que realizam, mas que a variação da taxa de serviço pode gerar dúvidas sobre a quantia cobrada pela plataforma. Para evitar isso, a instituição informou que envia emails semanalmente aos seus parceiros com informações sobre o compilado de ganhos, que também mostra quanto o profissional pagou de taxa à Uber naquela semana. “O importante é considerar o valor médio”, informa a nota.
*Estagiária sob supervisão de Marina Cardoso