Quebra do contrato de compra de imóvel fica em 10,3% no primeiro trimestre de 2022Freepik

No primeiro trimestre de 2022, o setor imobiliário registrou 1.266 distratos, rescisões de contratos de compra de imóveis. O valor corresponde a 10,3% das vendas no período, de acordo com dados da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc) e da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe). No mesmo intervalo em 2021, os distratos ficaram em 12%.

Entre os motivos para a desistência da compra estão as variações das parcelas, que dependem principalmente de duas taxas. Durante a construção, os clientes pagam as parcelas dos imóveis às incorporadoras e o valor devido é calculado com base no Índice Nacional de Construção Civil (INCC), que mede a inflação no setor. Já quando a construtora finaliza a obra e é expedido o habite-se, o cliente precisa procurar um banco para contratar financiamento imobiliário, que varia de acordo com a taxa Selic. Nos últimos anos, no entanto, esses pagamentos têm ficado mais caros. No período de 12 meses, encerrado em março de 2022, o INCC acumulou alta de 11,63%, enquanto a Selic ficou em 11,75% em março.

“Isso quer dizer que uma pessoa que pagaria 6% ao ano, passa a pagar 11%. Considerando que as pessoas financiam imóveis em 20, 30 anos, a gente está dizendo que a pessoa vai pagar 300% de juros ao final desse financiamento, três vezes mais do que o valor do imóvel”, diz Daniel Blanck, especialista em direito imobiliário.

Diante desse cenário econômico, algumas famílias são obrigadas a desistir do negócio, decisão que é regulamentada pela Lei Geral dos Distratos desde 2018. De acordo com o texto, antes do habite-se, todo consumidor, inclusive os inadimplentes, tem direito ao distrato, que deve ser feito por meio de um contrato formal. Acordos verbais não são considerados distratos.
Segundo o lei, quando o cliente rescinde o contrato, as incorporadoras devem devolver parte do dinheiro que recebeu. O cálculo desse valor é feito de acordo com o regime adotado no empreendimento, que pode ser de afetação ou normal. O regime de afetação é uma petição feita pelas incorporadoras para evitar que o empreendimento seja penhorado para pagar dívidas da empresa. "O patrimônio de afetação veio como uma forma de blindar o empreendimento e tudo o que vier decorrente desse empreendimento", explica o especialista em direito imobiliário Leandro Sender. Já no regime normal, a incorporação pode ser penhorada para quitar as dívidas da incorporadora.
Caso a incorporação esteja sob regime de afetação, a construtora fica com 50% do valor pago e o restante é devolvido em até 30 dias após o habite-se. Já nos casos de empreendimentos em regime normal, o valor retido é de 25% e a construtora tem até 180 dias após o habite-se para devolver o dinheiro. Em ambos os casos, o valor da corretagem não é devolvido.

A lei também prevê que o consumidor inadimplente que optar pelo distrato deverá pagar uma multa, que costuma variar entre 15% e 25% sobre o valor pago, não podendo passar disso. As incorporadoras não podem reter todo o dinheiro pago pelos clientes nos casos de distrato.
Outro ponto importante da lei importante para o bolso do consumidor é o tempo de arrependimento. O cliente que comprou um imóvel fora da empresa, em um stand, por exemplo, tem até sete dias após a assinatura do contrato para desistir do negócio sem pagar multa.
Uma opção ao distrato é a revenda da unidade, modelo no qual uma terceira pessoa assume os valores do contrato, com desconto. Nesse caso, a operação precisa ser autorizada pela incorporadora, que geralmente cobra um percentual de 5% sobre o valor do contrato.
Nas situações em que o distrato acontece por culpa da construtora, como nos casos de atraso na entrega do imóvel, o consumidor tem direito a receber 100% do valor pago, com correção monetária, em até 60 dias a partir da rescisão. A incorporadora também precisa pagar ao cliente uma multa de 1% do valor já desembolsado por cada mês de atraso. Vale lembrar que as construtoras podem atrasar a entrega dos imóveis em até 180 dias sem sofrer nenhuma punição.
A partir do habite-se, o consumidor não pode mais utilizar a Lei Geral do Distrato, pois, com a entrega da construção, as parcelas são pagas a uma instituição financeira. Assim, a responsabilidade do cliente não é mais com a incorporadora.
Efeitos da Lei Geral dos Distratos
Segundo Blanck, a quantidade estimada de distratos é de 2% a 3% em períodos normais. Embora nos últimos anos o número de rescisões de contratos tenha apresentado queda, elas continuam muito acima da estimativa dos períodos. Em 2018, a relação distrato-venda era de 37%. Em 2021, caiu para 11,3%, e, nos três primeiros meses de 2022, ficou em 10,3%. “Toda quantidade de distratos varia de acordo com a economia do país, da taxa de juros, do financiamento bancário ou do INCC. Esse índice leva em consideração o aumento do cimento, mão de obra e tudo mais inerente a uma construção de uma incorporação”, explica Blanck.
Além dos fatores econômicos, a redução das desistências está ligada à Lei Geral dos Distratos, que regulamenta o valor que o cliente deve receber em caso de rompimento do contrato. Antes dessa lei, as incorporadoras retinham entre 10% e 15% do valor pago pelos clientes e devolviam entre 75% e 90%.

Legalmente, as construtoras têm um prazo de carência para desistir do negócio, caso analisem que ele não é viável — o que ocorre nas vendas das unidades na planta. “Com as desistências depois do período de carência, as incorporadas tinham que devolver um valor muito alto e começou a ter um desequilíbrio econômico. Se as empresas soubessem o número exato de pessoas que seguiriam com elas até o final, às vezes, as incorporações não se mostrariam interessantes”, explica Sender. “A lei veio para trazer um cenário um pouco mais coerente”, conclui o especialista.

Apesar do resultado do primeiro trimestre de 2022 (10,3%) ainda parecer alto em comparação aos 12 meses do ano anterior (11,3%), o número não é alarmante. Isso porque foram vendidas cerca de 36,9 mil unidades residenciais e comerciais no primeiro trimestre de 2022, o que equivale a um aumento de 6,2% em relação ao volume comercializado no mesmo período do ano anterior.

Já no acumulado nos últimos 12 meses encerrados em março de 2022, os 145 mil imóveis vendidos superaram a quantidade total transacionada nos 12 meses anteriores (+0,7%). Quando são consideradas apenas as vendas líquidas, excluindo os distratos, houve uma alta de compras de 8,3% no primeiro trimestre de 2022 e de 1,9% nos últimos 12 meses.

Embora o número de distratos em si não seja preocupante, Black se preocupa com o cenário nos próximos meses. “Com o aumento da taxa Selic, da taxa de juros e a questão eleitoral no Brasil, que também tem um impacto muito grande, a tendência é que aumente o número de distratos”, prevê.

Casa Verde e Amarela
Entre os imóveis residenciais, as unidades ligadas ao programa Casa Verde e Amarela ainda representam a maior parcela de unidades lançadas (62,9%) e comercializadas (78,3%) no primeiro trimestre de 2022. No entanto, esse segmento apresentou queda de 10% no primeiro trimestre de 2022, com 16.960 unidades lançadas em relação ao registrado no período equivalente do ano anterior. O mesmo aconteceu com as vendas, que totalizaram 26.942 unidades nos primeiros meses de 2022, o que representa uma queda de 9% em relação ao mesmo período do ano anterior.

De acordo com os indicadores da Abrainc/Fipe, os motivos para esse recuo estão nas regras e limites que definem o enquadramento de imóveis, no nível de subsídios e na alta nos preços de insumos da construção. A queda real no rendimento médio das famílias, principalmente as mais pobres, também foi apontado como um dos fatores responsáveis pelo cenário.

Por outro lado, o número de imóveis de médio e alto padrão tiveram um resultado positivo no primeiro trimestre de 2022. Nesse período, foram vendidas um pouco mais de 9,5 mil unidades, o que representa um aumento de 109% em comparação ao mesmo período do ano anterior. Em 12 meses, o segmento acumulou alta de 43,5%, com 32.919 unidades comercializadas. Ao mesmo tempo, a relação distrato-venda apresentou recuo de 4,6 pontos percentuais no período de janeiro a março de 2022 e de 4,4 na média dos 12 meses encerrados em março. Segundo o levantamento da Abrainc e da Fipe, os imóveis de médio e alto padrão foram os responsáveis pelo resultado positivo do setor imobiliário no início de 2022.
*estagiária sob supervisão de Marlucio Luna