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Os cigarros eletrônicos surgiram nos anos 2000 e tiveram crescimento impulsionado, inicialmente, por novas empresas. Depois, grandes multinacionais de tabaco como British American Tobacco (BAT), Altria e Philip Morris compraram participações nos fabricantes dos dispositivos ou criaram as próprias companhias. Hoje, são cerca de 30 mil marcas de cigarros eletrônicos e líquidos à venda na Europa. Em 2014, as vendas globais eram de US$ 2,76 bilhões (R$ 14,8 bilhões). Após cinco anos saltaram para US$ 15 bilhões (R$ 80,7 bilhões).
Segundo pesquisa realizada pelo Ipec Inteligência de 2021, no Brasil, há mais de 2 milhões de consumidores do produto. Em 2020, eram 948 mil, um aumento de 120%. Em um ano, o número mais que dobrou. O dispositivo também é bem popular entre os jovens. De acordo com pesquisa recente do Inquérito Telefônico de Fatores de Risco para Doenças Crônicas Não Transmissíveis em Tempos de Pandemia (Covitel), realizada pela Vital Strategies e pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel), um em cada cinco jovens no Brasil, na faixa de 18 a 24 anos de idade, usa o cigarro eletrônico.
Já um outro estudo realizado pela Pesquisa Nacional de Saúde Escolar (PeNSE) em parceria com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2019, aponta que 16,8% dos adolescentes entre 13 e 17 anos já experimentaram o dispositivo — que são produtos voltados exclusivamente para adultos maiores de 18 anos.
Os cigarros eletrônicos, ou vapes, funcionam por meio de uma bateria que aquece um líquido interno, composto por água, aromatizante, nicotina, propilenoglicol e glicerina. Em vez de queimar por combustão, ocorre a vaporização. Isso porque eles contêm um líquido que é aquecido e gera o vapor aspirado pelo usuário. Há modelos mais modernos, que se parecem com pen-drives. Alguns são fechados: não é possível manipular o líquido interno. Outros podem ser recarregados com substâncias, sabores, formatos e aromas diversos.
Mas fabricantes dos dispositivos, no Brasil, reafirmam o argumento de que eles oferecem risco reduzido à saúde, comparados ao cigarro tradicional, e por isso deveriam ser liberados como alternativa para uso adulto no país.
A Anvisa, em contrapartida, garante que, de acordo com o estudo das evidências científicas disponíveis sobre o tema, destacadas na Análise de Impacto Regulatório (AIR), não há evidências científicas que confirmem a redução de riscos à saúde quando se compara o vape com o cigarro tradicional.
“É importante destacar que os cigarros eletrônicos possuem nicotina, o que causa dependência da mesma forma que o cigarro tradicional. Os fabricantes alegam que se trata de produtos com menor risco, entretanto, a análise das evidências não demonstrou tal alegação. Mesmo em países onde esses produtos são autorizados, os fabricantes não podem dizer que haja redução de risco ou dano associado aos dispositivos eletrônicos para fumar, uma vez que não existe evidência científica para suportar essa afirmação”, disse Stefânia Schimaneski.
O Instituto Nacional do Câncer (Inca) também contesta essa afirmação: “Foram identificados vários riscos dos cigarros eletrônicos. A grande maioria contém nicotina, que é a substância que causa dependência. A maioria dos usuários continua fumando e seus efeitos a longo prazo são desconhecidos. O equilíbrio final entre segurança e eficácia do uso de e-cigarros para parar de fumar não é claro. Portanto, não há evidências de que os cigarros eletrônicos sejam menos danosos do que os cigarros convencionais e as evidências de que ajudam os usuários a deixar de fumar são limitadas”, explica Andréa Reis Cardoso, chefe da Divisão de Controle do Tabagismo do Instituto.
Em 2021, estudo de cientistas da Universidade Johns Hopkins (EUA), publicado na revista Chemical Research in Toxicology, encontrou quase 2 mil substâncias em cigarros eletrônicos, a maioria não identificadas. Entre os reconhecidos, seis eram potencialmente prejudiciais. Foram analisadas quatro marcas populares, com sabor de tabaco e chamou a atenção do grupo a detecção de cafeína em duas delas — o que já havia sido encontrado antes, mas só em cigarros com sabor de café ou chocolate.
A alta concentração de nicotina em certos dispositivos (a vaporização de um pen-drive, por exemplo, equivale a um maço) também torna a experiência altamente viciante. Por norma, o cigarro convencional pode ter até um grama de nicotina, que é a substância que vicia, enquanto os cigarros eletrônicos chegam a ter até sete gramas por unidade.
A BAT Brasil defende que a regulamentação vai oferecer um uso mais seguro e mais controle sobre a produção e comercialização do dispositivo. “A regulamentação pela Anvisa deverá obrigatoriamente determinar que tipo de produto pode ser vendido, incluindo sua composição, limites máximos de cada substância (como a nicotina) e embalagens, entre vários outros aspectos. (...) O produto tem o potencial de oferecer menor risco ao consumidor adulto fumante que não deseja parar de fumar, conforme afirmam as autoridades sanitárias do Reino Unido — que recomendam o produto aos fumantes como alternativa de menor risco ao hábito de fumar”, argumenta o Gerente Sênior de Assuntos Científicos e Regulatórios da empresa.
Paulo Corrêa, coordenador da Comissão Científica de Tabagismo da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia, chama atenção e pede mais cuidado ao relacionar o dispositivo ao ato de lazer. "Sobre a adicção, desencorajamos o uso do termo 'hábito de fumar' para se referir a uma das mais desafiadoras dependências químicas que existem. O termo correto seria 'adicto' ou 'dependente' de nicotina e outras substâncias dos cigarros eletrônicos e convencionais, o que leva à síndrome de abstinência e desejo de consumir mais o produto", afirma.
Já o Instituto Nacional de Câncer, alerta que o uso de cigarro eletrônico aumenta em mais de três vezes o risco de experimentação de cigarro convencional. "Há fortes evidências de que os que nunca foram fumantes e que usam cigarros eletrônicos têm, em média, cerca de três vezes mais chances do que aqueles que não usam cigarros eletrônicos para iniciar o consumo de cigarros; e de que não-fumantes que usam cigarros eletrônicos também são cerca de três vezes mais propensos do que aqueles que não usam cigarros eletrônicos a se tornarem fumantes atuais. Entre os não-fumantes, há evidências substanciais de que o uso de cigarros eletrônicos resulta em dependência de cigarros eletrônicos", explica a chefe da Divisão de Controle do Tabagismo do instituto.
A Anvisa destaca que a regulamentação atual proíbe a comercialização dos produtos, com base no princípio da precaução, com o fim de proteger a saúde pública. "A experiência internacional detalhada no Relatório de Avaliação do Impacto Regulatório não mostrou benefícios com a liberação dos cigarros eletrônicos em outros países. Pelo contrário, observou-se, em diversos países, um aumento expressivo no uso dos produtos, principalmente por crianças e adolescentes", explica.
Porém, especialistas da BAT Brasil afirmam que apenas com a regulamentação será possível monitorar o consumo por menores de idade e oferecer um produto mais seguro aos adultos. “É preciso urgentemente regulamentar a comercialização desses produtos no País. Só assim, acreditamos que menores de idade poderão ser efetivamente protegidos do acesso inadequado de um produto para maiores de idade e os milhões de consumidores adultos já existentes no Brasil poderão ter acesso a produtos com parâmetros de segurança e qualidade definidos por uma autoridade sanitária, algo que, é importante ressaltar, cerca de 80 países no mundo já fizeram, disse Anhezini Jr, gerente sênior da empresa.
De acordo com a Anvisa "os países que lideram a comercialização dos dispositivos não os monitoram. Em vários países, há uma notificação informando que a comercialização será iniciada, mas não há regulamento capaz de controlar segurança, comunicação e distribuição”, aponta Stefânia Schimaneski Piras.
Andréa Reis Cardoso, do Inca, também esclarece que o cigarro eletrônico produz grande volume de substâncias tóxicas e cancerígenas que levam a doenças importantes como cânceres de pulmão, esôfago, boca, pâncreas, bexiga, entre outros; doenças cardiovasculares com forte relação com tabaco, entre as quais infarto e derrame cerebral; e doenças pulmonares, como enfisema.
Com o objetivo de reduzir a venda destes produtos, a Diretoria Colegiada da Anvisa deliberou pelo reforço de ações de fiscalização, que podem ser realizadas não somente pela Anvisa e Vigilâncias Sanitárias locais, mas por outros Órgãos responsáveis pela fiscalização, tais como Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Polícias Civis, Receita Federal e Procons.
As vigilâncias sanitárias municipais e estaduais fiscalizam os estabelecimentos comerciais. A Anvisa realiza a fiscalização do comércio pela internet e apoia os estados em suas ações. Além da Anvisa, outros órgãos de fiscalização têm atuado para fiscalizar e aplicar sanções quando há o descumprimento da regulamentação.
A Anvisa reconhece a necessidade de enfrentar o mercado irregular e explica a importância das parcerias entre os órgãos. "Há ação contida no relatório técnico de AIR que prevê a realização e aprimoramento de parcerias com outros órgãos, (...) para que sejam realizados treinamentos, uso de inteligência para coibição do comércio eletrônico, campanhas educativas e outras medidas para a intensificação da fiscalização e a conscientização da população sobre os riscos associados a esses dispositivos eletrônicos”.
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