A movimentação de dinheiro no Brasil se transformou com a chegada do Pix — meio de pagamento eletrônico instantâneo e gratuito. Desde que o serviço foi lançado, em novembro de 2020, a expressão "faz um Pix" se tornou mais do que corriqueira de norte a sul do país. Segundo dados do Banco Central (BC), o método já superou a marca de 4 bilhões de transações. Ainda neste ano, os usuários poderão fazer uso de mais uma modalidade de pagamento: o Pix Automático. Basicamente, ela servirá para que clientes possam agendar previamente pagamentos corriqueiros para empresas.
O sistema de transferência foi idealizado em 2018 e implementado dois anos depois. Ele é operado por mais de 770 instituições financeiras, de acordo com o BC. Por conta da facilidade de mandar e receber dinheiro, e também pelo fato de não ter taxas, a adesão dos brasileiros ao novo sistema foi expressiva.
O número de chaves do Pix cadastradas é de mais de 650,7 milhões. São 153 milhões de usuários, sendo 92% pessoas físicas. De cada 100 transações, 60 são feitas por pessoas de 20 a 39 anos, ainda segundo os dados mais recentes da autarquia.
Hoje o usuário brasileiro envia e recebe dinheiro instantaneamente, via chaves ou QR Code — código de barras —, além de usar recursos como o Pix Saque, o Pix Troco e transferências entre saldos de dois bancos, por exemplo.
O BC trata o Pix como uma política pública, considerando que sua criação tem como fundamento a inclusão de brasileiros desbancarizados, além de promover um serviço que funcione 24, sete dias por semana sem parar, agilizando a vida financeira de milhões de pessoas. Atualmente há cerca de 4,6 milhões de pessoas sem conta em bancos, segundo uma pesquisa mais recente do Instituto Locomotiva.
"A busca por ampliar o acesso da população aos serviços bancários é vista positivamente, reduz barreiras financeiras e promove inclusão no sistema bancário", afirma o especialista em finanças Hulisses Dias.
Pix Automático
A funcionalidade está em desenvolvimento e ficará disponível a partir de outubro de 2024. Inicialmente prevista para abril, a ferramenta foi adiada em seis meses. No entanto, segundo o BC, a estimativa foi ajustada por causa da complexidade do novo produto, do "tempo necessário para desenvolver o papel de cada um dos participantes e da definição das estratégias comerciais das instituições financeiras".
A ferramenta vai ser servir para que os clientes possam agendar previamente pagamentos corriqueiros para empresas como:
- Contas de água e luz; - Escolas; - Faculdades; - Academias; - Condomínios; - Clubes sociais; - Planos de saúde; - Serviços de streamings; - Portais de notícias; - Clubes por assinatura; - Empresas do setor financeiro.
Esse tipo de pagamento já pode ser feito através do débito automático, mas na avaliação do Banco Central, o Pix automático terá a capacidade de alcançar mais pessoas.
Para o chefe do Departamento de Competição e de Estrutura do Mercado Financeiro, Angelo Duarte, a ferramenta facilitará a cobrança recorrente de produtos e de serviços, aumentando a eficiência e a competitividade do setor.
"Como o usuário possui relacionamento com essas empresas, em que consome seus produtos ou serviços com periodicidade definida, a possibilidade de pagamento por meio do Pix Automático trará benefícios para ambos. Do ponto de vista do pagador, após concedida a autorização, o Pix Automático será uma forma de pagamento transparente, o que trará comodidade e uma excelente experiência, acabando com a probabilidade de um pagamento não ser efetuado por esquecimento. Já do lado do recebedor, o Pix Automático tem o potencial para reduzir a inadimplência e otimizar o processo de cobrança, além de viabilizar uma ampliação da base de clientes dada a penetração do Pix", explicou.
Hulisses Dias, especialista em finanças, ressalta que a ferramenta trará mais praticidade para o dia a dia na vida dos clientes.
"O Pix automático elimina a necessidade de preenchimento de dados a cada transação, tornando o processo mais simples e prático, além de, ao automatizar as transações, reduzir as chances de erros de digitação ou informações incorretas", disse.
Já o CEO da Inteligência Comercial e Country Manager da Savel Capital Partners, Luciano Bravo, aponta que a funcionalidade vai proporcionar ao recebedor maior gestão do seu fluxo de caixa e uma previsão de recebimento.
"Uma vez que o PJ operacionaliza este recebimento junto a sua instituição financeira, no caso da pessoa, não terá que ficar se preocupando com o pagamento uma vez que será automatizado. Além de poder ter pagamentos agendados recorrentes", afirma o especialista.
Para os usuários, o funcionamento será simples. A pessoa que detém uma conta bancária e deseja aderir ao Pix automático precisará apenas informar a empresa (administradora do condomínio, por exemplo) que quer aderir. A empresa, por sua vez, deverá enviar a proposta do Pix automático ao cliente, via notificação. Estando de acordo, o cliente poderá aderir a modalidade.
O Pix automático será oferecido para pessoas físicas e jurídicas. No caso das pessoas físicas, os bancos serão obrigados a oferecer a modalidade, que será gratuita. Já para as pessoas jurídicas, os bancos poderão escolher se desejam ou não oferecer para cada empresa.
"Os participantes que não forem aprovados nos testes homologatórios e não disponibilizarem o Pix Automático a seus usuários no lançamento do serviço, a ocorrer em 28 de outubro de 2024, serão multados por dia de atraso na oferta (limitado a 60 dias)", informa o BC.
Para pessoas físicas, o Pix automático será sem cobrança de tarifa. Para empresas que vão disponibilizar o Pix automático, vai funcionar a livre negociação — bastará fazer um único acordo com um banco que esteja ofertando a modalidade às empresas.
No passo a passo, a pessoa física manifesta à empresa que deseja pagar com Pix automático. Logo depois, a empresa envia a proposta de Pix automático ao cliente. O cliente recebe uma notificação para confirmar a autorização de pagamento via Pix Automático.
Também pode acontecer da empresa enviar a fatura do mês com a opção de pagamento Pix automático. Em seguida, o cliente paga a conta via QR Code e confirma se quer aderir ou não a funcionalidade.
Em nota enviada a O Dia, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) afirma que acompanha o desenvolvimento e o avanço das novas funcionalidades do Pix. "Acreditamos que será uma ferramenta de grande aderência do mercado, gerando valor aos clientes, sendo mais uma modalidade de pagamento, com uma nova experiência e gestão das transações financeiras", diz a entidade.
A enfermeira Letícia Santos, de 36 anos, acredita que a função trará mais tranquilidade e praticidade para a sua vida. "Acho que o Pix Automático vai ser ótimo para pagarmos as contas. Às vezes uma conta vence em um sábado ou domingo e com essa função a conta vai ser paga no mesmo dia. Sem precisar esperar o próximo dia útil ou até um ou três dias para ser confirmado o pagamento", disse.
Letícia ainda relata alguns problemas que teve com a utilização do débito automático: "Hoje em dia eu pago tudo pelo celular e com essa questão do Pix, tudo ficou mais fácil. Tive que parar de usar o débito automático por problemas sérios. Já recebi cobranças de valores acima do estipulado e de serviços que não solicitei".
O engenheiro Hugo Ferraz, de 56 anos, conta que também já teve problemas com o débito automático e que acredita que a nova função em desenvolvimento pelo Banco Central irá facilitar a vida dos brasileiros.
"Eu demorei um pouco para começar a usar o Pix. Sempre tive um pé atrás com essa questão de novas tecnologias, mas, depois que fiz a primeira transição, nunca mais parei. Troquei todas as minhas contas que eram pagas por meio do débito automático pelo Pix. Vivia tendo que entrar em contato com os bancos por causa de cobranças indevidas e com as empresas que me forneciam os serviços. Vamos ver como será agora essa nova funcionalidade. Espero que venha para somar", afirma.
Especialistas apontam que a nova função pode contribuir para o fim de outras formas de pagamento, como o débito em conta.
"Devido à previsão de pagamento e agilidade no recebimento é provável de acontecer. Geralmente, o boleto tem um dia pra receber, no Pix o recebedor vai saber no próprio dia do recebimento se o seu cliente pagou, gerando uma maior gestão", ressalta Luciano Bravo, CEO da Inteligência Comercial e Country Manager da Savel Capital Partners.
"Em comparação com o débito automático, o Pix automático alcançará um número maior de usuários. As novas funcionalidades que o Banco Central irá implementar têm justamente o objetivo de fazer do Pix uma forma de pagamento cada vez mais representativa, substituindo o débito automático e os pagamentos em espécie", afirma o especialista em finanças Hulisses Dias.
Entre as regras gerais de funcionamento dessa nova modalidade, estão a especificação de jornadas para autorização prévia; normas para o cancelamento da autorização; regras para a rejeição e para a liquidação da transação; funcionalidades a serem disponibilizadas ao usuário pagador e ao usuário recebedor; regras de devolução e responsabilização em caso de erro; limite diário para as transações relacionadas ao produto, entre outras.
Para Alexandre Pegoraro CEO do Kronoos, plataforma que realiza pesquisas em mais de 3,5 mil fontes para conferir a idoneidade de pessoas e empresas, a nova função exigirá aumento das medidas de prevenção à lavagem de dinheiro. "Uma vez que tenham permissões, as empresas poderão programar os débitos para serem realizados de forma automática mensalmente. Ao terem domínio sobre este ciclo, os fraudadores terão a tarefa de lavar dinheiro facilitada, distribuindo micro segmentos de recursos obtidos de forma ilícita através de múltiplos pagamentos feitos de forma recorrente".
"É sempre importante lembrar que a Lei nº 9.613 determina que seja estabelecido um programa de Prevenção à Lavagem de Dinheiro para indivíduos ou entidades que desempenhem atividades consideradas sensíveis à lavagem de dinheiro. Isso abrange situações em que a fluidez do valor dos produtos, a movimentação de quantias significativas (especialmente em espécie) ou quaisquer características que facilitem a ocultação de valores adquiridos de maneira ilícita estejam presentes", acrescenta.
Pix Agendado
Outra funcionalidade do Pix será obrigatória a partir de outubro, o chamado de Pix agendado recorrente. Ele servirá apenas para transferência entre pessoas físicas, servindo, por exemplo, para pagamentos de mesadas, doações ou prestações de serviços (como diarista, terapia, educador físico, etc.).
"Embora ambos atendam a casos de uso relacionados a pagamentos periódicos, Pix Automático e Pix Agendado recorrente possuem diferenças que os tornam complementares. No Pix Automático, as instruções de pagamento são sempre fornecidas pelo usuário recebedor, que deverá ser necessariamente pessoa jurídica, mediante autorização prévia do usuário pagador. Por sua vez, no Pix Agendado recorrente, as instruções de pagamento são sempre fornecidas pelo próprio usuário pagador, que poderá ter como destinatário pessoa física ou pessoa jurídica."
O BC fez ainda ajustes para uniformizar procedimentos operacionais, como uso do canal secundário de liquidação, definição do horário para envio das ordens de pagamento, horário limite para cancelamento da transação, entre outros.
Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor.