Selma Berriel, motorista de 84 anosDivulgação

Rio - Apesar de abrangente, o setor de transporte ainda é visto como um ambiente predominantemente masculino. Porém, a presença feminina é cada vez mais marcante, e um aplicativo de transporte exclusivo para mulheres tem revolucionado o ramo, movimentado o mercado de trabalho e impulsionado o empreendedorismo no Rio de Janeiro. 
A plataforma Lady Driver surgiu como uma resposta à necessidade de oferecer um transporte mais seguro para as mulheres Mas ela também tem proporcionado independência financeira e a autonomia nos negócios para as 3.701 motoristas no Estado, tendo uma renda média entre 4 mil a 6 mil por mês.
O aplicativo opera em mais de 70 cidades em todo o Brasil. No Estado, está disponível na capital, Niterói e em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense. Segundo a empresa, outras regiões estão em negociações para oferecer o serviço, como o município de Maricá e Região Serrana.
O Lady Driver possui 2.249 motoristas no Rio de Janeiro e 102 em Niterói. Com cerca de 1.350 cadastradas só Baixada Fluminense, donas de casa, mães, advogadas, professoras, enfermeiras que entraram para esse ramo apontam a flexibilidade, ganhos maiores e a segurança como pontos principais para iniciar a transição de carreira. 
Solange Carvalho, de 43 anos, conta que, antes de ser motorista, trabalhava como vendedora em uma loja varejista do setor esportivo. Como mãe solo, viu no aplicativo a oportunidade de ter tempo de qualidade com o filho e melhor retorno financeiro.
"O meu meio de sobrevivência hoje é o trabalho com aplicativo de transporte. Eu trabalho com a Lady e Uber. Na época em que era vendedora, tinha problemas com horários e de ter tempo para o meu filho, chegava tarde em casa. O aplicativo de transporte me trouxe flexibilidade. Eu trabalho no horário e dia que quiser", disse a motorista. "Os meus ganhos triplicaram em comparação ao valor que eu recebia na loja. O retorno na Lady é muito bom, todos os dias eu atendo e trabalho com o aplicativo", acrescenta. 
Motorista Solange Carvalho - Reprodução: arquivo pessoal
Motorista Solange CarvalhoReprodução: arquivo pessoal
De acordo com a empresa, algumas motoristas do aplicativo chegam a faturar mais de R$ 3 mil no trabalho de meio período. 
"Motoristas Lady Driver ganham em média 4 mil a 6 mil por mês livres, trabalhando 10 horas por dia. Comparado com outros apps, a motorista tem que trabalhar de 12 a 14 horas por dia", afirma Bianca Daher representando da marca em Nova Iguaçu.
"Estamos falando em algo em torno de 70% mais um adicional de quilometragem, enquanto outros aplicativos ficam na faixa dos 40%. Vale lembrar que a Lady Driver tem o maior ganho do mercado. Pagamos, no mínimo, 75% do valor de todas as corridas", completa.
A terapeuta Bárbara Brum, de 43 anos, trabalha com os aplicativos de transporte como complemento de renda. Ela conta que é casada, tem uma filha de dois anos e ainda cursa duas faculdades, Com isso, o seu tempo é limitado.
"Escolher meus horários de trabalho é importante nesse momento. (...) O repasse de valores é maior comparado a outros aplicativos, além dos incentivos que oferece", explica. "No início a procura era menor e só com corridas agendadas. Agora oferecemos por demanda e a procura tem crescido. (...)", afirma.
Segurança no trânsito
São frequentes as notícias de casos de mulheres que são vítimas de algum tipo de violência. A cada dia, o público feminino se sente mais inseguro na hora de utilizar ônibus, van, táxi ou carro por aplicativo. Segundo dados mais recentes do Dossiê Mulher, do Instituto de Segurança Pública (ISP), em 2022, 1.642 mulheres foram vítimas de importunação sexual no Estado. Apenas na capital, foram 676; outras 311 na Baixada Fluminense; 147 em Niterói e 508 no interior.
Quando o assunto é estupro, os números são ainda maiores. No Estado, mais de 4,9 mil mulheres foram vítimas desse tipo de crime. Na capital, 1.665 casos foram registrados, 1.360 na Baixada Fluminense, outros 389 em Niterói e 1.443 no interior.
O aplicativo exclusivo para mulheres apareceu no mercado como uma resposta ao número de casos de violência contra mulher. A ideia surgiu após a CEO Gabryella Correa sofrer assédio de um motorista em São Paulo. Inconformada com a situação e com base em relatos de outras mulheres, ela decidiu criar uma plataforma de mobilidade urbana na qual mulheres pudessem viajar em seguranças com outras mulheres no volante.
A motorista Solange Carvalho conta que conheceu o aplicativo por meio do Instagram e que se interessou, pois, segundo ela, a "comunidade feminina ainda está muito vulnerável". 
"Desde quando eu comecei, era possível ver a surpresa das mulheres quando elas viam que era outra mulher que estava dirigindo. (...) Elas sempre falam da segurança que sentem em ser conduzidas por outra mulher, É diferente do pensamento da maioria dos homens, que acredita que as mulheres só servem para 'dirigir o fogão'", lamenta. 
"Infelizmente eu sofro muito machismo no trânsito. É horrível e eles deixam isso bem claro, com atitudes e nas palavras, tanto os motoristas de carros quanto de moto. A mulherada, não. Elas se sentem seguras com outras mulheres", relata Solange.
A terapeuta Bárbara Brum também gostou do aplicativo de mobilidade urbana exclusivo para as mulheres como uma forma de apoiar o movimento e fazer diferença. "Decidi participar porque quis apostar na ideia de um serviço feminino para o público feminino, com a ideia de maior qualidade e segurança", afirma.
"(...) Eu costumo me preocupar com assalto, principalmente por ser mulher, pois a gente está predisposta a passar por outras situações além do simples roubo. A maioria das minhas corridas, até mesmo pela Uber, é de mulheres, poucas vezes transportei homens", explica.
Ela relata que já chegou a ouvir algumas piadinhas sobre o fato de ser mulher e motorista de aplicativo: "Pensam que porque a gente está aqui dirigindo não temos marido, sempre tem alguma conversinha.
"Geralmente o que eu escuto é 'você é bem arrumadinha, cheirosa, nem parece motorista'. Eu fico pensando o que será que as pessoas imaginam que é um motorista de aplicativo, independentemente do gênero? Tem que estar mal arrumado, despenteado, fedorento e não é isso. Tem muito gente bacana, com estudo, inteligente, bem humorado e educado. 'Há, é motorista de aplicativo porque tá quebrado', não é pra fazer um dinheirinho bom. Trabalhando direitinho, dá pra fazer uma renda boa", ressalta.
Selma Berriel, de 84 anos, é costureira nas horas vagas e atualmente motorista do Lady Driver como ocupação principal, mesmo sendo aposentada. Para ela, a relevância de pertencer ao time de motoristas e ter sua liberdade tem ligação direta com a saúde mental.
"Para mim, dirigir é uma higiene mental. Eu amo o meu carro e me sentir produtiva. Quando estou em dias estressantes, sinto a necessidade de pegar o carro e só dirigir, já que faço minha renda extra e aproveito para conhecer gente nova. Uma troca bastante produtiva", disse.

A motorista conta que foi  quem ensinou os netos a dirigir e ainda trocou o antigo carro por "uma máquina zero", brincou ao mostrar o carro novo.
Selma Berriel, motorista de 84 anos - Divulgação
Selma Berriel, motorista de 84 anosDivulgação
Critérios para ser motorista
- Ser do sexo feminino;
- Possuir carteira de motorista válida/habilitação com dois anos;
- Ter EAR (cadastro junto ao Detran para pessoas que exercem atividade remunerada);
- Ter um veículo em boas condições, com no máximo 10 anos de uso;
- Passar por uma verificação de antecedentes e uma entrevista pessoal.
A motorista deve baixar o app para profissionais, que só funciona com Android para os condutores, e preencher o cadastro e aguardar aprovação.
Já a passageira deve baixar o aplicativo no Playstore ou IOS, fazer o cadastro e aguardar aprovação para uso. 
Investimento e expansão
Segundo a empresa, o investimento para comprar a franquia e operar na região da Baixada Fluminense foi de R$ 150 mil. O início da operação na região envolveu o recrutamento inicial de motoristas, estabelecimento de parcerias locais e campanhas de marketing para atrair passageiras e promover a segurança da plataforma para os usuários.
"Como todo começo, as coisas demoram um pouco para se tornarem conhecidas, mas conseguimos fazer com que o app caísse no gosto das mulheres. A ideia do projeto encanta. Começamos com abertura de sinal para atuar em 6 localidades da Baixada: Caxias, Belford Roxo, Nilópolis, São João de Meriti, Mesquita e Nova Iguaçu. Depois resolvemos concentrar o empreendimento conosco apenas em uma região, sendo Nova Iguaçu a que ultrapassava as metas nas demandas", explica Bianca Daher, representando da marca.
Para ela, o empreendimento foi um marco por ser o único applicativo no Brasil autorizado a transportar crianças de 8 aos 16 anos desacompanhadas do responsável, por meio do serviço Lady Kiddos.
"Por meio desse serviço, as 'mãetoristas' realizam o deslocamento dos filhos e familiares das passageiras, menores de idade. Há também o diferencial de transportar idosos acima de 65 anos, pela solicitação do Lady Care. Somente nessas modalidades são permitidas as viagens de passageiros homens", disse.
A empresa ainda visa à expansão da marca internacionalmente e o aumento da segurança. "Os planos incluem a expansão na Baixada Fluminense; o aprimoramento da tecnologia para melhorar a experiência do usuário; o aumento da segurança por meio de recursos adicionais no aplicativo na região e a diversificação dos serviços oferecidos para atender a uma variedade de necessidades de transporte das mulheres. Além disso, buscamos empoderar mais mulheres a se tornarem motoristas. Expansão internacional, Portugal, Europa e Estados Unidos também estão na lista de objetivos de expansão geral da Lady Driver", disse a empresa por meio de nota.