Farmácias não podem condicionar descontos a fornecimento do CPFAgência Brasil

Rio - Uma prática que se popularizou no Brasil, mas que não é regularizada, é o fornecimento de dados, como o CPF, endereço e a até a biometria, durante compras na farmácia. Tal medida é amplamente realizada nas drogarias de todo País. Mas você já se perguntou com qual finalidade esses dados são coletados?

Consumidores entrevistados por O DIA alegam que informam o número do CPF, por exemplo, durante as compras para garantir descontos. É o caso do empresário Thalles Helmold, que afirmou fornecer a informação em troca de pagar mais barato nos produtos. "Forneço porque tem os descontos para quem tem cadastro, mas não sei de fato como esses dados são tratados nem o que é feito com eles", explica.

Questionado se os atendentes da farmácia já condicionaram o desconto ao fornecimento do CPF, Thalles afirma que sim, mas não explicitamente. "Quando chego no caixa, eles perguntam se quero digitar o CPF. Após digitar, eles me informam o valor total da compra com desconto. Ou seja, fica subentendido que o desconto veio do fato do CPF estar cadastrado", diz.

A professora Daniela Trotta também tem o hábito de informar o CPF quando vai a uma drogaria e lembra que também perguntam se o cliente possui ou não plano de saúde. "Falo meu dado porque geralmente eles liberam uma nota com produtos que têm desconto, mas ninguém da farmácia nunca me explicou o que é feito depois", diz.

Já a arquivista Raimunda Carvalho alega que, além dos descontos, ela acredita que esses dados sejam coletados para inclusão na nota fiscal e para um controle do que está sendo vendido. "Não sei se tem outras finalidades, mas imagino que seja isso", diz.

Riscos à privacidade

Apesar de corriqueira, a solicitação pelas farmácias de dados pessoais levanta preocupações quanto aos riscos à privacidade dos consumidores. De acordo com o Procon-RJ, o uso e compartilhamento dos dados pessoais somente poderão ser realizados após autorização do consumidor. Além disso, as farmácias devem garantir a confidencialidade das informações pessoais, a privacidade, e evitar o acesso indevido aos dados, protegendo seu sigilo.

"A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) não proíbe a coleta do CPF, mas exige que seja feita de forma transparente. A farmácia precisa informar de forma clara e objetiva exatamente o motivo da solicitação, o que será feito com os dados dos consumidores, e se haverá a abertura de cadastro e o compartilhamento destas informações pessoais com outras empresas", explica Flávia Lira, assessora jurídica da presidência do Procon-RJ.

A especialista também recomenda que é importante que o consumidor questione sempre o que será feito com os seus dados, e não forneça o CPF se a farmácia não disser de forma clara a necessidade e como as informações pessoais serão utilizadas. Os principais riscos do compartilhamento desses dados são o vazamento, o uso e compartilhamento indevidos — como a venda não autorizada das informações de seus clientes a empresas farmacêuticas, seguradoras ou operadoras de planos de saúde.

"Quando o consumidor fornece o CPF, está vinculando os dados ao seu histórico de compras. A farmácia, ao possuir estas informações, têm condições de traçar o perfil daquele cliente e capturar os seus hábitos de consumo de modo oculto", esclarece Lira.

Outro ponto importante é que os estabelecimentos não podem condicionar os descontos ao fornecimento do CPF. "Não é permitido coagir ou forçar o consumidor a informar o CPF para conceder uma promoção. Nos casos em que não envolva a compra de antibióticos e outros medicamentos de receita controlada, o consumidor pode se recusar a fornecer seus dados pessoais, e não deve ser penalizado por isso", alerta.

Já Adriano Fonseca, especialista em defesa do consumidor da Proteste, ressalta que, caso o cliente se sinta lesado, poderá pedir reparação por todos os danos sofridos. “A compensação pode ser econômica, com indenização por danos materiais, morais e/ ou estéticos, assim como na obrigação de que a empresa elimine todos os dados que possua sobre o consumidor”, esclarece.

O DIA entrou em contato com o Sindicato do Comércio Varejista dos Produtos Farmacêuticos (Sincofarma) pedindo esclarecimentos sobre o porquê da solicitação de dados pessoais e o que é feito com eles. Entretanto, não houve retorno. O espaço segue aberto para manifestação.

Fique atento! Direitos do usuário em relação aos seus dados

- Confirmar a existência do seu registro na base de dados;
- Acessar e corrigir dados incompletos, inexatos ou desatualizados;
- Se o cadastro das informações foi feito com o seu consentimento, você pode revogá-lo e requisitar a eliminação dos dados;
- Se o cadastro foi feito sem o seu consentimento, você pode se opor ao uso das suas informações pessoais;
- Requisitar a portabilidade (compartilhamento) e/ou demandar informações sobre com quem os seus dados foram compartilhados;

Denúncia de práticas abusivas

Primeiro, entre em contato com a empresa. Caso a situação não seja resolvida, denuncie práticas abusivas. Para isso você pode buscar:

- O Procon da sua cidade ou estado, inclusive por denúncia on-line. Esses dados também são compilados na plataforma consumidor.gov.br, na qual se encontram informações sobre reclamações às empresas;
- A Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), caso se trate de um problema de proteção de dados;
- A Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (Cmed), quando se tratar de um medicamento oferecido por preço acima do Preço Máximo ao Consumidor ou muito acima do restante do mercado.