Segundo Banco Central, o rotativo do cartão de crédito ainda são as taxas mais altas do mercadoReprodução / Internet

Após dois meses de queda, as taxas de juros do rotativo do cartão de crédito voltaram a aumentar. Apesar da nova regra que limitou as taxas, a conta continua salgada. Jogar o saldo do cartão no rotativo ainda é uma furada. O que fazer? Vale a pena pegar um empréstimo e quitar a fatura? Como se livrar dessa bola de neve?
Os juros do rotativo do cartão de crédito são altos por uma série de razões, sendo a inadimplência uma das principais justificativas. Segundo o Banco Central, a modalidade é mais cara do mercado e deve ser evitada.

Segundo o economista Ricardo Maluf, as instituições avaliam os riscos dos consumidores honrarem os pagamentos para decretar os juros.
O economista Ricardo Maluf lista inadimplência como fator de risco para aumento de juros - Divulgação
O economista Ricardo Maluf lista inadimplência como fator de risco para aumento de jurosDivulgação
"À medida que as pessoas diminuem os pagamentos da maior parte da fatura, o risco de inadimplência aumenta para os bancos. Então, o que eles fazem? Para compensar riscos maiores, taxas de juros mais elevadas. Se o risco for menor, taxas de juros mais baixas", disse.
Maluf também destaca o cenário econômico do país. "A taxa de juros Selic é aquilo que o governo está disposto a pagar para emprestarem dinheiro para eles. Quando maior é o índice, maior é o risco para as instituições obterem crédito com o governo", explicou.

Novas regras
O Conselho Monetário Nacional (CMN) aprovou um teto de 100% para os juros do rotativo a partir de janeiro de 2024. Isso significa que o juro acumulado não pode exceder o valor da dívida original. Além disso, as taxas só podem incidir por um ciclo de fatura. Caso o consumidor não consiga pagar a dívida até a próxima fatura, a instituição financeira deve oferecer outro tipo de crédito, normalmente o parcelado, com juros menores.
Para entender o peso dos juros de crédito no cartão rotativo, o Banco Central atualizou o método que avalia o custo das taxas nos contratos com as instituições financeiras.
O indicador é organizado em quatro percentuais: 25%, 50%, 75% e 99%. Isso significa que, por exemplo, no percentil de 25%, os juros cobrados em 25% das transações são iguais ou menores que o percentual indicado em relação ao valor original das dívidas. O Banco Central coleta esses dados de 15 instituições financeiras que representam 80% do mercado de crédito para cartões na modalidade rotativo e parcelado.
O novo método mostra quanto os clientes estão pagando de juros no cartão rotativo. Esse ranking também vai mostrar como a nova regra está funcionando. Se os juros chegarem ao limite de 100% do que foi emprestado, eles não vão aumentar nos próximos meses. Isso vai acabar com aquela situação em que os juros se acumulam sem parar, aumentando a dívida rapidamente.
Lançado em março, o indicador do Banco Central contém dados registrados a partir de janeiro e rastreia as taxas de juros do crédito rotativo e parcelado. Após dois meses de queda, o percentil 99% deste indicador registrou alta em março, mostrando um aumento de 9,4 pp (pontos percentuais), cerca de 421% ao ano.
Veja quais bancos estão com maior percentil 99% em março, e a evolução nos três primeiros meses de 2024:
1 - Banco C6 S.A.
Janeiro/24: 23,60%
Fevereiro/24: 23,60%
Março/24: 53,97%
2 - Banco BV S.A.
Janeiro/24: 24,97%
Fevereiro/24: 24,97%
Março/24: 44,12%
3 - Portoseg S.A. CFI
Janeiro/24: 21,09%
Fevereiro/24: 20,78%
Março/24: 43,59%
4 - NU Financeira S.A. CFI
Janeiro/24: 14,43%
Fevereiro/24: 15,25%
Março/24: 40,53%
5- Banco Santander (Brasil) S.A.
Janeiro/24: 20,50%
Fevereiro/24: 20,51%
Março/24: 40,86%

Livre competição
Segundo a Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs), "as taxas de juros dos cartões são definidas a partir das estratégias comerciais de cada emissor, seguindo livre competição e respeitando as regulações vigentes".

Além disso, a Abecs informou que a modalidade não afeta a saúde financeira da maior parte dos consumidores. "Segundo dados do Banco Central, mais de 75% do volume movimentado no cartão de crédito no Brasil não possui cobrança de juros por parte dos emissores, sendo que o crédito rotativo representa apenas 2% do endividamento das famílias".
A associação também menciona que "cerca de 90% dos brasileiros costumam pagar a fatura integralmente dentro da data de vencimento, e 80% dizem que o cartão de crédito contribui positivamente para seu controle financeiro", concluiu.

'Bola de neve'
O analista de redes Felipe Moura, 39 anos, deixou de pagar a fatura em junho de 2023 depois de perder o emprego. Após dois meses parado, conseguiu recolocação e entrou em contato com a Itaúcard, instituição que administrava o cartão, mas não conseguiu viabilizar um pagamento.
O analista de redes Felipe Moura tomou um susto quando viu o valor da dívida - Arquivo pessoal
O analista de redes Felipe Moura tomou um susto quando viu o valor da dívidaArquivo pessoal
"Como fiquei desempregado, não consegui pagar os R$ 1.890 da fatura. Depois vi que a dívida estava só estava aumentando. Fiquei sem saber o que fazer", contou.
Devido ao alto valor, Felipe não conseguiu pagar e foi negativado. Em maio deste ano, a dívida chegou a R$ 8.125. O analista admite que, atualmente, não tem condições de arcar com essa despesa. Mesmo com algumas tentativas do banco em fazer acordos, ele lamenta não ter uma solução tão próxima.
"Eu quero pagar para ter meu cartão de volta. Mas só com uma redução de juros eu conseguiria tentar limpar meu nome. Hoje não dá", disse.  
Luz no fim do túnel
A empresária Jessyca Uchôa está se livrando das amarras da dívida. Ela se enrolou com o cartão de crédito do Banco BV após emprestar para um amigo, também empresário, quitar uma dívida em 2020. Mas com a pandemia de Covid-19, e o fechamento das lojas, ele teve dificuldades de honrar o compromisso.
"No início ele pagava direitinho, mas após a pandemia, ele teve que fechar as portas e passou a atrasar constantemente as parcelas. Aí, virou uma bola de neve e não consegui mais sair do débito", disse.
A empresária Jessyca Uchôa termina de pagar o parcelamento em outubro - Paulo Sergio Costa / Agência O Dia
A empresária Jessyca Uchôa termina de pagar o parcelamento em outubroPaulo Sergio Costa / Agência O Dia
O valor utilizado foi de R$ 18 mil, mas com os juros chegaram a dobrar o valor da dívida. Atualmente, refez uma negociação em 14 parcelas de R$ 458,96, um total de R$ 6.425,44. A empresária vê com a alívio o fim da cobrança.
"Felizmente, agora estou com expectativa de me livrar dessa dívida. Já são quatro anos pagando e parecia que não ia acabar nunca. Em outubro, se Deus quiser, esse pesadelo termina", comemora.
Especialista recomenda organização
De acordo com Maluf, em primeiro lugar, é importante definir a função de um cartão de crédito no orçamento familiar. 
"Algumas famílias com elevado controle de gastos conseguem, inclusive, se beneficiar das vantagens oferecidas pela utilização do cartão, como milhagens, descontos em serviços e prazos. Porém, na grande maioria das vezes, o cartão é utilizado para socorrer em um gasto inevitável e inesperado. As famílias ganham um prazo para resolver uma situação que apareceu e que não possuía provisão", explicou.
No entanto, o economista destaca que educação financeira é importante para evitar se enrolar de novo. " As medidas do governo, como limitar os juros do cartão. serão sempre menos eficientes do que um bom planejamento familiar. Na minha opinião, deveria haver um investimento em educação financeira custeado pelos agentes econômicos que fornecem crédito. Seria bom para as famílias e para evitar a inadimplência do crédito disponibilizado. Todos sairiam ganhando", completou.
Empréstimo resolve?
Uma das saídas para se livrar das dívidas no cartão de crédito é contrair um empréstimo bancário. De acordo com Enivalda Alves da Silva Pina, economista e professora de administração da Universidade Santa Marcelina, é importante ficar de olho nas taxas dos bancos.
 A economista Enivalda Alves da Silva Pina recomenta ficar de olhos nas taxas dos empréstimos bancários - Divulgação
A economista Enivalda Alves da Silva Pina recomenta ficar de olhos nas taxas dos empréstimos bancáriosDivulgação
"Na maioria dos casos, vale a pena. Mas tudo depende da taxa de empréstimo contratada para quitar a dívida. Aqui trocaremos uma por outra, então, o ideal é permanecer com a que tenha menor cobrança. Por exemplo, com juros rotativo mensal de 10%, é importante pegar empréstimo bancário de 2% (média de juros mensal de um crédito)", ressalta.
Dicas
-  Organize as receitas e despesas mensais para ver se está sobrando algo para iniciar o plano de pagamento;
- Após isso realize uma cotação de empréstimo para quitar o rotativo;
- Estique o prazo do pagamento. Com isso, a dívida para de crescer e o pagamento será destinado a um crédito que tem previsibilidade de juros.