Rio - Nos últimos anos, comprar pela internet tornou-se uma prática cada vez mais comum entre os consumidores brasileiros. O fenômeno, impulsionado por uma combinação de diversidade de opções e condições atraentes, molda o cenário do varejo e transformando a forma como as pessoas consomem. O grande problema é que, apesar da expansão, o ambiente virtual tornou-se um desafio para o Código de Defesa do Consumidor (CDC) e para o bolso dos clientes. Segundo o Procon Carioca, entre janeiro e julho deste ano, o órgão já registrou mais de 4 mil reclamações de práticas abusivas.
A principal vantagem da compra on-line é a conveniência. Com a possibilidade de realizar compras a qualquer hora e de qualquer lugar, os consumidores ganham flexibilidade e economizam tempo. O acesso fácil e rápido a uma variedade de produtos e serviços — sem a necessidade de enfrentar filas ou deslocamentos — é um fator decisivo para muitos.
De acordo com um levantamento realizado pela Opinion Box, empresa especializada em pesquisa de mercado, cerca de 61% dos consumidores do País compram pela internet e 22% ainda recorrem às lojas físicas. Além disso, 85% dos brasileiros afirmam comprar on-line pelo menos uma vez por mês.
Ainda segundo a pesquisa, 3 em cada 10 brasileiros compram pela internet uma vez por semana. Do total, 63% dos que optam pelo e-commerce preferem as lojas virtuais como canal de compra e 9% dos consumidores preferem comprar pelo WhatsApp.
Os dados também apontam que pelo menos 36% dizem preferir os canais on-line por terem acesso a produtos ou marcas que não encontram em sua cidade ou região. Grande parte (40%) compra pela internet há mais de cinco anos. Os artigos mais consumidos on-line pelos entrevistados são roupas (58%), calçados (43%) e eletrônicos (43%).
Reclamações
Apesar da praticidade, com o aumento das transações on-line e a expansão da presença digital, é essencial que os consumidores estejam cientes de seus direitos e saibam como se proteger. Isso porque, segundo o Relatório do Varejo 2024, feito pela Adyen, em colaboração com o Centro de Pesquisa Econômicas e de Negócios (CEBR, na sigla em inglês), dois em cada cinco brasileiros foram vítimas de fraudes de pagamentos em 2023.
Ainda de acordo com o documento, os consumidores afetados por fraudes de pagamentos perderam, em média, R$ 2.022,46, um aumento de 137% em relação a 2022.
Um levantamento feito pelo Procon Carioca, a pedido do O DIA, mostra que, entre janeiro e julho deste ano, o órgão já registrou mais de 4 mil reclamações. Entre as principais infrações de práticas abusivas estão a publicidade enganosa, a falta de entrega do produto e atraso ou dificuldade na devolução.
Veja a lista dos 5 problemas mais reclamados no órgão:
- Não entrega/demora na entrega do produto – 1017 reclamações; - Oferta ou Serviço não cumprido/Venda e Publicidade Enganosa – 718 reclamações; - Dificuldade/Atraso na devolução/reembolso/retenção de valores – 649 reclamações; - Produto danificado/não funciona/Troca ou conserto na garantia – 287 reclamações; - Dificuldade de contato/Demora no atendimento – 277 reclamações.
Já segundo dados da plataforma Consumidor.gov.br — serviço público que permite a interlocução direta entre consumidores e empresas para solução de conflitos de consumo pela internet, — e fornecidos ao O DIA pela Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), o número de reclamações desde o começo de 2024 no País sobre o comércio eletrônico passa de 40,3 mil.
A lista de reclamações no Brasil menciona a demora nas entregas de produtos ou a falta delas (9.862), atrasos na devolução de valores ou retenção (7.350), publicidade enganosa e ofertas não cumpridas (7.170).
Monitorada pela Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) do Ministério da Justiça, Procons, Defensorias, Ministérios Públicos e também por toda a sociedade, a ferramenta possibilita a resolução de conflitos de consumo de forma rápida e desburocratizada.
Publicidade enganosa e golpe
A confeiteira Mariath Bicudo Ramos, de 30 anos, moradora de Niterói, foi vítima de um golpe no início deste mês a partir de uma publicidade enganosa. Para aproveitar a temporada de inverno, ela procurava botas e sapatos, mas os preços nas lojas físicas não eram atrativos. Ela viu em um anúncio, nas redes sociais, a oportunidade de comprar o calçado.
"É aquilo, a gente pensa e praticamente o algoritmo sugere o item. Começaram a aparecer diversos anúncios de botas e, do nada, surgiu um anúncio da loja Sonho dos Pés, de uma super promoção de aniversário, com até 70% de desconto. Eu cliquei e entrei no site e havia várias opções de botas e por um preço muito baixo, em conta", conta a confeitaria.
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Mariath revela que chegou a suspeitar que poderia se tratar de uma propaganda enganosa e que estaria caindo em um golpe, mas que preferiu acreditar que a oferta era real e decidiu fazer a compra.
"Acabei colocando no carrinho. Iria comprar uma bota só, mas, com a oportunidade, coloquei duas botas e uma sandália. O valor total desses três produtos dava mais ou menos o valor que eu estava vendo nas lojas físicas, perto da minha casa, o valor de apenas uma bota. Então pensei: 'Estou fazendo um excelente negócio'", relembrou.
O golpe seria revelado durante a realização do pagamento: "Era pelo PayPal. Achei estranho, porque não costuma ser dessa forma nas compras que faço on-line. Também fiquei muito cismada porque pediram o Token do aplicativo do banco. Comentei com o meu marido que estava achando estranho pedir Token, mas no final das contas acabei preenchendo."
"Assim que finalizei a compra, por curiosidade, entrei nas redes sociais da loja Sonhos dos Pés. Quando eu entrei me deparei com um anúncio bem grande dizendo: 'Não caiam em golpes, atenção aos golpes'", completa Mariath.
A confeiteira tentou cancelar a compra entrando em contato com o banco do cartão de crédito, mas em um primeiro momento foi informada que teria que entrar em contato com a plataforma onde foi realizada a compra para fazer o cancelamento do pedido. Recentemente, recebeu a notificação de que o seu caso foi reavaliado e o valor foi estornado. Ao todo, Mariath iria ter um prejuízo de aproximadamente R$ 250.
"Não consegui cancelar e ressarcir o dinheiro. Fiz questão de falar para outras pessoas que eu caí nesse golpe, para alertar para que não caíssem também. Mas, pelo o que vi na página, muitas caíram ou estavam prestes a cair nesse mesmo golpe", contou.
Ela ainda ressalta que aprendeu a ficar mais atenta aos anúncios e que a checagem é a melhor forma de não cair em qualquer tipo de propaganda enganosa ou golpes na internet.
"O anúncio era muito bem feito. Era um vídeo com imagens da loja, de propaganda. É muito fácil a gente cair em golpes assim. Depois que aconteceu isso, passei a atentar para vários outros vídeos que passam em publicações de anúncios do Instagram. São brindes, amostras, coisas para cadastrar as suas informações e a pessoa simplesmente ganha o produto. É tudo muito questionável e a gente tem que ficar atento ao mínimo sinal de golpe e recuar. Se eu tivesse verificado a página oficial da loja de cara, nada disso teria acontecido", lamenta.
Quais práticas são proibidas?
As práticas ilegais mais comuns no comércio eletrônicos de acordo com o Procon Carioca são:
- Ausência de informação: dados sobre produtos ou serviços devem ser apresentados de forma correta, clara e sobre todo o produto ou serviço ofertado na internet.
"A falta da informação adequada pode fazer com que o consumidor compre um produto equivocadamente, por isso a importância da necessidade de informação sobre as especificações corretas de quantidade, características, composição qualidade e preço, bem como de eventuais riscos que apresentem. Uma prática ilegal muito comum nas redes sociais é o preço 'in box' para os produtos anunciados", alerta Renata Ruback, diretora-executiva do Procon Carioca.
"A chatice do preço enviado no direct ou no privado é mais que um comportamento inadequado do fornecedor. É uma conduta ilegal e passível de pena. Devemos começar a fazer reclamação ao Procon. Omitir informação relevante sobre o preço é considerado crime contra a relação de consumo, e o dono do perfil anunciante pode ser punido com pena de detenção de 3 meses a 1 ano e multa", ressalta Renata Abalém, advogada especialista em direito do consumidor.
- Publicidade enganosa: ocorre quando o consumidor é induzido a erro. Nesse caso, há a informação, porém o produto ou serviço não corresponde ao que está sendo veiculado na oferta. No comércio eletrônico, o comprador deve ficar atento, principalmente aos preços, onde pode haver uma variação muito alta para que seja dado um "falso" desconto, fazendo com que o consumidor acredite tratar-se de uma promoção.
- Venda casada: consiste em oferecer produtos ou serviços condicionando a aquisição de outro ou impor uma quantidade mínima para que seja realizado o negócio.
"Nas compras on-line, podemos destacar alguns casos como impor a contratação de seguro de garantia estendida na compra de eletrodomésticos, sem autorização do comprador. Outro exemplo seria ao comprar uma passagem, obrigar a compra de hospedagem ou passeio", detalha a diretora-executiva do Procon Carioca.
Segundo o Ministério da Justiça, as "normas protetivas dos consumidores valem tanto para o ambiente físico quanto para o ambiente digital". A Pasta cita três pilares para a aplicação do Código de Defesa do Consumidor.
- Informações claras a respeito dos fornecedores e dos produtos e serviços ofertados (com identificação do fornecedor; características essenciais dos produtos e serviços, incluídos os riscos à saúde e à segurança; preço, incluídas despesas adicionais, como frete e seguro; condições da oferta, inclusive quanto a formas de pagamento); - Atendimento facilitado (serviço de atendimento efetivo em meio eletrônico); - Direito de arrependimento do consumidor, em até sete dias.
Saiba agir caso tenha os seus direitos violados
Quando alguém tem seu direito desrespeitado, é importante agir rápido e conhecer as etapas para buscar reparação. Inicialmente, o consumidor que se sentir prejudicado pode tentar resolver a questão diretamente com o estabelecimento envolvido, buscando uma negociação amigável. Nesse caso, é importante registrar protocolos de atendimento.
Caso a tentativa não funcione, o próximo passo seria procurar os órgãos de defesa do consumidor (Procons), pela Central 1746 e sites como o Reclame Aqui ou consumidor.gov.br.
A empresa tem até dez dias para dar uma resposta para o consumidor, contando do recebimento da reclamação. No momento do registro, é necessário que seja feito um relato do problema ocorrido, com os dados pessoais em mãos, assim como qualquer outra comprovação da compra ou do problema apresentado. Podem ser fotos, prints de telas contendo as ofertas ou trocas de conversa, nota fiscal, números de protocolos etc.
Na plataforma do Consumidor.gov.br, ainda é possível checar a reputação das empresas no próprio site por meio da guia Indicadores ou por meio do painel estatístico.
Se ainda assim a questão não for resolvida, o cliente tem o direito de buscar assistência jurídica. "O consumidor deve procurar a justiça para tentar a sentença de procedência, podendo requerer danos materiais [o prejuízo em dinheiro] e ainda o dano moral referente ao aborrecimento, às expectativas frustradas e à perda do tempo útil. Ressaltando que não existe causa ganha. Cada juiz pode sentenciar de forma diferente", explica a advogada em direito do consumidor Cátia Vita.
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Dicas para não cair em ciladas na hora das compras na internet
- Desconfie de ofertas excessivamente vantajosas: o fornecedor não divulgará ofertas para ter prejuízos. É necessário ficar atento, pois a internet está cheia de sites fraudulentos, e os criminosos se aproveitam desse desejo do consumidor. Caso tenha notado que um produto está com preço muito abaixo do mercado, desconfie.
- Antes de fazer qualquer tipo de cadastro ou informar dados, verifique se o site é conhecido antes. Pesquise as avaliações em sites e observe como foi a experiência de outras pessoas em compras.
Para saber se o site no qual o consumidor está navegando é seguro, observe a barra onde fica escrito o endereço. No começo, a palavra "seguro" deve aparecer e, ao lado, um pequeno cadeado fechado. Ao clicar na 'url', uma mensagem deve aparecer informando que seus dados estão protegidos.
- As lojas virtuais obedecem à legislação, que as obrigam a disponibilizar para seus clientes canais de atendimento de fácil acesso, independentemente de qual seja, pode ser e-mail, chat ou telefone. É importante que, pelo menos, um deles esteja ativo e que seja possível falar com alguém. Também é necessário fazer um teste antes de realizar a compra. Os canais de atendimento servem para reforçar a segurança nas compras on-line, esclarecer dúvidas, se informar sobre políticas de pagamento, envio e até devolução do produto.
- A loja virtual irá solicitar dados antes de realizar compras como data de nascimento, e-mail e endereço. Durante o pagamento, o número do cartão, a data de validade dele e o código que está atrás também são solicitados. Jamais forneça sua senha.
- Evite redes públicas de wi-fi. Busque sempre utilizar redes conhecidas ou a rede móvel do seu celular. Redes públicas podem ser extremamente inseguras e não costumam oferecer toda segurança contra fraudadores. Há ainda o risco da exposição de dados pessoais que podem ser utilizados para a prática de diversos golpes financeiros.
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